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Tiroteios em áreas com UPPs matam dia sim, dia não, aponta levantamento

No Complexo do Alemão, zona norte carioca, os tiroteios são praticamente diários. A PM foi obrigada a instalar cabine blindada no alto de uma das comunidades da região - Domingos Peixoto / Agência O Globo
No Complexo do Alemão, zona norte carioca, os tiroteios são praticamente diários. A PM foi obrigada a instalar cabine blindada no alto de uma das comunidades da região Imagem: Domingos Peixoto / Agência O Globo

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

23/05/2017 04h00

Dados fornecidos pelo Fogo Cruzado, aplicativo da ONG Anistia Internacional que mapeia os tiroteios ocorridos na região metropolitana do Rio de Janeiro, mostram que, a cada dois dias, ao menos uma pessoa perdeu a vida em decorrência de conflitos armados nas favelas que possuem UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora).

Em quatro meses, foram 218 confrontos armados (1,8 por dia), que resultaram em 52 mortes e 97 feridos. Mais da metade dos óbitos se deu nos meses de março e abril.

O recrudescimento da violência nas áreas ocupadas pela PM não é um fenômeno recente. Nos últimos cinco anos, os tiroteios em comunidades com UPPs aumentaram 13.746%, segundo estudo feito pela própria Polícia Militar. As trocas de tiros passaram de 13, em 2011, para 1.555, em 2016.

Na esteira do caos financeiro no Estado, que atrasa pagamento de salários de servidores (incluindo policiais) e amarga um déficit de R$ 12 bilhões para este ano, a crise na segurança pública vem se agravando. Sem opções de reação, coube ao Executivo estadual clamar, há duas semanas, por ajuda do governo federal --em resposta, foram deslocados apenas 300 homens da Força Nacional de Segurança.

As informações coletadas pelo app Fogo Cruzado apontam que a tensão e o medo nas áreas com UPPs se acentuaram principalmente nos últimos dois meses. Até o fim de fevereiro, eram 88 notificações de tiroteio, com 21 mortos e 33 feridos. Desde então, na comparação com março e abril, houve aumento de 48% no número de confrontos armados --foram dez mortes e 31 feridos a mais.

O estopim da violência na região metropolitana fluminense ocorreu entre o fim de abril e o começo de maio, quando a população se viu refém em uma sucessão de episódios como tiroteios, disputas sangrentas entre facções do tráfico de drogas, incêndios de ônibus bloqueando vias e gerando saques, entre outros casos.

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Dados do Fogo Cruzado apontam que, das 52 pessoas que morreram de janeiro a abril, oito eram PMs
Imagem: Antonio Scorza/UOL

O pior cenário se deu no Complexo do Alemão, zona norte carioca, onde tiroteios fizeram, em apenas um dia, cinco vítimas fatais. Acuados, PMs tentavam, a todo custo, erguer uma torre blindada em um dos acessos à comunidade Nova Brasília, uma das mais perigosas da região. Houve resistência por parte de traficantes fortemente armados. Para que a estrutura de guerra fosse enfim instalada, a divisão de elite da corporação, o Bope (Batalhão de Operações Especiais), teve que ser acionada.

"A gente costuma chamar essas cabines de 'cabines da vergonha'. Elas provam que não há qualquer comando do Estado naquela região", comentou Raull Santiago, ativista social que nasceu e foi criado no Complexo do Alemão, onde desenvolve o projeto Coletivo Papo Reto.

Santiago culpa a "lógica de guerra" que teria sido instituída pelo Estado como fator preponderante para o que ele entende ser o fracasso definitivo da política das UPPs. Na opinião do morador do Alemão, não houve diálogo com a comunidade a fim de atender demandas sociais. "Não foram abertas possibilidades de construir novas formas de avanço. Para eles, a lógica da guerra às drogas era o único caminho. O Estado continua a tratar a favela como uma questão única de segurança pública e ignora outras áreas importantes como educação e cultura", comentou.

O ativista afirma que, desde o ano passado, as operações policiais mais ostensivas, com uso de blindados da PM (caveirões) e grande aparato armado, voltaram a ocorrer com frequência nas comunidades do Alemão --cenário que remete ao período anterior a 2010, quando houve a megaoperação que resultaria posteriormente na ocupação das favelas da região.

"Hoje, o principal problema é a falta de comando. Um exemplo disso é essa ação de invadir casas de moradores para montar bases estratégicas. Nas UPPs, os comandos locais agem como bem entendem. Cada UPP realiza as operações a seu modo porque não há um comando central. (...) Agora é possível perceber que a UPP nunca foi uma política pública, de fato, e sim uma política de marketing. Fizeram dela uma plataforma eleitoral, que ajudou o ex-governador Sérgio Cabral a se manter no poder."

PMs também são vítimas

A violência crescente nas favelas com UPPs atinge não só moradores, mas também policiais militares que nelas trabalham. A base de dados do Fogo Cruzado aponta que, das 52 pessoas que morreram de janeiro a abril, oito eram PMs.

Em todo o Estado, até o dia 22 de maio, 56 policiais militares foram assassinados --15 em serviço e 41 de folga. Portanto, segundo dados da Polícia Militar, um PM na ativa morreu a cada 2,5 dias no Rio de Janeiro.

"A morte de um PM é indiferente para o Estado. O pensamento é o seguinte: morreu? Coloca outro no lugar e pronto", afirmou o coronel Fernando Belo, presidente da AME-RJ (Associação de Oficiais Militares do Estado do Rio de Janeiro).

"Do que adianta instalar cabine blindada se a chegada do policial até ela se dá em percurso de guerra? Dentro da cabine ele pode até estar protegido, mas e no caminho? São questões pontuais, mas que não podem ser enfrentadas com soluções pontuais. O sistema todo é feito para dar errado. A falência do Estado é total", completou.

Belo destaca que, em sua opinião, o conceito que originou as UPPs --policiamento comunitário, com base na aproximação entre a força policial e a comunidade-- é "a melhor coisa que existe" em relação ao planejamento de segurança pública. Contudo, no Rio, o projeto executado não passou de uma "grande mentira e enganação".

"Não existe e nem nunca existiu uma favela 'pacificada' no Rio. Venderam uma imagem completamente falsa sobre a realidade desses locais. Já era perigoso antes, está ainda pior agora."

Na visão do presidente da AME-RJ, o treinamento que os PMs recebem no curso de formação para UPPs não oferece boa qualificação. Para ele, por esse motivo, o policial já é deslocado para a unidade em situação temerária desde o começo. "As UPPs recebem esses policiais recém-formados, que saem mal preparados e já são lançados em um ambiente hostil, de confronto."

Outro lado

Em resposta ao UOL, a CPP (Coordenadoria de Polícia Pacificadora) informou que todas as ações nas comunidades são planejadas a partir de informações dos setores de inteligência e dados do ISP (Instituto de Segurança Pública).

"Além das bases administrativas e avançadas, o patrulhamento tem o apoio de viaturas e motocicletas, tornando-o mais dinâmico."

O órgão informou ainda que, nas comunidades com maior incidência de tiroteios, a segurança é reforçada --"sempre que necessário"-- com apoio do COE (Comando de Operações Especiais), grupamento que reúne divisões, como o Bope e a Tropa de Choque.

"Cabe ressaltar que todas as mortes estão sendo investigadas pela Polícia Civil", concluiu a CPP.