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Área reivindicada por índios no MA é terra sem lei dominada por tensão e ameaças

Placa indica cerca elétrica em terreno sob tensão de retomada por índios gamelas no MA - Beto Macário/UOL
Placa indica cerca elétrica em terreno sob tensão de retomada por índios gamelas no MA Imagem: Beto Macário/UOL

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Viana (MA)

06/05/2017 04h00

Ao chegar ao povoado Acampamento, zona rural de Viana (a 220 km de São Luís), uma placa indica que a cerca de arame farpado é eletrificada. Mais à frente, uma casa anuncia com outra placa que "vende-se gasolina". Na estreita e esburacada estrada de barro, caminhões trafegam com adultos e crianças na carroceria, e motociclistas ignoram o capacete.

Em meio a esse cenário sem lei, a disputa pelas terras no local ganhou enorme repercussão após a batalha entre autodeclarados índios gamelas e posseiros, que deixou 13 pessoas feridas. O clima entre moradores é de tensão dos dois lados.

Os índios pedem desde 2015 a demarcação de uma área de 14 mil hectares que foi doada pela Coroa Portuguesa à tribo. Dizem que, em 1969, teve início a grilagem das terras, o que teria dado posses ilegais a famílias. A Funai (Fundação Nacional do Índio) ainda vai iniciar estudos sobre a área a ser demarcada.

Os moradores mais antigos da cidade dizem que nunca ouviram falar em índios na região e acusam o grupo de aderir à causa sem ter origem indígena.

Sem a regularização, os indígenas resolveram pegar à força as terras que reivindicam em três municípios: Matinha, Penalva e Viana. Pelo menos quatro propriedades foram ocupadas, e os posseiros, expulsos. A ação é chamada pelos indígenas como "retomada de área".

Mas, na tentativa de ocupação de uma quinta propriedade, no último domingo (30), houve uma violenta reação de moradores de comunidades próximas, que se reuniram e entraram em confronto armado com os indígenas. Houve feridos dois lados e ambos acusam o outro lado de iniciar o conflito.

2.mai.2017 - Jose Ribamar Mendes, índio atacado no Maranhão - Rafael Silv/OAB - Rafael Silv/OAB
Jose Ribamar Mendes, índio atacado no Maranhão
Imagem: Rafael Silv/OAB
Tensão há dois anos

Segundo o delegado regional de Viana, Jorge Pacheco, a tensão pelo conflito de terras já era percebida antes do confronto do dia 30, mas nunca houve registro de violência.

"É uma região que estava em conflito, mas até então de ideias, não de confronto. Essa foi a primeira vez em que houve um confronto. Os índios ocupavam as terras, e as pessoas nunca reagiam. Os moradores saíam, e os índios ficavam com a área. Mas dessa vez vez eles reagiram e houve esse caso", conta Pacheco.

Desde a segunda-feira (1º), as polícias Militar e Federal mandaram efetivos e fazem rondas constantes no local para evitar um novo confronto, que parece ser iminente.

Os dois lados trocam acusações. Os indígenas dizem que sofrem de ameaças e xingamentos de moradores das comunidades rurais não indígenas. A lista de gamelas ameaçados de morte inclui dez nomes, segundo relatório da CPT (Comissão Pastoral da Terra).

Inaldo Gamela - Beto Macário/UOL - Beto Macário/UOL
Inaldo Gamela, autodeclarado da etnia gamela e um dos que buscam a posse de terras que seriam dos índios
Imagem: Beto Macário/UOL
Um dos que têm o nome na lista é Inaldo Gamela. Mesmo com a guerra do último dia 30, ele afirma que "a luta continua" e que não haverá recuo no plano de retomada das terras. "Nós sofremos ameaças, preconceito dos moradores. O tempo todo nos chamam de ladrão, mas não tomamos nada de ninguém. Nunca roubamos. Muitas vezes comemos arroz com mamão verde e sem carne, mesmo tendo bois e galinhas nas fazendas. Nunca pegamos um animal sequer, só lutamos pelo que é nosso."

Os índios vivem da agricultura familiar, da pesca e de produzir algumas peças de artesanato. Segundo Inaldo, há índios em dez das 42 comunidades existentes na área reivindicada. 

