Topo

Anistia diz que é "aberração" inocentar PM que matou criança no Rio

Do UOL, no Rio

03/11/2015 20h40

A Anistia Internacional classificou como "uma aberração" o inquérito da Polícia Civil do Rio de Janeiro sobre a morte do menino Eduardo de Jesus Ferreira, 10, atingido por um tiro quando estava na porta de casa, no Complexo do Alemão, zona norte da capital fluminense, em 2 de abril deste ano.

As investigações da DH (Delegacia de Homicídios), concluídas nesta terça-feira (3), sete meses após a ocorrência, apontaram que o disparo foi feito por um policial militar, mas o delegado Rivaldo Barbosa decidiu não indiciar o PM por considerar que ele agiu em legítima defesa, já que a equipe da qual fazia parte havia sido atacada a tiros por criminosos.

Em nota oficial, a ONG afirmou que a Delegacia de Homicídios "conferiu legitimidade" a ação de policiais militares que mataram uma criança na porta de casa com um tiro na cabeça e que a tese defendida pela Polícia Civil "reforça a rotina de impunidade, falta de responsabilização e de controle do uso da força letal pela polícia fluminense".

"É uma verdadeira aberração. Este fato reitera a percepção de que as favelas são vistas e tratadas como territórios de exceção e que qualquer morte provocada pela polícia pode ser legitimada pelo sistema jurídico", afirmou o diretor-executivo da organização, Atila Roque.

"O crime aconteceu à luz do dia e os policiais estavam a cerca de cinco metros de distância de Eduardo, como consta no laudo divulgado pela imprensa", apontou a Anistia, na nota. "Não há legítima defesa de policiais quando um menino de 10 anos, desarmado, morre com um tiro de fuzil na cabeça disparado por um policial militar."

A Anistia citou apurações próprias para contestar a informação do inquérito de que não havia confronto ou troca de tiros no momento da morte do menino. "Eduardo estava sentado na frente de casa, esperando a irmã e brincava com o celular quando foi atingido. Os policiais militares ainda tentaram modificar a cena do crime, retirando o corpo, o que só não ocorreu por mobilização da família e vizinhos", disse a nota.

O texto divulgado pela ONG ainda lembrou um encontro relatado pela mãe de Eduardo, Terezinha de Jesus, com PMs que estavam no local: "Em desespero gritou aos policiais 'Você matou meu filho', teve como resposta um fuzil apontado para a sua cabeça e uma ameaça: 'Assim como eu matei seu filho, eu posso muito bem te matar porque eu matei um filho de bandido, um filho de vagabundo'".

O inquérito seguiu para o MP-RJ (Ministério Público do Estado), que pode discordar da decisão e denunciar o policial. Na nota, a Anistia disse esperar que a entidade "rejeite a conclusão equivocada do inquérito e que os autores desse homicídio sejam responsabilizados".

"Não se conformam"

Em entrevista à Globo News no início da noite, o defensor público Fábio Amado, que representa a família de Eduardo, disse que os parentes do menino discordam e "não se conformam" com o resultado do inquérito. "Não é admissível para a família e para a sociedade que um crime como esse permaneça sem a identificação do autor e sem uma resposta adequada", afirmou Amado, que é coordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos do órgão.

Segundo o defensor, há depoimentos nos autos do inquérito que divergem da conclusão, informando que não havia confronto no momento em que Eduardo foi baleado. Ele afirmou ainda que uma efetiva punição do autor do disparo teria caráter pedagógico. Amado disse aguardar que o MP-RJ "ofereça denúncia à Justiça ou pelo menos requisite novas investigações à Polícia Civil".

A reportagem tentou entrar em contato com Terezinha de Jesus, mas o celular dela se encontrava desligado até a publicação deste texto. (Com Agência Estado)