Topo

'Atacadista', PCC fornece drogas a facções no NE, diz secretário de segurança da BA

Cocaína apreendida em São Paulo pelo Denarc (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico) - Divulgação/SSP
Cocaína apreendida em São Paulo pelo Denarc (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico) Imagem: Divulgação/SSP

Gabriela Fujita

Do UOL, em São Paulo

08/01/2017 04h00

Estados próximos à região de fronteira do Brasil com Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia e Venezuela têm visto com mais evidência confrontos diretos entre o PCC (Primeiro Comando da Capital) e outras facções criminosas na disputa pelo controle do narcotráfico. Na região Nordeste, no entanto, as quadrilhas locais mantêm o protagonismo.

O motivo, na avaliação do secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Teles Barbosa, está ligado ao interesse do grupo paulista em ficar nos bastidores, e não à resistência das quadrilhas menores.

“O PCC virou uma multinacional da droga”, afirma Barbosa, que desde setembro de 2016 é também o presidente do Consene (Conselho de Segurança Pública do Nordeste). “Como eles têm um mercado consumidor garantido, até porque estão no Paraguai e na Bolívia fornecendo droga diretamente para quase todos os Estados, eles não querem entrar no varejo.”

Maurício Teles Barbosa, secretário da Segurança Pública - BA - Secretaria da Segurança Pública - BA - Secretaria da Segurança Pública - BA
Maurício Teles Barbosa, secretário da Segurança Pública da Bahia
Imagem: Secretaria da Segurança Pública - BA

Barbosa aguarda informações atualizadas dos órgãos de inteligência nos Estados vizinhos para poder identificar oficialmente onde, na região Nordeste, a organização tem papel direto no comando do crime organizado e em que locais prefere agir como provedora de recursos (drogas e armas).

“A ação do PCC no fornecimento de drogas está estabelecida na Bahia e em boa parte dos Estados da região Nordeste. Não é de hoje que a gente tem relatórios confirmando isso. Cinco anos atrás, quando eu era chefe de inteligência, eu já prendia traficante em São Paulo, nos braços do PCC”, afirma Barbosa, que é delegado de Polícia Federal.

Somente a Bahia tem quatro principais facções locais ligadas ao narcotráfico, de acordo com ele: Bonde do Maluco, Comissão da Paz, Katiara e Caveira. Mas existem ainda outros grupos menores, com atuação pontual, a exemplo do Primeiro Comando de Eunápolis, na área de Porto Seguro (no sul da Bahia, a 700 km de Salvador).

Ao comparar os baianos ao PCC, de São Paulo, e ao rival Comando Vermelho, do Rio de Janeiro, o secretário avalia que as facções locais são menos organizadas, com exceção do Bonde do Maluco, “que se assemelha muito aos paulistas e tem seu líder fora do Estado, com atuação próxima ao PCC”.

A influência do PCC é notória, mas, apesar de sua força, não tem intenção de ir além, na opinião de Barbosa, por uma questão de negócios.

“O mercado consumidor do Nordeste é muito de crack, diferentemente dos Estados da região Sudeste. Não é o caso de um mercado consumidor de cocaína, como no Rio de Janeiro e São Paulo, onde você consegue dar uma sustentação a um tráfico mais economicamente atrativo.”

Maior interferência

O Ceará é citado pelo secretário Barbosa como um dos Estados onde o PCC tem interferência maior, com grande associação da sigla a ações criminosas.

O fim de um pacto de paz com o Comando Vermelho, no segundo semestre de 2016, teria provocado novos casos de violência em regiões de Fortaleza consideradas "pacificadas" pelo acordo entre os dois grupos.

Em junho, 32 pessoas foram presas em uma suposta reunião do PCC em Maracanaú (cerca de 25 km de Fortaleza), onde planejavam um ataque a banco. Em setembro, a morte de dois presos na cadeia pública de Jaguaruana (185 km da capital) teria ocorrido a mando do PCC.

O governo do Estado não reconhece oficialmente a participação de organizações criminosas nesses exemplos, mas informa que a Sejus (Secretaria de Justiça e Cidadania) tem um trabalho de inteligência para identificar lideranças e encaminhá-las para presídios federais.

Nos últimos dois anos, de acordo com a Sejus, 41 presos cearenses foram enviados para presídios de segurança máxima, tornando o Estado o terceiro com mais presos nesses estabelecimentos, atrás de Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte.

