Projeto do governo de SP para Raposo afeta casas e prevê pedágio na capital
O projeto do governo de São Paulo para privatizar e alargar o trecho urbano da rodovia Raposo Tavares, hoje sob administração estadual, prevê a construção de pistas, viadutos e alças de acesso em áreas onde hoje estão casas, empresas, vegetação e zonas de proteção ambiental.
O que aconteceu
Impacto estimado é de 1 milhão de m² de áreas desapropriadas. Os cálculos foram feitos pelo grupo técnico formado por engenheiros e outros especialistas do "Movimento Nova Raposo, Não", formado por 90 associações de moradores, empresas da região e coletivos ambientais contrários às mudanças, e consideram áreas que serão diretamente atingidas pelas obras.
A concessão inclui quatro rodovias e a assinatura do contrato deve ocorrer em 2025. O objetivo, segundo a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), é melhorar o trânsito na chegada à capital paulista.
Trecho entre São Paulo e Cotia é um dos principais gargalos de trânsito. Densamente urbana, a Raposo funciona como uma grande avenida, com condomínios, shoppings, parques e áreas industriais, além do acesso ao Rodoanel ao seu redor. Por dia, circulam ali mais de 188 mil veículos.
Moradores reclamam de falta de diálogo e transparência. Eles contam que ficaram sabendo da proposta pela imprensa, depois que duas audiências públicas já tinham sido realizadas. O prazo da consulta pública para oferecer sugestões também já foi encerrado. A deputada estadual Marina Helou (Rede) protocolou representação no Ministério Público de São Paulo pedindo a paralisação do plano até que haja ampla participação popular e reformulação dele.
Governo diz que cumpriu todo o rito, conforme determinado por lei, com divulgação na imprensa e em canais oficiais. A Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo) informou que o projeto está em estágio de desenvolvimento e os estudos preliminares poderão sofrer ajustes até a publicação definitiva do edital.
São previstos investimentos de R$ 9,07 bilhões. Além da Raposo, estão no pacote as rodovias Castelo Branco, Coronel PM Nelson Tranchesi, Livio Tagliassachi e o trecho municipal entre as cidades de Cotia e Embu das Artes, paralelo ao Rodoanel Oeste.
Quais são as mudanças previstas
Cobrança de pedágio no trecho urbano, na capital. O plano estabelece a instalação de seis pórticos, sem necessidade de cabines, com sistema automático livre e pagamento da tarifa por meio 100% automático (free flow). O primeiro a ser instalado é no km 11,83, no início da rodovia —hoje a primeira cobrança ocorre no km 46, entre Vargem Grande e São Roque.
Além do alargamento das pistas, estão previstas ainda construção de um túnel, três viadutos e pistas marginais, que não teriam cobrança de pedágio. O túnel ficará entre o final da Raposo e a avenida Francisco Morato, eliminando semáforos. A Marginal Pinheiros ganha novos viadutos para ampliar a conexão com os bairros do Butantã e Pinheiros. Procurada sobre as mudanças previstas para a cidade, a Prefeitura de São Paulo não respondeu. Já a Prefeitura de Cotia disse que o pré-projeto incorpora todas as propostas feitas pela gestão.
Especialistas temem aumento do trânsito ao privilegiar o carro e citam transporte público como melhor saída. "O projeto tem cunho rodoviarista, é antiquado. O correto na direção de uma cidade sustentável é o transporte em massa", destaca o engenheiro Ivan Maglio, pesquisador em planejamento urbano, mobilidade e clima pela USP. O Metrô informou que realiza estudos para implantação da Linha 22-Marrom, que vai interligar a zona oeste às cidades de Osasco e Cotia.
Para ex-engenheiro da CET, possíveis soluções passam pela melhoria do Rodoanel e alternativa pela avenida Escola Politécnica. "Esse mesmo projeto que eles querem fazer no Butantã e prejudicar todo bairro é possível fazer ali [na Politécnica] com investimento muito menor, sem necessidade de muitas desapropriações e menor impacto ecológico. Fazendo melhorias, as pessoas se incentivam a usar aquele trecho e você divide: em vez de chegar aquela quantidade de carros no Butantã, chega metade", avalia Wladimir Bordoni.
O que dizem os moradores e o governo
Pintaram pistas extras, e essa tinta que passaram no papel não considera que naquela foto tem vida, gente, animais, reservas. Temos sete áreas de preservação ambiental nesse trajeto. A gente entende e vive o problema do trânsito, mas queremos uma solução contemporânea, não rodoviarista, datada. Sérgio Reze, Associação dos Moradores Amigos do Parque Previdência
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Quero receberO projeto tem, no nosso entender, diversas ilegalidades porque surge sem participação social e não conversa com a diretriz do planejamento urbano da cidade de São Paulo, que estabelece que devem ser obedecidos acordos internacionais do Brasil sobre as mudanças climáticas. Renata Esteves, Movimento Defenda São Paulo
Na minha região ficaram os pórticos de cobrança mais caros. Para ir buscar meus filhos na escola pagaria pedágio. A gente espera mudanças, gasto três horas da minha casa até a Avenida Paulista, mas precisa ser estudado trecho a trecho e dialogado. Renato Rouxinol, Associação Amigos da Granja Viana
No momento em que nós acabamos um Plano Diretor e um Plano de Zoneamento na cidade, não pode vir o governo do estado com o projeto de jogar um viaduto numa zona estritamente residencial. Essa explicação eu estou aguardando, não achei isso em lugar nenhum de todo o projeto. Maria Helena Bueno, presidente da Associação dos Amigos de Alto de Pinheiros
É normal esse processo, sempre tem apreensão quando você pensa em fazer uma rodovia concedida. É necessário para que a gente tenha o volume de investimento que a gente precisa, para que a gente melhore muito a questão da fluidez, para que a gente garanta diminuição dos tempos de viagem. É óbvio que tem essa reação, tem esse desconforto. É compreensível, mas eu tenho certeza que isso é mitigado a partir do momento que o projeto está bem estruturado e esse investimento se materializa. Aí a gente vai fazer a diferença. Tarcísio de Freitas, governador de SP
Projetos para melhorar trânsito são discutidos há anos
Em 2014, a CCR, concessionária que administra um trecho da rodovia, apresentou um projeto semelhante ao Nova Raposo. Ele também previa a implantação de novas faixas, eliminação de semáforos na chegada à capital e a construção de um túnel passando por baixo da rodovia, com investimento de R$ 1,8 bilhão e prazo de cinco anos para as obras. A ideia, no entanto, nunca saiu do papel.
Procurada, a CCR informou que, naquela ocasião, "foi apresentado um conceito inicial". Ele "poderia avançar nos estudos a partir da viabilidade do projeto, do interesse público e das definições de prioridades do estado de São Paulo", acrescentou a concessionária. Já sobre a licitação, o grupo disse ter interesse na manutenção da concessão da rodovia e irá analisar a documentação quando o edital for publicado, segundo os trâmites habituais nesse tipo de processo competitivo.
Em 2015, prefeitura e governo travaram um embate em torno de uma faixa exclusiva de ônibus na via. À época, os ônibus trafegavam com velocidade média na casa dos 8 km/h nos horários de pico — o ideal era 20 km/h. O DER (Departamento de Estradas de Rodagem) resistiu à ideia, argumentando que uma faixa seria "inviável" do ponto de vista técnico e pioraria ainda mais o trânsito e a segurança.
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