Polícia do ES investiga fazendeiro que pulverizou agrotóxico em sem-terra; gestante perdeu o bebê
A Polícia Civil está investigando um fazendeiro do Espírito Santo após um grupo de sem-terra ligados ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) ser intoxicado por agrotóxico na fazenda Santa Maria, em Presidente Kennedy (159 km de Vitória), no sul do Estado. O veneno foi despejado nas famílias por funcionários da fazenda, supostamente a mando do proprietário, o produtor de leite Martinho Adalmo Venturin, 71.
Cerca de 20 sem-terra que estão acampados na área há três anos passaram mal após a exposição ao produto. O caso mais grave aconteceu com a gestante Sandra Lima de Amaral, 37, que perdeu o bebê depois de inalar o agrotóxico, segundo relata sua irmã, Aparecida Lima.
“Ela começou a sentir ânsia e a perder muito sangue. Chamamos uma ambulância, que a levou primeiro ao pronto-socorro em Presidente Kennedy. Quando viram a gravidade, encaminharam-na a Santa Casa de Cachoeiro do Itapemirim (ES), mas não teve jeito. Ela abortou”, conta. Casada, Sandra seria mãe pela primeira vez e está traumatizada desde o aborto, de acordo com a irmã.
Os outros intoxicados deram entrada no pronto-socorro de Presidente Kennedy com dificuldades em respirar, secreção no nariz, tosse, irritação nos olhos e na pele e tontura. Medicados, retornaram ao acampamento.
Segundo Aparecida Lima, por volta de 6h um trator começou a pulverizar uma quantidade incomum de agrotóxico perto da área onde as famílias estão acampadas. Como ventava, o produto começou a atingir os sem-terra, que pediram ao operador do trator que despejasse o veneno em um local mais distante.
O funcionário da fazenda, então, começou a pulverizar o composto químico em outra área, onde havia um grupo de sem-terra trabalhando na lavoura. “Foi um desespero. Um monte de gente começou a passar mal”, afirma Aparecida.
Fazendeiro nega ataque
Por telefone, o fazendeiro negou que tenha despejado o produto contra os sem-terra. “O trator estava trabalhando na minha fazenda. Eles [os sem-terra] que foram mexer com o trator, quiseram tomá-lo do funcionário”, afirma. Venturin diz ainda que o produto despejado não é tóxico e é utilizado para impedir o crescimento de algumas espécies de plantas na área, usada para pasto.
O delegado Eduardo Martelo, de Presidente Kennedy, esteve na fazenda no dia do conflito e determinou que o fazendeiro não usasse mais o produto. Martelo, que instaurou inquérito para investigar o caso, recolheu uma amostra do composto, que está sendo analisada por peritos. Ele também está com os laudos médicos da gestante que abortou e de outros sem-terra.
“Há indícios de que o produto seja tóxico. Vamos esperar a análise do material para saber se o produto é danoso à saúde e quais as consequências da exposição a ele”, afirma. Sobre o aborto, diz o delegado, “tudo indica que está associado à ingestão do agrotóxico”. “Estamos apurando se houve dolo [intenção] por parte do fazendeiro.”
Fazenda em disputa
A fazenda tem 1.300 hectares e foi considerada improdutiva pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em 2009. Em seguida, cerca de 50 famílias sem-terra ocuparam parte da propriedade exigindo a desapropriação. O fazendeiro nega que a área seja improdutiva. “Sou o maior produtor de leite da região. Também crio e engordo gado de corte. Tenho 2.000 fornecedores”, afirma.
O proprietário entrou com ação judicial para permanecer no local. O processo está no STF (Supremo Tribunal Federal), que em breve deverá decidir se parte da fazenda deverá ser desapropriada. De acordo com o delegado, a tensão é constante na propriedade. “É uma situação de indefinição que gera um clima de tensão permanente”, finaliza Martelo.
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