Topo

Demora e burocracia em ações governamentais agravam problema da seca no Nordeste, reclamam produtores

Carlos Madeiro

Do UOL, em Maceió

14/11/2012 18h15Atualizada em 14/11/2012 18h31

Os produtores rurais da região do semiárido do Nordeste estão reclamando da demora e da burocracia nas ações governamentais anunciadas para socorrer as cerca de 10 milhões de pessoas que sofrem com a maior estiagem dos últimos 40 anos na região.

Os trabalhadores do campo cobram ações mais rápidas contra os prejuízos já causados pela falta de chuva.

Segundo representantes de produtores rurais ouvidos pelo UOL, apesar dos vários programas e ações anunciados pelo governo federal e estaduais, boa parte da ajuda não consegue chegar às vítimas da seca, seja por problemas logísticos ou por excesso de exigências.

No Nordeste, mais de mil municípios estão em situação de emergência pela estiagem.

Desde o agravamento da seca, no início do ano, várias ações e envio de recursos foram anunciadas pelos governos federal e estaduais.

A principal política pública é o envio diário de carros pipa a todas as comunidades afetadas pela estiagem. Outras ações --como apoio a distribuição de alimento para os animais e crédito para os produtores-- estariam enfrentando problemas.

Segundo os nordestinos afetados, apesar de não faltar água potável, há outras carências graves e que causam prejuízo econômico.

O principal problema apontado pelos produtores é a falta alimento para os animais, que representavam a renda de muitos sertanejos.

O rebanho continua morrendo nos terrenos e sítios da zona rural. Além disso, os financiamentos anunciados pelo governo federal não estariam chegando ao produtor rural.

“A ajuda não está chegando nem na quantidade, nem velocidade que a gente entende que seria necessária. Estamos fazendo uma série de cobranças ao governo federal e estadual. Tivemos hoje [quarta-feira] uma reunião com o arcebispo de Recife e Olinda [Dom Fernando Saburido] para darmos início a uma campanha de arrecadação de água para consumo humano. Temos municípios entrando em colapso. Pedimos também para a Igreja cobrar o governo. Vamos tentar criar uma conta e pedir aos empresários que depositem recursos para realização de obras para que se somem às que o governo diz que vai fazer, como cisternas e barragens subterrâneas”, afirmou o presidente da Fetape (Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco), Doriel Barros.

Segundo Barros, diante do cenário “gritante”, os trabalhadores e produtores rurais pretendem se organizar e cobrar medidas mais enfáticas, na próxima semana, ao governo federal e aos governadores.

“Estamos indo a Brasília com representantes das federações estaduais do Nordeste para organizarmos um evento regional. A ideia é fazer reunião chamando governadores, a presidente Dilma e ministros para discutirmos ações. A situação está séria, e a burocracia é grande. O que percebemos é que o governo não se preparou para enfrentar um momento como esse”, disse.

Morte de animais

A consequência direta da falta de ajuda seria a morte dos animais pelo sertão. Em Pernambuco, a estimativa da Fetape, por exemplo, é que a seca resulte em 800 mil mortes até o fim do ano.

Sem alimento para fornecer aos animais, os produtores estão abandonando os animais, que morrem de fome à beira de rodovias.

No Rio Grande do Norte, a estimativa é que 65% do rebanho morra ou seja vendido antes da hora para abate por conta da falta de alimento.

“O governo federal tem um programa emergencial de crédito, mas que é um mentira, que de emergencial não tem nada. A burocracia é normal. Há um fluxo de projetos no Banco do Nordeste travadíssimo. É um 'check list' muito grande. No Rio Grande do Norte, por exemplo, somente 2% do público teve acesso a esse crédito”, disse Gilberto Silva, assessor técnico da Federação dos Trabalhadores em Agricultura do Rio Grande do Norte.

O representante também questiona a falta de distribuição de comida para os animais. “A entrega do milho, que é um paliativo, não chega ao Nordeste porque não há logística. Tudo isso estamos reclamado. Estamos pedindo também a prorrogação do Garantia Safra. O Bolsa Estiagem é um valor irrisório [R$ 80 por mês], uma esmola. Fizemos uma pauta do Grito da Terra, em maio, mas até agora nada foi feito. A situação está complicadíssima.”

Com as previsões de chuva apenas a partir do início do próximo ano, a perspectiva é que os produtores rurais só se recuperem na metade do ano de 2013.

“Mesmo que chova em março, como nos apontam, só teremos produção em junho e julho. O abastecimento que chega pelos carros-pipa é de água potável, e não atende às necessidades dos animais. As adutoras prometidas são demoradas, só vão estar prontas na próxima seca”, completou.

Os mesmos problemas estão sendo enfrentados pelos produtores rurais da Paraíba, onde mais de 80% dos municípios estão sendo afetados pela estiagem.

“A burocracia é muito grande, especialmente para os financiamentos. Nenhum assentado tem como acessar esse crédito. Outra coisa: a política federal do milho para os pequenos produtores foi lançada, mas esse milho não chega ao Nordeste. Recentemente tem melhorado a situação, mas ainda é muito pouca a distribuição. E olhe que a gente vai sempre a Brasília, conversa, mas a demanda é grande”, afirmou Ivanildo Pereira Dantas, assessor técnico da Federação dos Trabalhadores da Agricultura da Paraíba.

Ações

Em resposta ao UOL, no fim da tarde desta terça-feira (14), o Ministério da Integração Nacional --responsável federal pela coordenação dos trabalhos de assistência às vítimas das seca-- informou que apenas autoriza e repassa o dinheiro para crédito especial, com as devidas orientações, ao BNB (Banco do Nordeste), que é responsável pela operação dos financiamentos. Sobre a demora na entrega do milho, o ministério afirma que se trata de responsabilidade da Conab  (Companhia Nacional de Abastecimento).

Em seu site, o BNB informa que destinou, esta semana, mais R$ 500 milhões para Programa Emergencial para a Seca e que os empréstimos estão sendo concedidos.

"Com o aumento, o total disponibilizado para financiar empreendedores urbanos e rurais atingidos pela estiagem na área de atuação do BNB chega a R$ 1,5 bilhão, dos quais o Banco já contratou R$ 1,2 bilhão, com 158 mil operações realizadas, em 1.250 municípios de sua área de atuação. Estão ainda em fase de contratação mais R$ 198 milhões em propostas", informa a instituição.

A reportagem do UOL também entrou em contato com a Conab e aguarda resposta do órgão.

Nesta terça-feira (13), a presidente Dilma Rousseff lançou o programa “Mais Irrigação”, que prevê investimentos de R$ 10 bilhões, sendo R$ 7 bilhões captados com a iniciativa privada. Ao todo devem ser beneficiados 538 mil hectares de áreas destinadas produção de biocombustíveis, fruticultura, leite carne e grãos