No Rio Grande do Norte, a atuação do grupo Sindicato do Crime chegou a mobilizar forças nacionais de segurança, em agosto, após mais de cem ataques em série realizados em quase 40 cidades no Estado, em uma única semana.

A ação foi considerada uma retaliação ao governo do Estado após a tentativa de instalação de bloqueadores de celular em penitenciárias.

Para resistir ao domínio do PCC, a facção criminosa teria se unido ao Comando Vermelho e a facções regionais menores, como numa cooperativa do crime. Autoridades estimam que o grupo tenha ao menos mil integrantes.

A reportagem do UOL solicitou ao governo do Estado que comentasse a situação, mas não teve resposta aos pedidos até o momento.

Na Paraíba, a Seap (Secretaria de Administração Penitenciária) informou que reconhece a atuação de facções locais dentro e fora dos presídios e que age para isolar as lideranças, com o objetivo de combater o crime organizado.

As facções Okaida (ou Al Qaeda) e Estados Unidos são rivais, e unidades que recebem infratores adolescentes também seriam afetadas por estes grupos.

Na última quarta-feira (4), dois presos morreram em uma briga na penitenciária Romero da Nóbrega, na cidade de Patos (300 km de João Pessoa), e uma arma de fogo foi apreendida. A situação é considerada pontual pela Seap e resultado de um acerto de contas por dívidas com o tráfico de drogas.

Dez presos foram transferidos para outras unidades, e está sob investigação como a arma, um revólver calibre 38, chegou às mãos do preso que matou os outros dois.

No Maranhão, o Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, foi criticado mundialmente após uma sequência de mortes violentas de presos, em 2014. Desde então, separar os internos por facção, e não por tipo de crime cometido, fez baixar o número de confrontos.

A Secretaria de Administração Penitenciária reconhece a presença de PCC, Comando Vermelho e Bonde dos 40 no presídio.

Ação regional do PCC em discussão

Após dois anos inativo, foi retomado em setembro de 2016 o Consene (Conselho de Segurança Pública do Nordeste), formado pelos nove Estados na região --Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão. No segundo encontro do conselho, que deve ser realizado entre janeiro e fevereiro, vai ser discutida como prioridade a atuação do PCC no sistema prisional e no tráfico de drogas regional.

“Praticamente todas as nossas custódias têm a inscrição do PCC grafada nas paredes. Ou seja, é uma certeza de que há uma participação deles [no sistema penitenciário]”, diz o presidente do conselho e secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Teles Barbosa, sobre a situação em seu Estado.

O grupo está preparando um relatório regional sobre as atividades do PCC e de outras associações ligadas ao crime organizado. Para Barbosa, combater as facções depende de um “financiamento qualificado” da segurança pública.

“Nós temos os Estados mais pobres, precisamos ter um auxílio diferenciado com as políticas públicas em relação a outros Estados. Estudos mostram que o Nordeste é a região onde mais cresceu a violência nos últimos dez anos. Temos uma situação social completamente degradada, e a entrada do crack nesse cenário, nos últimos dez anos, foi avassaladora. Os efeitos foram muito perversos. As capitais mais violentas se encontram hoje na região Nordeste”, ele defende.

Propostas para alterar o financiamento da segurança pública já foram apresentadas ao conselho nacional.

Ao comentar as dezenas de mortes de presidiários ocorridas no primeiro dia do ano em Manaus, no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, e considerar que houve um “acidente pavoroso”, o presidente Michel Temer (PMDB) afirmou que são os governos estatuais os responsáveis por cuidar dos presídios. "Quero registrar que, fundamentalmente, a tese do controle penitenciário cabe ao Estado", disse.

Para o secretário Barbosa, a segurança pública deve ser tratada como um “problema nacional”. “As quadrilhas da Bahia estão comprando drogas já de outros países. A responsabilidade é muito nossa, mas também do governo federal. Na questão das fronteiras, no combate ao tráfico internacional e de rever o financiamento da segurança pública”, conclui.

Presídios federais têm 26 facções

Um levantamento feito pelo Ministério da Justiça com base em informações fornecidas pelos Estados que têm presos nas unidades federais (de segurança máxima) indica que a maioria dos internos está ligada a uma de 26 facções criminosas.

Dos 505 presos mantidos nas penitenciárias federais de Catanduvas, Campo Grande, Porto Velho e Mossoró, 41% têm ligação com o PCC ou Comando Vermelho. Apenas 7% não estão ligados a organizações criminosas e 22,5% não informaram.