Entidades denunciam "barbárie" em presídios brasileiros à OEA
Os massacres que mataram mais de 100 presos este ano em presídios das regiões Norte e Nordeste do Brasil, somados à superpopulação carcerária, a condições precárias de higiene e saúde e a declarações de agentes públicos apontadas como desastrosas à solução dos problemas compõem o bojo de uma denúncia assinada por entidades brasileiras e estrangeiras ligadas à defesa dos direitos humanos e entregue nesta quarta-feira (22) à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) da OEA (Organização dos Estados Americanos), em Washington.
A denúncia sobre o sistema prisional brasileiro foi apresentada em uma audiência temática solicitada pelas entidades à CIDH em janeiro passado –quando a crise nos presídios de Manaus, Roraima e Rio Grande do Norte, por exemplo, ainda nem tinha atingido o ápice, com mais de 120 mortos. Segundo as entidades, no entanto, a fundamentação da medida vinha sendo construída antes dos massacres – com relatos de tortura e infraestrutura precária coletados em unidades prisionais e em centros de medidas socioeducativas (voltadas a menores de 18 anos infratores) em todas as regiões do país.
Entre as signatárias da denúncia estão as ONGs Justiça Global e Conectas, o IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) e a Pastoral Carcerária. Além da superlotação e da violência, as entidades denunciaram também o “uso sistemático das prisões provisórias”, ao citarem dados de 2014, do Ministério da Justiça, --segundo os quais chega a 41% o total de presos sem condenação –e a “conivência do Estado com as violações que acontecem dentro das prisões”.
“Foram mais de 100 assassinados apenas nos primeiros 15 dias deste ano em presídios brasileiros. A denúncia traz uma contextualização do sistema prisional em um momento específico como esse, mas traz as declarações públicas e desastrosas de autoridades brasileiras a isso –como a declaração do presidente Michel Temer de que os massacres se tratavam de um ‘acidente pavoroso’, ou o governador do Amazonas [José Melo de Oliveira] afirmando que 'não tinha nenhum santo' entre presos mortos na rebelião em Manaus. Ou, ainda, o então secretário nacional de Juventude [Bruno Júlio], que criticou se dar ‘tanta importância' a massacres de presos”, elencou o pesquisador sobre violência institucional e segurança pública na ONG Justiça Global, Guilherme Pontes.
De acordo com o pesquisador, que também é advogado, a resposta política do Ministério da Justiça, com promessa de construção de mais presídios, foi outro ponto destacado na denúncia ao órgão interamericano.
“É um equívoco apontar a construção de novos presídios como suposta solução para o nosso sistema penitenciário, que tem o quarto maior volume de presos no mundo [perde para EUA, China e Rússia], mas, na contramão de outros países, cresce em média 7% ao ano em volume de presos. Sustentamos que o problema da superpopulação carcerária não passa pela suposta necessidade de construção de mais presídios, mas pela revisão da forma excessiva e ilegal como se prende –com o uso abusivo e ilegal da prisão provisória que há hoje”, declarou. “E não se trata também de uma tentativa inócua dessas entidades de humanizar os presídios, mas de mostrar que esse sistema está falido e com condições de tortura resultantes de um inchaço combinado com cada vez menos recursos”, completou o pesquisador.
Anulação do júri do Carandiru é citado em denúncia
O documento das entidades ao órgão da OEA cita ainda como prejudiciais à crise do sistema penitenciário brasileiro a MP (Medida Provisória) 775, publicada em dezembro pela Presidência --e que desvincula recursos financeiros destinados à melhoria de unidades prisionais para custear despesas com a segurança pública --, e a decisão do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) que, em setembro do ano passado, anulou o julgamento dos 74 policiais militares envolvidos no massacre de 111 presos do Carandiru, em outubro de 1992.
Sobre as medidas de cunho socioeducativo, as entidades também denunciam projetos de lei que propõem reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos ou aumentar o tempo máximo de internação dos adolescentes infratores. Para elas, medidas como essas “representam um grave retrocesso na garantia dos direitos de crianças e adolescentes, e demandam que a Comissão acompanhe o tema de perto.”
“É absurdo o número de mortes violentas ocorrendo cotidianamente nas unidades prisionais brasileiras, de modo que os massacres do começo do ano não foram o grande impulsionador da nossa denúncia –ainda que tenham deixado ainda mais evidente o quão insustentável é para um país democrático manter um sistema prisional com um cenário de barbárie desses por tanto tempo”, concluiu o pesquisador da Justiça Global.
Em audiência na OEA, diretor do Depen promete "reversão do cenário"
Por meio da assessoria de imprensa, o Ministério das Relações Exteriores informou que a situação do sistema prisional no Brasil foi exposta em uma sessão ordinária da CIDH que estava “prevista no calendário ordinário da Organização”. “Isso não significa a abertura de um caso contra o Brasil na Comissão”, disse o órgão.
Ainda conforme o ministério, compareceu como representante do Estado brasileiro o diretor-geral do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, Marco Antônio Severo Silva. Na apresentação de argumentos do Brasil a respeito das denúncias apresentadas pelos representantes da sociedade civil, Silva afirmou que a situação das unidades prisionais “é reconhecida não apenas no nível federal, mas também pelos governos estaduais e pela sociedade civil e inclusive pela imprensa”.
“Reverter esse cenário de tragédias e violações de direitos humanos depende de esforços coordenados e conjuntos, de diversos atores do Estado, sobretudo e inclusive dos poderes legislativo e judiciário, de esforços empreendidos pela administração pública federal em ações, projetos e programas e também de esforços da própria sociedade brasileira. O Brasil reconhece a importância desses esforços, apesar de considerá-los ainda insuficientes para alcançar resultados eficientes e proporcionais às dimensões do processo ora em curso”, definiu.
Ainda no discurso, o representante do governo brasileiro mencionou medidas tomadas pelo governo para lidar com a crise no sistema, como uma reunião entre representantes dos poderes, em outubro passado, e classificou que a presença do Estado brasileiro na audiência da OEA “vem firmar o compromisso público com a reversão desse cenário".
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