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PM derruba metade das casas do Pinheirinho; ida à comunidade vira espécie de "safári"

Guilherme Balza

Do UOL, em São José dos Campos (SP)

24/01/2012 19h31

A Polícia Militar iniciou nesta terça-feira (24) a demolição das casas da comunidade Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), que sofreu processo de reintegração de posse no último domingo (22). A estimativa da PM é que cerca de metade dos barracos tenham sido demolidos até o início da noite de hoje –a previsão do comando da corporação é que os trabalhos se encerrem ao meio-dia de amanhã, embora os próprios policiais desconfiem do prazo.

 O acesso dos moradores e da imprensa ao local foi restringido pela PM. Para entrar no Pinheirinho --terreno que faz parte da massa falida da empresa Selecta-- só acompanhado por um policial. Os que quiseram retirar seus pertences de casa, tiveram que esperar em uma fila demorada até serem autorizados pela polícia. Alguns moradores só conseguiram chegar a suas casas depois de seis horas na fila. Outros reclamaram que seus barracos foram destruídos com os pertences dentro.

"Safári" pelo Pinheirinho

A imprensa só pôde entrar na comunidade por meio de uma van da PM, acompanhada por um sargento, que escolhia a quais locais do Pinheirinho os jornalistas poderiam ter acesso. “Se quiser, é assim”, disse um sargento quando a reportagem do UOL questionou as razões do método escolhido --batizado de “safári” pelos profissionais da imprensa.

Área é desocupada pela PM
em São José dos Campos (SP)

  • Arte/UOL

Na parte da comunidade que continua de pé, os moradores que arrumaram um carreto particular conseguiram transportar seus pertences até os abrigos ou a casas de amigos e parentes. O restante aguarda os caminhões da prefeitura. “Vamos esperar até amanhã e torcer para não chover mais”, disse Wallace José Santana, 30.
 
Seu pai, proprietário de um bar na comunidade, estava revoltado com a associação de moradores do Pinherinho. “Eles disseram que isso [a reintegração de posse] nunca iria acontecer. Muitos moradores estão injuriados. Agora, todos os caras da associação foram embora”, disse Edivaldo Santana, 54, o “Cabelo”, que também trabalha como ajudante de pedreiro. Segundo ele, cada morador pagava uma taxa de R$ 30 à associação.
 
Os lotes do Pinheirinho aparentam ter o mesmo tamanho, cerca de 10 x 25 metros. As ruas são de terra e esburacadas. Em muitos terrenosm os moradores plantaram hortas e pequenas árvores. Em meio aos entulhos e casas abandonadas, alguns animais --cães, gatos, galinhas-- que ficaram para trás. Segundo a PM, 70 animais foram recolhidos em dois dias.
 
Durante o percurso pelo Pinheirinho, o sargento Marcos elegeu como “pontos turísticos” a serem apresentados à imprensa as melhores casas da comunidade –sobrados simples, de três ou quatro cômodos--, para mostrar a “discrepância” diante dos barracos de madeirite e telhado de amianto que se multiplicam pelo Pinheirinho. “A inteligência da PM vai apurar quem morava nessas casas”, disse.
 
Em frente a uma dessas moradias, Eliano Justino, 24, recolhe metros e metros de fios elétricos. Ele percorreu todo o Pinheirinho atrás dos fios de cobre para depois vender tudo a algum ferro velho. “Isso que recolhi dá uns R$ 1.000. Já dá para pagar aluguel em algum lugar”, disse o rapaz, que morava na comunidade com a mãe e dois irmãos há quase oito anos, desde que a ocupação teve início. Justino, desempregado, não sabe seu destino. “Vamos ficar no albergue [abrigo da prefeitura] até arrumar um lugarzinho.”
 
O pernambucano Adauto Florentino, 47, que criou oito dos seus 12 filhos no Pinheirinho, disse que irá se abrigar com a família em um galpão. “Debaixo da chuva não dá para ficar”, disse o também ajudante de pedreiro.
 
Desde que chegou do Nordeste, há 19 anos, Florentino, em busca da casa própria, já participou de pelo menos três ocupações irregulares, uma delas no bairro Dom Pedro, vizinho ao Pinheirinho. “Saímos da lá para uma favela com a promessa que ganharíamos uma casa própria. Temos até documento provando. Como não recebemos a casa, viemos para cá”, conta.

Revoltado, dispara até contra o ex-presidente, seu conterrâneo. “Cadê o Lula agora para nos ajudar?”.

Destino dos moradores

Dos quase 6.000 moradores do Pinheirinho, segundo censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), menos da metade foram cadastrados pela Prefeitura de São José dos Campos para receber algum auxílio. Os que pediram abrigo (760 pessoas) foram encaminhados a três escolas nos arredores do Pinheirinho, onde estão recebendo assistência, de acordo com a prefeitura.
 
Parte dos desabrigados optou por ficar na igreja católica do bairro Campo dos Alemães, vizinho ao Pinheirinho. Lá, não recebem qualquer tipo de assistência da prefeitura, apenas doações de sindicatos, ONGs e da própria igreja. A prefeitura afirmou que lideranças do movimento estimularam a ida dos moradores à Igreja para causar tumulto.
 
Treze veículos foram incendiados em protesto contra a reintegração de posse; 32 pessoas foram presas, além de quatro menores apreendidos. Nove ainda permanecem presas.