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Homossexuais denunciam violência e perseguição de policiais em parque de Curitiba

Parada Gay 2012 de Curitiba foi a primeira do casal Alvez Alves e Newton Oliveira - Alvez Alves e Newton Oliveira/Você Manda/UOL
Parada Gay 2012 de Curitiba foi a primeira do casal Alvez Alves e Newton Oliveira Imagem: Alvez Alves e Newton Oliveira/Você Manda/UOL

Rafael Moro Martins

Do UOL, em Curitiba

12/06/2013 06h00

Homossexuais que frequentam o Bosque do Trabalhador (zona sul de Curitiba) denunciam violência e perseguição por parte de policiais militares e guardas municipais. O parque, localizado na Cidade Industrial, bairro de classe média baixa da capital paranaense, é ponto de encontro e paquera de gays que vivem na região.

A reportagem conversou com vários frequentadores do bosque, que falaram sob a condição do anonimato – temem represálias dos policiais e guardas. Eles relataram abordagens violentas, ofensas, ameaças de morte e tiros disparados para o alto sem motivo aparente.

Uma das vítimas contou que um dos policiais que atuam no parque obteve seu endereço e rondou o prédio onde mora, inclusive fazendo perguntas a vizinhos, como forma de intimidação.

“O policial me abordou de maneira estúpida, perguntando o que eu fazia, que ali viados vagabundos faziam putaria no mato. Depois, perguntou sobre meu carro. Eu vi que ele anotou a placa”, disse o auxiliar de enfermagem R.

“Uns dias depois, vizinhos meus disseram que um policial militar havia estado no prédio atrás de mim, fazendo perguntas a meu respeito e sobre meu carro. Uma vizinha perguntou ao policial se ele poderia fazer aquilo sem mandado judicial, e ouviu que deveria 'tomar cuidado'”, contou.

O caso ocorreu em fins de 2012. A descrição do policial que foi à casa de R. bate com o homem que o abordou no bosque, segundo ele – “um policial gordo e de bigode”. A esse mesmo policial, outras vítimas atribuem atitudes violentas, como, por exemplo, dar tiros para cima ao chegar ao local.

Bala nas costas

“Eu estava passando por lá quando um policial gordo, de bigode, encostou o carro e sacou a arma. Me chamou de garoto de programa, disse que quem mandava ali era ele e para que eu não aparecesse mais no bosque, que senão ia levar uma bala nas costas”, falou o estudante S.

“Ele ainda me insultou por ser homossexual, e disse que, pela vontade dele, metia um balaço em cada gay que aparecia lá, para fazer uma 'limpeza'. Depois disso, apontou a arma para mim antes de dar tiros para cima”, afirmou o estudante. Segundo ele, o caso ocorreu há cerca de 15 dias.

“Somos humilhados”, disse o copeiro N. “Eles [policiais e guardas municipais] chegam cantando os pneus das viaturas, nos revistam com estupidez. E depois nos mandam ir embora, dizem que aquele lugar não é para nós.” Para ele, a atitude é evidentemente homofóbica. “Amigos heterossexuais relatam tratamento bem diferente”, falou N.

“Cadastro de boiolas”

Parte das denúncias recebidas pelo UOL também foi encaminhada à corregedoria da Polícia Militar. Em uma delas, a vítima relata que foi abordada um oficial da PM, que teria cobrado informações pessoais para “um cadastro de boiolas”.

“O oficial me disse que o bosque era frequentado por 'boiolas' que usavam o bosque para ficarem se pegando. E que ele seu colega (também oficial) estavam ali para fazer um cadastro de todos os 'boiolas' que freqüentavam o parque”, lê-se na denúncia recebida pela corregedoria.

Segundo a vítima, um dos oficiais teria dito que “vamos pegar os dados dos 'boiolas' e entrar em contato com a família, para dizer o que eles andam fazendo aqui no mato do bosque. Eu já separei um pedaço de pau. Se eu pegar os 'boiolas' dentro do mato, quero empalar um deles”.

