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Limpeza em universidade fluminense? Em tempos de crise, só com vaquinha

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

28/01/2016 06h00

Além da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), uma das principais universidades públicas do Rio, outras duas instituições menores, também de responsabilidade do Executivo, sofrem com a crise financeira que, desde o ano passado, não para de fazer estragos. Longe dos holofotes, Uezo (Universidade Estadual da Zona Oeste) e Uenf (Universidade Estadual do Norte Fluminense) vão iniciar o ano letivo de 2016 cercadas de problemas.

O caos inclui a paralisação do serviço de limpeza e a escassez de professores, entre outros transtornos. Nas duas instituições, bolsas de alunos cotistas não são pagas há dois meses. Na Uezo, situação semelhante é vivida pelos agentes de segurança, que ainda não receberam os salários de novembro e dezembro. Até o telefone e o ascensorista da universidade foram cortados.

Na terça-feira (26), o UOL esteve na Uezo, em Campo Grande, na zona oeste do Rio, para conversar com alunos e funcionários. Como as aulas só retornam, em tese, no próximo mês, não havia professores no local. O reitor, Alex Sirqueira, estava em reunião e não se pronunciou. O vice-reitor, João Bosco, afirmou reconhecer que a situação da instituição é "deficitária" e "carente", mas não "caótica". Procurada, a assessoria de comunicação da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação não respondeu à solicitação da reportagem até o fechamento deste texto.

A Uezo funciona há dez anos de forma improvisada no mesmo terreno da escola estadual Sarah Kubitschek. O colégio tem serviço de limpeza, mas a universidade, não. Sem dinheiro, a licitação para definir a empresa responsável está sendo adiada desde o início de 2015. Na ocasião, o certame foi suspenso em função do decreto estadual 45.109, que determinou corte de 20% nos gastos públicos. Sem opções, funcionários são obrigados a fazer uma vaquinha para custear diaristas.

"Duas pessoas fazem a limpeza aqui porque nós pagamos. Eles são funcionários mesmo, que acabam fazendo esse serviço por fora. Mas isso não é sempre. Às vezes vem um, às vezes vem outro, depende do valor que a gente consegue arrecadar", explicou a aluna de Biologia Thamyres Vianna, 21. Cada "diária" paga aos funcionários que fazem a limpeza "por fora" custa R$ 80.

O vice-reitor afirmou que a "cotização" ocorre apenas entre funcionários da seção administrativa da Uezo. O objetivo é evitar que o transtorno seja ainda mais grave. "Voluntariamente, a administração central assumiu isso. Envolve um número reduzido de funcionários e de maneira logicamente precária. Ninguém é obrigado, todos são voluntários", explicou ele. Bosco não quis revelar os valores das "cotas". Ainda segundo ele, o processo de licitação será retomado em 2016, e as aulas só devem começar no primeiro semestre quando uma empresa for contratada. "Estamos com dificuldade para encontrar empresas interessadas. Se isso não acontecer, optaremos por uma contratação emergencial."

Nos laboratórios de pesquisa, a remoção do lixo cabe aos próprios alunos. Há até uma escala que define os dias nos quais cada estudante realiza essa função, que inclui a retirada de materiais contaminados. "Em geral, nos laboratórios, os estagiários realmente cumprem essa função. Mas quando há material tóxico, o certo é ter um serviço de coleta específico para isso", comentou João Vitor Gesteira, 23, também aluno de Biologia.

No primeiro andar da instituição, havia lixo oriundo dos laboratórios descartado ao lado das salas. Os estudantes de Biologia afirmaram que esses materiais --incluindo luvas, seringas, recipientes e outros itens possivelmente contaminados-- haviam sido utilizados para pesquisas em laboratórios do curso de Farmácia. "São estudos que a gente faz sobre malária, DST, câncer de mama, doença de chagas. Todo esse material deveria estar isolado ou ter sido removido corretamente", afirmou Gesteira.

Na Uenf, estudantes também relatam que o serviço de limpeza vem sendo afetado em razão da falta de recursos. Segundo a representante do DCE (Diretório Central dos Estudantes), Lívia Sam-Sim, os funcionários reclamam que ainda não receberam nem salários nem a primeira parcela do décimo terceiro. "É um problema recorrente desde o ano passado. Os profissionais do setor de segurança também estão sem receber", comentou Lívia, 24, aluna de Ciências Sociais.

A estudante disse ainda que está previsto para o dia 30 de janeiro uma greve geral na Uenf, que deve incluir professores, funcionários e alunos. De acordo com a universitária, além dos salários dos trabalhadores, as bolsas dos estudantes cotistas estão atrasadas há dois meses, tanto para os alunos de graduação (R$ 300) quanto para os de mestrado e doutorado (R$ 2.800).

"E as pessoas que estudam em tempo integral ou trabalham com pesquisa, como fazem? Todo mundo está passando por dificuldade. Tem gente que já desistiu da Uenf."

Alunos com zika

Na Uezo, os dois alunos ouvidos pela reportagem do UOL, Thamyres Vianna e João Vitor Gesteira, afirmaram que estavam se recuperando de sintomas relacionados ao zika vírus. Segundo a dupla, o campus "virou um polo para transmissão da doença".

"Nós pegamos, mas teve mais gente aqui que ficou doente. Só no meu laboratório, quatro pessoas tiveram zika. Basta ver a quantidade de mosquito que tem aqui para ver que a situação é crítica", afirmou Thamyres.

De fato, as áreas ao ar livre da Uezo são tomadas por matagais, e há locais propícios ao acúmulo de água da chuva. Atrás do prédio anexo, nos arredores de um local onde mora um caseiro, há não só uma infinidade de mosquitos, mas também a presença de caramujos africanos, vetores de doenças como esquistossomose e meningite.

"A crise vem agravando as coisas desde o ano passado. "Antes, pelo menos, cortavam o mato. Hoje nem isso", disse Gesteira. "O que já era ruim ficou pior."

Salas alagadas e com cheiro de mofo

Em outra área do campus, há um conjunto de salas que, de acordo com os alunos, estão alagadas há pelo menos quatro meses. A reportagem do UOL esteve no local e, ao abrir a sala, verificou uma grande poça no fundo da instalação. O cheiro de mofo é insuportável.

"Essa sala sempre alagada quando chove. Já houve casos do professor parar a aula porque começou a chover", comentou um aluno que passava pelo local e que não se identificou.