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Fundador de seita que se espalha pela Amazônia nunca conseguiu ser padre

Irmandade da Santa Cruz foi fundada em 1972 pelo pregador José Francisco da Cruz - Cacalos Garrastazu/Eder Content
Irmandade da Santa Cruz foi fundada em 1972 pelo pregador José Francisco da Cruz Imagem: Cacalos Garrastazu/Eder Content

Flávio Ilha

Em Tabatinga (AM)

12/02/2016 08h00

José Fernandes Nogueira, autoproclamado José Francisco da Cruz, nasceu em Cristina (MG) no dia 3 de setembro de 1913. Desde a adolescência tentou ingressar na carreira sacerdotal, sem sucesso. Casou-se, teve sete filhos e, em 1944, diz que recebeu uma "visão celestial" que o instava a seguir pelo mundo pregando a cruz e o evangelho.

Foi o que fez --primeiro organizando romarias a Aparecida do Norte (SP) e depois pelo interior de Minas. Nos anos de 1950 abandonou a família e passou a peregrinar munido de uma cruz.

Segundo o pesquisador Ari Pedro Oro, ator de "Tükuna Vida ou Morte" (1977), Nogueira vestiu a batina em 1960 e "nunca mais a tirou do corpo".
Passou por São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e depois subiu para a Amazônia, tanto brasileira quanto peruana.

No Peru, foi acolhido pela Igreja Católica até abandonar tudo e voltar ao Brasil para fundar a seita, em 1972.

Antes disso tentou chegar à Venezuela e à Colômbia, onde iria se "encontrar com anjos".

No Brasil, moldou a Ordem Cruzada, Católica, Apostólica e Evangélica com os conhecimentos de pré-seminarista. O rito mais marcante determinava "plantar" a cruz nas aldeias no último dia da missão, às 15h.

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Fez batismos e casamentos por onde andou, sempre com reprovação da Igreja Católica. Foi preso, apedrejado e idolatrado.

No final dos anos de 1970, fundou uma comunidade --a Vila UPA-- num braço do igarapé Juí, batizado por ele de Lago Cruzador. A sede espiritual da Irmandade Santa Cruz está lá até hoje.

O arcebispo de Tabatinga, Dom Alcimar Caldas Magalhães, ouviu as primeiras pregações de José da Cruz na região nos anos de 1970 e lembra que o pastor falava baixo, de forma quase inaudível. 

"O pouco que se ouvia não fazia nenhum sentido. Mesmo assim, as pessoas adoravam a pregação. Ele nunca se proclamou um curandeiro. As pessoas é que acreditavam nisso", relembra Dom Alcimar.

O sociólogo e professor Pedrinho Guareschi, que escreveu o livro "A Cruz e o Poder" (1985) sobre a congregação, diz que a seita sempre aproveitou o misticismo das populações indígenas para exploração econômica.

"Já nos primórdios, servia aos interesses dos coronéis do barranco porque levou os índios de volta ao aldeamento e à produção agrícola, que era explorada por esses comerciantes. Agora é pelo dízimo mesmo. Todos esses dogmas têm motivação econômica", assegura.

Mas o professor refuta a tese de que o fundador da seita --com quem Guareschi esteve em 1980 e 198-- fosse um charlatão: "Era um beato em alto grau de convicção, um indivíduo que não conseguiu ser padre e que ficou com esse estigma pelo resto da vida. Ele nunca tirou proveito pessoal da sua crença e nem da sua peregrinação. Mas outros tiraram", afirma.