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Previsto por Lúcio Costa, bairro de classe alta de Brasília surge em meio a disputa de terra indígena

Gabriela Guedes

Do UOL, em Brasília

03/02/2013 06h00

As placas de imóveis à venda “indicam” o caminho para o setor Noroeste, novo bairro de classe média alta de Brasília inaugurado no final de 2012. A oferta mais econômica divulga um apartamento de dois quartos por R$ 650 mil. Por trás das cifras elevadas, a ocupação e construção do bairro possuem um histórico de polêmicas.

A ideia de criar um novo bairro no local, que fica, como diz o nome, entre as regiões norte e oeste da capital, estava prevista no projeto “Brasília Revisitada”, elaborado pelo urbanista Lúcio Costa (o mesmo que planejou a capital federal ao lado do arquiteto Oscar Niemeyer) entre os anos de 1985 e 1987. O objetivo era apontar alternativas de expansão das cidades do Distrito Federal. O projeto foi resgatado em 2007, durante a gestão do ex-governador José Roberto Arruda (atualmente sem partido).

Desde então, a proposta caminhou lentamente. Às dificuldades burocráticas usuais para a criação de qualquer espaço urbano somavam-se outros aspectos mais complicados de lidar: a questão ambiental e, principalmente, uma disputa pela terra, pois a área é reivindicada como terra indígena, conhecida como Santuário dos Pajés.

Disputa indígena

O local onde vem sendo construído o Noroeste encontra-se em uma região minimamente conservada do cerrado, próxima ao Parque Nacional de Brasília e à APA (Área de Preservação Ambiental) do Planalto Central, ambos reconhecidos como UCF (Unidades de Conservação Federais).

Lá vivem dez famílias indígenas de diferentes etnias como cariri, tuxá e fulni-ô tapuia. Segundo eles mesmos relatam, os primeiros índios teriam vindo do nordeste na década de 60 para trabalhar na construção da capital federal. A área é tida como local sagrado e, há cerca de 30 anos, teria sido considerada de posse da comunidade tradicional.

Quando o projeto do Noroeste saiu do papel, os índios se recusaram a deixar a terra e, apoiados por estudantes e representantes de movimentos sociais, iniciaram uma disputa contra o governo do Distrito Federal.

Apesar do impasse para definir a posse das terras, a empresa pública Terracap (Companhia Imobiliária de Brasília) começou a leiloar os lotes em 2009 sem a licença ambiental, que dependia da definição do problema para ser expedida pelo Ibram (Instituto Brasília Ambiental).

As construções foram paralisadas por diversas vezes por intervenção de órgãos como o MPF (Ministério Público Federal) e o Instituto Chico Mendes (responsável pela gestão das UCF), que também alegou danos ambientais ocasionados pelas obras.

Os três grupos indígenas, contudo, possuem representantes diferentes e travam disputas separadamente, e estas se encontram em variados estágios na Justiça. Segundo Ariel Gomide Foina, advogado dos fulni-ô tapuya, há uma sentença cautelar determinado que a área ambiental Cruls (“área verde” que é parte da proposta do Noroeste) deve ser resguardada até a decisão final.

Foina afirma também que antropólogos reconhecem os elementos de tradicionalidade (necessários para a demarcação da terra) desde 1975. “O espaço reconhecido é 50 hectares, não de quatro, como vem sendo divulgado”, defende o advogado, que diz trabalhar voluntariamente no caso.   

O assunto tornou-se notícia frequente nos meios de comunicação do DF e rendeu um documentário, o “Sagrada Terra Especulada – A luta contra o Setor Noroeste”, premiado no Festival de Brasília de 2011 como segundo melhor longa-metragem na categoria Câmara Legislativa do Distrito Federal. Já em 2012, o curta “A ditadura da Especulação” recebeu o prêmio de melhor curta escolhido pelo Júri Popular do mesmo evento e foi aplaudido de pé pelo público. Ambos filmes foram produzidos pelo Centro de Mídia Independente do DF, com a auxilio do coletivo de produção multimídia Muruá.

De acordo com Alan Shvascberg, do Muruá, a construção do Noroeste ocorreu por causa da pressão do mercado imobiliário: “Tudo foi feito sem consultar a população e ignorando a demanda habitacional real de Brasília. Há uma série de espaços e imóveis vazios na cidade, inclusive na Asa Norte (outro bairro de classe média alta). Porém, o governo tinha interesse direto nesse projeto, já que o Paulo Octávio (vice-governador na época de Arruda) é um grande empresário do ramo”, ressaltou.

Por ser tombada como Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade da Unesco, Brasília  possuí uma série de limitações para a ocupação do solo e para a realização de projetos urbanos. Qualquer construção na cidade segue normas rígidas, como a obrigatoriedade de pilotis abertos para a livre circulação de pessoas, a restrição do número de andares (em três ou seis) e de prédios por quadras. Estes fatores, aliados aos altos salários do funcionalismo público federal, seriam preponderantes para o surgimento de um dos metros quadrados mais caros do país, que, só recentemente, perdeu o primeiro lugar para o Rio de Janeiro.