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Pouca chuva não significa falta de água na torneira, diz relator da ONU

Desde dezembro, do ano passado Leo Heller é relator especial da ONU sobre o direito à água potável e ao saneamento - Foca Lisboa/UFMG
Desde dezembro, do ano passado Leo Heller é relator especial da ONU sobre o direito à água potável e ao saneamento Imagem: Foca Lisboa/UFMG

Fabiana Maranhão

Do UOL, em São Paulo

12/02/2015 06h00Atualizada em 12/02/2015 11h32

O pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Leo Heller afirma que é um equívoco pensar que estiagem significa necessariamente falta de água nas torneiras. "Estiagem é baixo volume de chuva; escassez é acesso limitado à água", diz o brasileiro, que é o atual relator especial da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre o direito à água potável e ao saneamento. 

Depois de 2014, considerado o ano mais seco e mais quente em décadas na região Sudeste, o estudioso faz questão de diferenciar estiagem de escassez, explicando, assim, que a culpa da atual crise de falta de água não é da meteorologia.

Para Heller, que está na função desde 1º de dezembro do ano passado, é possível ter pouca chuva e abastecimento de água regular para a população. "A estiagem não deve se converter em escassez no sistema de abastecimento. [Para isso] é necessário haver planejamento para pensar em medidas que evitem a falta de água", afirma Heller, que foi escolhido para a função para um período de três anos, prazo que pode ser prorrogado por mais três.

Segundo ele, é necessário projetar qual será o consumo futuro e a disponibilidade de água e pensar em alternativas aos reservatórios, como uso de água de chuva e de aquíferos, além do reúso. "A oferta deve ser sempre superior à demanda. Nesse período que estamos vivendo isso não está acontecendo", alerta.

Vilões da crise

A crise de falta de água vivida por São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo foi causada, na opinião do professor, pelo "planejamento inadequado do sistema de água", que não leva em conta as variações climáticas.

Ele discorda de quem aponta o desperdício dos consumidores domésticos como vilão da crise. "Nós sabemos que não são eles. Existe um uso perdulário da água em outras atividades econômicas, como agricultura e mineração, além das perdas excessivas na distribuição de água", fala.

Relatório do governo federal divulgado no mês passado revelou que 37% da água tratada no país é desperdiçada por falhas nas tubulações, fraudes e ligações clandestinas.

Segundo a ANA (Agência Nacional de Águas), de cada cem litros de água consumidos no Brasil, 72 são usados na agricultura.

Lições

O relator da ONU vê lições que a falta de água pode ensinar tanto para os consumidores quanto para os prestadores de serviço de água.

"A crise não deixa de ser uma oportunidade para estabelecer um processo educativo para que as pessoas gastem [água] com mais responsabilidade porque sem dúvida existe espaço para reduzir o consumo. É inadmissível que hoje em dia pessoas lavem o passeio com mangueira", critica.

Heller chama a atenção, no entanto, que essa redução no consumo tem limite. "É preciso haver cautela para que não implique em redução excessiva aquém das necessidades básicas", destaca.

Multa por desperdício

Questionado pela reportagem do UOL sobre a validade das medidas que têm sido tomadas pelos governos para lidar com a crise, o pesquisador preferiu não fazer comentários, com exceção do caso da multa que começou a ser aplicada em São Paulo para quem aumentou o consumo.

"[Essa questão da multa] deve ser olhada com mais cuidado, sob a perspectiva dos direitos humanos. Se ela for aplicada de maneira pouco cuidadosa, pode gerar injustiças", diz.

Heller se mostra preocupado especialmente com quem mora na periferia. "Os mais pobres já gastam pouca água. Se por alguma razão aumentaram o consumo, serão multados e obrigados a reduzir o uso da água a um nível que talvez prejudique suas necessidades básicas e isso pode ter impacto na saúde", adverte.

A ONU estima que uma pessoa precisa de 110 litros de água por dia para atender às suas necessidades básicas.

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