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Banhistas ignoram a qualidade da água e continuam frequentando as praias do Guarujá (SP)

Rafael Motta

Do UOL, em Santos

10/01/2014 07h00

A qualidade das praias do Guarujá (86 km de São Paulo), as mais badaladas na Baixada Santista, é a pior desde 2000, segundo a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), mas isso não tem atrapalhado o turismo na cidade. Até o final da temporada, a prefeitura espera a passagem de mais de 1,5 milhão de visitantes pela cidade – a população fixa é em torno de 300 mil habitantes.

Banhistas ouvidos pelo UOL dizem não ter costume de consultar a qualidade das praias. E, segundo proprietários e gerentes de estabelecimentos comerciais, o número de frequentadores depende quase que exclusivamente da situação econômica deles.

O último levantamento anual consolidado da Cetesb, referente a 2012, resultou nos piores índices gerais de balneabilidade registrados no Guarujá desde 2000. Nenhum dos 11 pontos monitorados na cidade foi classificado como bom ou ótimo –-ou seja, próprio para banho o ano inteiro.

Foram seis locais regulares (impróprios até três meses por ano, conforme resultados das análises semanais), quatro ruins (de três a seis meses) e um péssimo (por mais de um semestre). Monitoram-se sete praias na cidade, uma delas em quatro trechos (Enseada) e outra, em dois (Pitangueiras).

Mesmo na praia do Tombo, historicamente a melhor do Guarujá, e uma das duas praias brasileiras certificadas em 2013 com Bandeira Azul, o conceito atribuído pela Cetesb foi regular –-mas esteve excelente para banho em 77% do tempo.

Para comparação, oito dos 11 pontos guarujaenses foram considerados bons em 2010. A primeira vez em que uma praia ruim apareceu no mapa foi em 2011: a da Enseada, na direção da Rua Chile, o que não ocorria desde 1999 – exceto com a do Perequê, uma colônia de pesca, sempre péssima.

O maior volume de chuvas em 2013 poderá levar a resultados ainda mais negativos. Conforme a Sabesp, empresa responsável pelos serviços de água e esgoto em 364 das 645 cidades paulistas, o índice pluviométrico cresceu 36% na Baixada Santista entre um ano e outro, de janeiro a novembro.

Própria ou imprópria?

  • Arte/UOL

    Clique na imagem para conhecer as condições das praias do litoral brasileiro neste verão

Banhistas ignoram contaminação

A interferência na qualidade das praias no Guarujá vem de pontos distantes, mas localizados dentro da cidade. Um deles, as favelas --segundo o Censo 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 32,9% dos domicílios estão situados em um dos 46 aglomerados subnormais da cidade.

Esse é o segundo pior índice da Baixada Santista (em Cubatão, sem praias, são 41,5%) e o 13º do país. Na época, o município tinha 26 mil moradias nesses núcleos e, em pelo menos 2.000 delas, o destino final do esgoto eram rios, lagos ou o mar, que recebem os dejetos sem tratamento.

O secretário municipal de Meio Ambiente, Elio Lopes dos Santos, afirma que favelas, palafitas e casas construídas clandestinamente em morros são “grandes fontes poluidoras”. “Nessas áreas, não se pode entrar para fazer saneamento básico porque a Justiça não permite”.

As galerias pluviais – tubos por onde escoa água da chuva, nos quais se mistura esgoto de ligações irregulares – também são fontes de contaminação. Num dia chuvoso, como o UOL observou quando esteve lá, córregos se formam nas praias, em meio a banhistas, e deságuam no oceano.

Frequentadores estão sujeitos a doenças porque apenas um em cada cinco cursos d'água monitorados está dentro de limites legais de contaminação, conforme o “Relatório de Qualidade das Praias Litorâneas” referente a 2012, feito pela Cetesb.

Elio Santos vê outro problema ambiental e de saúde pública nas praias: a poluição difusa. “Alimentos deixados por banhistas na areia atraem pombos e outros pássaros. As fezes deles caem na areia. Na primeira chuva, são levadas à água”.

