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Índios guaranis-kaiowás apontam aldeias superlotadas como principal motivo da ocupação

Lilian Ferreira

Do UOL, em Iguatemi (MS)

06/11/2012 14h00

Fazendas ocupam hoje uma área historicamente habitada pelos índios guaranis-kaiowás no Mato Grosso do Sul. Apesar disso, nos últimos anos, a disputa pela terra foi impulsionada pela falta de espaço para os indígenas, segundo lideranças da comunidade, em conversa com a reportagem do UOL, em visita à área ocupada na fazenda Cambará, em Iguatemi, a 470 km da capital do Mato Grosso do Sul, na última quinta-feira (1).

Segundo nota técnica da Funai de março de 2012, toda a região cone sul do Estado era área de aldeias dos guarani, inclusive a região ocupada, que representa as aldeias Mbarakay e Pyelito Kue. A presidente Dilma Rousseff determinou que a Funai conclua em até 30 dias os estudos antropológicos para a demarcação do território indígena e acabe com as disputas na região.

Cerca de 32 mil guaranis-kaiowás vivem em 27 aldeias que ocupam 80 mil de hectares no Estado. De acordo com a nota, os grupos indígenas guarani no Estado, que hoje reivindicam seus antigos territórios, não residem nestas terras, mas sim em áreas oficialmente demarcadas (as denominadas Terras Indígenas). Eles ainda têm um modo tradicional de ocupação do espaço que é difusa no território, assim a necessidade de mais terras.

Para os indígenas que lideram a ocupação, falta espaço nas terras demarcadas, o que faz com que eles reivindiquem a “retomada”, como chamam, de suas terras antigas. 

Se realmente conseguirem a posse da Mbarakay -Pyelito Kue, “cinco a seis ônibus” de pessoas sairão das principais aldeias da região para morar no local, conta Marilene, uma índia de 23 anos, que respondia pela aldeia no momento da visita. Segundo Carlo Afonso, de 49 anos, outro líder local, 220 novas pessoas deveriam chegar nos próximos dias.

Décadas de disputa

Apesar de divulgarem que a área é ocupada por 170 índios, durante a visita apenas cerca de dez adultos e dez crianças estavam na aldeia, além de dez cabanas aproximadamente. Entre eles, estava Carlo, que diz que nasceu ali mesmo em Mbarakay e desde que foram expulsos, luta para retomar as terras. A região está em disputa há décadas.

A nota técnica da Funai sobre a região afirma que: “além dos relatos dos próprios indígenas, é farta a documentação que revela a sua retirada desses espaços, seja à força, seja através de aliciamento”.

Carlo conta que, em junho de 2011, voltou para tentar retomar a terra, mas foi recebido à bala por pistoleiros. Helena, outra líder indígena, que hoje mora na Aldeia Limão verde, diz que sabe onde é o cemitério indígena em Mbrakay e pode indicar os locais em que seus ancestrais viviam. “Essa terra não é do fazendeiro. Ele é de fora”, diz. A grande maioria da população originária de Mbrarakay e Pyelito se encontra hoje habitando as aldeias Sassoró, Jaguapiré, Amambai e Limão Verde.

Em artigo de 2003, o chefe do Departamento de Identificação e Delimitação da Funai, Marco Paulo Fróes Schettino, afirmou que a situação guarani no sul do Mato Grosso do Sul era “dramática”. “As populações indígenas estão confinadas em áreas diminutas, antigos confinamentos definidos como as Terras Indígenas Limão Verde, Sassoró, Caarapó, Amambai, Dourados e Taquaperi. Terras, hoje, insuficientes para garantir a subsistência das populações aí instaladas”, analisa.

Confinamento

Schettino ainda destaca a crescente violência na região e as “precaríssimas condições de vida” no que ele chama de “confinamento”. Isto associado a “um forte processo de marginalização social no contexto regional, leva a um incremento da demanda por terra. Muitos grupos familiares encontram-se, em situação de risco, na faixa de servidão de rodovias, a espera de uma solução fundiária. Situação causada pela impossibilidade de permanecerem nas áreas já regularizadas e nos seus territórios tradicionais localizados dentro das fazendas, que ocupavam ora pela estratégia da camuflagem, ao se localizarem em áreas florestadas, ora como mão-de-obra”, afirma no artigo.

Desde 2003, quatro Terras Indígenas foram delimitadas, em uma área que corresponde a 45% do total, mas nenhuma foi regularizada até hoje.  O proprietário da fazenda Cambará, Osmar Bonamigo, não foi encontrado no local, estava em Brasília. Contatado por telefone, sua mulher, Rejane, disse que ele não falaria com a imprensa.