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Promotor aponta crime e denuncia manifestantes presos antes de protesto em SP

Material apreendido com grupo contém itens de primeiros socorros, citados na denúncia - Arquivo pessoal
Material apreendido com grupo contém itens de primeiros socorros, citados na denúncia Imagem: Arquivo pessoal

Marcelo Freire

Do UOL, em São Paulo

04/01/2017 16h30Atualizada em 05/01/2017 16h00

O Ministério Público denunciou 18 manifestantes que foram presos antes de um protesto contra o governo Michel Temer em São Paulo no último 4 de setembro, sob a acusação de associação criminosa e corrupção de menores. A denúncia, feita pelo promotor Fernando Albuquerque Soares de Souza à 3ª Vara Criminal de São Paulo, data de 15 de dezembro e foi publicada na íntegra pelo site "Ponte".

Na época, o caso repercutiu por causa da presença do capitão do Exército William Pina Botelho, que, segundo relatos dos manifestantes, se infiltrou no grupo usando o codinome "Baltazar Nunes" --segundo as Forças Armadas, Botelho "monitorou" os manifestantes porque o ato ocorreria no mesmo local do revezamento da tocha paraolímpica, na avenida Paulista.

O grupo foi preso no Centro Cultural São Paulo, próximo ao metrô Vergueiro, quando se reunia para ir em conjunto ao protesto. Segundo Janaina Marton Roque, 28, uma das detidas, os manifestantes foram levados ao Deic, onde ficaram sem contato com advogados e familiares por cerca de nove horas.

Eles foram soltos na noite do dia seguinte por decisão do juiz Rodrigo Tellini, do Fórum Central Criminal da Barra Funda, que considerou as prisões ilegais. "O Brasil como Estado Democrático de Direito não pode legitimar a atuação policial de praticar verdadeira 'prisão para averiguação' sob pretexto de que estudantes reunidos poderiam, eventualmente, praticar atos de violência ou vandalismo em manifestação ideológica", escreveu o juiz na decisão.

No pedido do Ministério Público, o promotor Fernando Albuquerque Soares de Souza, com base no inquérito da Polícia Civil, diz que os manifestantes "associaram-se para a prática de danos e danos qualificados consistentes na destruição, inutilização e deterioração do patrimônio público e privado e lesões corporais em policiais militares".

O promotor também cita que o grupo acertou previamente que levaria uma barra de ferro e um disco metálico para causar depredações, além de carregar produtos de primeiros socorros, máscaras, vinagres e câmeras fotográfica e de filmagem.

Segundo ele, alguns manifestantes "ficaram encarregados de levar consigo máscaras e capuzes, frascos contendo vinagre --utilizado para minorar os efeitos do gás que a polícia usa para debandar arruaceiros--, disco de metal que seria utilizado como escudo e barra de ferro para desferir golpes que lesionariam policiais e danificariam patrimônio público e particular".

A denúncia diz que "populares notaram o que estava por ocorrer e acionaram policiais militares". Em nenhum momento o envolvimento do capitão do Exército William Pino Botelho com o grupo aparece no texto. A presença de três adolescentes com os 18 jovens baseia, segundo o promotor, a acusação de corrupção de menores.

4.set.2016 - Avenida Paulista, em São Paulo, é tomada por manifestantes em grande ato contra o atual presidente Michel Temer (PMDB). Protesto, convocado por movimentos sociais e centrais sindicais, levou milhares de pessoas que pedem a saída de Temer - Júnior Lago/UOL - Júnior Lago/UOL
Protesto de 4 de setembro, para onde os manifestantes se dirigiriam, reuniu milhares de pessoas na avenida Paulista em defesa de eleições diretas, dias após a confirmação do impeachment de Dilma Rousseff
Imagem: Júnior Lago/UOL

"É um processo político", diz defesa

Os manifestantes negam que estivessem portando barra de ferro e máscaras e alegam que esses itens foram plantados pela polícia. Segundo eles, o grupo não se conhecia previamente e se juntou de forma espontânea no Centro Cultural, com base em grupos de Facebook e WhatsApp criados para chamar pessoas à manifestação. O capitão do Exército estaria infiltrado em um desses grupos.

De acordo com Hugo Albuquerque, advogado de parte dos manifestantes, o promotor "constrói uma história ficcional". "São pessoas comuns que iam a uma manifestação e foram pegas como bodes expiatórios. Ninguém foi preso com nada ilegal", diz ele.

"A questão é que se trata de um processo político, que ignora o fato principal: a presença do infiltrado do Exército, codinome Balta Nunes. O MPE precisa se decidir se o Balta existe ou não. O fato é que ele existe e foi mobilizado um aparato gigantesco para prender... garotos", acrescentou o advogado. "Parecem querer criar um clima de medo para intimidar novas manifestações anti-Temer."

Ele diz que um de seus clientes que está na denúncia foi preso porque estava utilizando o Wi-Fi do Centro Cultural para terminar um trabalho da faculdade. "Ele nem estava indo em manifestação alguma", comentou.

Outro lado

O Ministério Público de São Paulo informou ao UOL que o promotor Fernando Albuquerque Soares de Souza não vai se manifestar sobre o caso.

Contatada pelo UOL pela primeira vez às 12h20 de segunda-feira (2), a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo enviou nota às 15h30 desta quarta-feira (5). Segundo o órgão, o Deic diz que "todos os presos foram autorizados a fazerem ligações, inclusive alguns familiares e advogados estavam presentes na própria delegacia e foi permitido o contato com os detidos" e nega a informação de que os detidos foram indicados por policiais, na delegacia, como "presos políticos".

A Secretaria da Segurança também diz que "não houve qualquer operação conjunta com o Exército durante as manifestações em São Paulo".

Veja a nota da SSP-SP na íntegra:

O DEIC informa que o grupo detido e encaminhado ao departamento pela Polícia Militar, no dia 04 de setembro, foi autuado em flagrante e indiciado por ‘associação criminosa’, ‘formação de quadrilha ou bando’ e ‘corrupção de menores’. O inquérito foi encaminhado à Promotoria, que ofereceu denúncia contra os indiciados. 

Durante o registro do boletim de ocorrência foram ouvidas mais de 10 pessoas, entre policiais e testemunhas, além dos integrantes do grupo. Sobre a alegação que os detidos eram “presos políticos”, o DEIC afirma que é inverídica e que a prisão foi decisão do delegado, que seguindo os termos do Artigo 144 § 4º da Constituição Federal e da Lei 12.830/13, em seu Artigo 2º, §§ 1º , 2º, 4º, 5º e 6º, deliberou pela autuação em flagrante. 

Sobre os celulares, eles configuram como prova para investigação e como tais foram legalmente apreendidos nos termos no Artigo 6º do Código de Processo Penal. Porém eles não ficaram em poder da Polícia Civil, os telefones foram encaminhados para pericia. Alguns já foram devolvidos pelo Instituto de Criminalística e restituídos aos seus donos, porém em alguns aparelhos a pericia ainda não foi concluída.

Os presos foram liberados após audiência de custódia, ou seja, mediante decisão judicial. O Deic esclarece ainda que todos os presos foram autorizados a fazerem ligações, inclusive alguns familiares e advogados estavam presentes na própria delegacia e foi permitido o contato com os detidos.

A Corregedoria da Polícia Militar informa que recebeu um oficio Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude da Capital que foi encaminhado ao Comando de Policiamento de Área Metropolitana-1. A apuração está em andamento.

Por fim, a Secretaria da Segurança Pública reitera que não houve qualquer operação conjunta com o Exército durante as manifestações em São Paulo.