Nada disso parecia incomodar o ajudante de motorista João Carlos de Souza, que foi à praia das Astúrias com a mulher, Ariane Francisca Costa de Souza, e os filhos, de 8, 7 e 6 anos. Sob chuva e às margens de um córrego, o casal jogava frescobol, enquanto as crianças corriam na areia.

“Vim [de São Paulo] só para um bate e volta. A gente sempre vai à Praia Grande [71 km de São Paulo] uma ou duas vezes por ano, mas desta vez esticou até aqui”, disse Souza, que se preparava para deixar a praia e caminhar no calçadão da orla.

“Ele me disse que aqui é gostoso e com água limpa, mas hoje está mais suja”, comentou Ariane. Os dois, porém, não manifestaram preocupação e afirmaram nunca ter ficado doentes por causa de água ou areia da praia. No dia 23 de dezembro, a praia das Astúrias estava imprópria, segundo a Cetesb. No entanto, nas últimas semanas ela melhorou sua qualificação e passou a ficar própria para o banho.

Comércio e setor hoteleiro: sem interferência

Proprietário de um restaurante na praia de Pitangueiras há 21 anos, o empresário Alex Avelino Najas contou que jamais ouviu queixas de frequentadores sobre a qualidade das praias. Dois trechos dessa praia são monitorados pela Cetesb, ambos impróprios para banho na antevéspera do Natal.

“A bandeira [que indica se o mar está adequado ou não para banhistas] pode estar verde, azul, preta, vermelha: não me atrapalha em nada. O máximo que ocorre é que, quando está sol, o cliente adia o almoço e vem para a janta”, comentou Najas.

Estabelecido desde 1988 nas Astúrias, o pasteleiro e chefe de cozinha Benony Avelino concorda: “não vejo ninguém reclamar. A frequência às praias é normal [independentemente da balneabilidade]. O que atrai o cliente é a qualidade do produto”.

No Delphin Hotel, estabelecimento tradicional e de alto padrão diante da praia da Enseada, o gerente geral Ricardo Meira Lima disse ser “muito difícil” que algum hóspede em potencial indague sobre a condição das praias para banho.

“É uma questão de cultura, mesmo. Fui gerente de um hotel na Bahia e essa pergunta era frequente, mas o estabelecimento ficava em uma praia particular. E, aqui, temos 100% de ocupação para o fim do ano”, comparou Lima, que há seis meses trabalha no Guarujá.

Cuidado ambiental como atrativo turístico

Em dezembro passado, a praia do Tombo recebeu a Bandeira Azul pela quarta vez consecutiva. A distinção é concedida pelo instituto dinamarquês FEE (Fundação para a Educação Ambiental, na sigla em inglês), que atesta a balneabilidade em praias e marinas de todo o mundo.

De acordo com o Ministério do Turismo, somente quatro locais no Brasil ostentam a Bandeira Azul: o Tombo; o centro de lazer Marinas Nacionais, também no Guarujá; a Prainha, no Rio de Janeiro; e a Marina Costabella, em Angra dos Reis (RJ).

A praia do Tombo atendeu 32 critérios estabelecidos pela FEE, como educação, gestão e informação ambientais e qualidade da água. Há um Núcleo de Informação e Educação Ambiental, pelo qual passaram 8.500 crianças em 2013, segundo o secretário de Meio Ambiente do município.

“De 2009 para cá, investimos cerca de R$ 1 milhão em identificação de ligações de esgoto clandestinas, segurança, apoio sanitário, câmeras de monitoramento e na equipe do núcleo de educação. [A Bandeira Azul] É um atrativo turístico internacional”, disse Elio Lopes dos Santos.

O objetivo da prefeitura do Guarujá é fazer com que a praia do Guaiuba, vizinha à do Tombo, também alcance essa condição. Mas, conforme o secretário, “será uma tarefa de longo prazo. É um trabalho de gestão ambiental muito forte, e o governo local tem mais prioridades”.