Escola em "área de risco"

Entre os índios há medo de reações, especialmente às crianças que estudam na escola Mariano Borges. A unidade fica no povoado Santeiro, tem ensino do 6º ao 9º ano e fica em uma comunidade de não indígenas. "Meu filho foi xingado, disseram que a gente é ladrão. Pedi que não discutisse com ninguém", conta o indígena Oscar Mendonça, citando que a animosidade torna o local uma "área de risco".

"Falei para o meu filho não falar nada lá, que não se metesse. Mas claro que estou com medo do que possa ocorrer. No ano passado, ele foi ameaçado e procuramos a professora para ela intervir, e no momento passou", afirma Maria Cecília.

Moradores sob tensão constante

Casal de idosos Viana - Beto Macário/UOL - Beto Macário/UOL
Casal de idosos Maria do Socorro e Alamilo Matos Cunha, com 71 e 73 anos, respectivamente, teve casa invadida pelos indígenas
Imagem: Beto Macário/UOL
Do outro lado, o medo também é presente. No domingo passado, a casa do casal de idosos Alamilo Matos Cunha e Maria do Socorro, com 73 e 71 anos, respectivamente, foi invadida pelos indígenas. "Eles chegaram, entraram e disseram que a propriedade era deles. Sou lavrador, tenho só 3 hectares de terra e vivo disso aqui. Não tenho para onde ir se sair", diz o idoso, exibindo a escritura de posse da terra datada de 1992.

Ele conta que os índios reviraram sua casa em busca de armas, mas não acharam porque "só tenho uma espingarda pequena para matar bicho, não gente".

O casal estava construindo um primeiro andar, mas decidiu parar a obra após o episódio. "A gente perde o gosto de fazer as coisas, vive com esse medo. O que eles fazem não é certo", conta Maria do Socorro.

Caseiro viana - Beto Macário/UOL - Beto Macário/UOL
Carlos Augusto Nascimento, caseiro de uma das propriedades que autodeclarados índios gamelas tentaram retomar na comunidade de Viana (MA)
Imagem: Beto Macário/UOL
O caseiro do sitio Ares Pinto --palco do confronto no domingo após índios invadirem a casa de que tomava conta--, Carlos Augusto Nascimento, já está arrumando as malas para fugir. Na quinta-feira (4), ele conversou com a reportagem do UOL enquanto transportava suas coisas em uma carroça. "Eu tenho uma casinha pequena aqui perto. Vou embora porque a mulher está muito nervosa, não quer mais ficar de jeito nenhum. Infelizmente aqui é meu trabalho, mas nessa condição não tem como ficar, melhor sair. Vou me virar para sobreviver, pelo menos não ficamos com essa tensão", afirma.

Mesmo em povoados mais distantes do local onde houve o confronto, moradores estão tensos. "Eu mesmo estava fazendo minha construção e parei porque, com essas invasões, temo que eles venham e tomem. Ninguém dorme direito mais com medo", conta Mariano Borges Nunes.

Mariano Borges - Beto Macário/UOL - Beto Macário/UOL
Mariano Borges conta que estudou com muitos dos que agora se intitulam índios. "Conheço tudinho, não tem nenhum ali que seja índio"
Imagem: Beto Macário/UOL

MPF defende demarcação

Em nota, o Ministério Público Federal no Maranhão informou que, em setembro de 2016, propôs uma ação civil pública contra a União por não promover a identificação e a demarcação das terras. O MPF também pediu à Polícia Federal a instauração de um inquérito para investigar os crimes cometidos e os danos causados.

Procurada, a assessoria de imprensa da Justiça Federal do Maranhão informou que o caso está tramitando na 13ª Vara, ainda sem decisão, assim como quatro ações de reintegração posse impetradas pelos donos das terras ocupadas pelos índios. 

Segundo o agora ex-presidente da Funai, Antônio da Costa, exonerado nesta sexta-feira (5), o processo de pedido de remarcação da área é recente e a falta de recursos financeiros e humanos dificulta o andamento. 

"É um processo novo, que entrou efetivamente no ano de 2016 e faz parte de um rol de vários processos de demarcação. Devido à quantidade de processos que a Funai tem e a mão de obra escassa, nos impossibilita de poder acompanhar todas as solicitações", disse em entrevista coletiva no dia 2.