Os dois oficiais, segundo a vítima, são respectivamente coronel e tenente-coronel da PM.

Condenação judicial

Casos de violência de policiais e guardas municipais contra gays não são novidade no bosque do Trabalhador. Ao menos um deles rendeu um processo judicial, movido pelo enfermeiro C., que resultou na condenação de dois guardas municipais em janeiro de 2013 – um deles, a cinco de prisão em regime fechado.

“Foi em abril de 2011. Os guardas me abordaram, e logo em seguida começaram a me bater, um deles encostou o revólver na cabeça. Me chamaram de bicha idiota, disseram que valia a pena me comer. Fiquei cerca de meia hora nas mãos deles. Quando me soltaram, deram um tiro para o alto”, relatou.

“Dei parte do caso na Guarda Municipal à GM, prestei queixa na polícia e fui à Justiça (o processo, na verdade, foi movido pelo Ministério Público; atualmente, os guardas condenados aguardam decisão sobre recurso à sentença)”, disse o enfermeiro. Segundo ele, porém, a situação não mudou no Bosque do Trabalhador. “Eu já vi a PM bater em muita gente lá.”

Medo abafa denúncias, diz entidade

A perseguição que sofreu da polícia, em casa, em fins de 2012, fez com que o auxiliar de enfermagem R. não voltasse ao bosque até meados deste ano. Quando voltou, encontrou N., curitibano que vive na Europa, tentando mobilizar os agredidos a prestarem queixa contra a violência policial.

“Fiquei indignado com o sofri, vi e me relataram”, disse. De passagem pela cidade, N. é autor da denúncia feita à corregedoria da PM. Ainda assim, ele mesmo teme represálias, e entende o temor dos homossexuais que sobrem agressões de autoridades.

A situação é comum, segundo Márcio Marins, coordenador do grupo Dom da Terra, organização de defesa de direitos da população LGBT de Curitiba. “Não são poucas as denúncias de coação, extorsão e violência física contra gays que recebemos, e muitas partem de policiais militares e guardas municipais”, disse.

“Temos caso de pessoas que foram extorquidas por policiais, durante meses, por serem conhecidas na cidade. Infelizmente, por temer represálias, a imensa maioria tem medo de oferecer denúncia formal contra os agressores”, disse Marins. “Curitiba é uma cidade muito conservadora em relação à população LGBT. Somos tratados como cidadãos de segunda classe.”

Outro lado

Procurada pelo UOL, a assessoria da PM recebeu o conteúdo das denúncias de agressão e perseguição a homossexuais. E respondeu por escrito.

“O coronel Sérgio Cordeiro de Souza, comandante do 23.º Batalhão da PM [responsável pelo patrulhamento na região do Bosque do Trabalhador], esclarece que não há nenhum tipo de preconceitos por parte dos oficiais citados, ou de qualquer policial militar, em relação a qualquer pessoa que frequente o bosque”, diz o texto.

“[A PM] Esclarece ainda que, a pedido da população, que dizia não poder frequentar o parque com as famílias, a fiscalização e o policiamento foram intensificados no local, com o intuito de evitar roubos, assaltos e até latrocínios”, prossegue a resposta.

Autor de denúncia à corregedoria da PM, N. reconhece que há problemas causados por parte dos frequentadores do bosque. “As trilhas, pela mata, estão cheias de camisinhas usadas. É um problema comum em outros parques da cidade. Mas isso não dá a um policial o direito de nos tratar como delinquentes”, argumentou.

Todos os entrevistados negaram que haja garotos de programa no parque, mas um deles admitiu que usuários de drogas, que também frequentam o local, aceitem encontros com homossexuais – realizados nas matas do bosque – em troca de algum dinheiro.

Ao UOL, o diretor da Guarda Municipal, inspetor Claudio Frederico de Carvalho, disse desconhecer denúncias contra agentes. “A Guarda Municipal não age com homofobia. Quaisquer formas de expressão humana são naturais e bem aceitas. Tão logo cheguem denúncias, abriremos procedimento. E, se houve delito, o servidor será punido pelo excesso praticado”, afirmou.