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Se solicitarem, por que não?, diz Doria sobre retorno de moradores a outros Estados

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

13/06/2017 13h20Atualizada em 14/06/2017 10h08

O prefeito João Doria (PSDB) afirmou nesta terça-feira (13) não ver "nenhum problema" em se pagarem passagens rodoviárias a moradores de rua ou usuários de drogas que queiram deixar São Paulo e voltar a suas cidades de origem.

Secretário de Doria oferece passagem para usuário de droga voltar ao Maranhão

UOL Notícias

A afirmação havia sido feita ontem ao UOL pelo secretário municipal de Assistência Social, Filipe Sabará, que disse ter pago "do próprio bolso" para um suposto usuário de crack retornar a São Luís, no Maranhão. Sabará publicou um vídeo com o homem, identificado apenas como Antonio, horas depois de nova operação policial na cracolândia, no centro paulistano. Ontem, o secretário afirmou que, até o fim do mês, o município deve reforçar a política já existente no âmbito da administração para mandar de volta às suas cidades natais pessoas em condição de vulnerabilidade que assim o desejarem.

Indagado se de fato a ação será ampliada, Doria respondeu: "Se as pessoas solicitarem, por que não? Se elas pedem... não há nenhum problema em atender essa solicitação. O que não deve ser é forçado, induzido", disse.

Sobre o suposto usuário de drogas devolvido ao Maranhão, o prefeito afirmou não ver nada de errado na conduta de Sabará.

"Essa pessoa pediu explicitamente que gostaria de voltar à sua terra, o Maranhão. Não há nenhum problema, diante das circunstâncias, já que a secretaria de Direitos Humanos, assim como a de Assistência, têm esse programa segundo o qual, diante da solicitação, seja fornecido o bilhete para o retorno à sua cidade e região de origem", definiu.

Programa existe desde 2003, diz Prefeitura

De acordo com o secretário, já existe no âmbito da pasta programa municipal com essa finalidade. “A proposta é ampliar isso, mas os termos e condições serão definidos até o fim deste mês”, disse Sabará, ontem. Por meio de nota, a prefeitura informou que o programa que ajuda migrantes que desejam retornar a suas cidades de origem existe desde 2003. No ano passado, segundo a administração Doria, 1.416 pessoas foram atendidas.

Post (que acabou deletado depois) em que o secretário Filipe Sabará trata da suposta doação de passagem - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Post (que acabou deletado depois) em que o secretário Filipe Sabará trata da suposta doação de passagem
Imagem: Reprodução/Facebook

Nesse domingo (11), Sabará publicou em dois perfis dele no Facebook texto e vídeo em que anunciava ter providenciado a volta de um suposto usuário de drogas a São Luís, no Maranhão. Com a repercussão do caso, nessa terça (13), ele excluiu o post.

Mais cedo, uma ação da Polícia Militar e da Prefeitura havia desocupado a praça Princesa Isabel, área que se tornou a nova cracolândia da cidade após ação do Estado e do município, no último dia 21, na região da rua Helvétia e da alameda Dino Bueno. Após a desocupação e a limpeza da praça, porém, os usuários novamente migraram ao espaço.

Filipe Sabará - Janaina Garcia/UOL - Janaina Garcia/UOL
O secretário de assistência social do município de São Paulo, Filipe Sabará
Imagem: Janaina Garcia/UOL

“Para fechar o dia com chave de ouro, estou levando o Antônio que foi resgatado das ruas hoje, após a ação contra o tráfico, para a rodoviária e o presenteando com uma passagem para sua terra natal no Maranhão. Ele veio para São Paulo buscar oportunidades de trabalho, mas não conseguiu e acabou nas ruas e nas drogas. Agora ele vai reencontrar sua esposa que está grávida e esperando ansiosamente por ele!”, escreveu Sabará sobre o rapaz.

Em um vídeo gravado ao lado do homem, identificado apenas como “Antônio”, o secretário explicou que ele havia procurado ajuda em uma unidade de atendimento emergencial da prefeitura.

“Ele veio para São Paulo buscar oportunidade e acabou indo parar na rua”, diz o secretário, no vídeo. “Foi muito bom lá [na unidade de atendimento emergencial]; tomei banho, comi, me deram escova de dente, toalha, cobertor... é muito bom lá. Quem estiver na rua que vá para lá”, completa Antônio. “Agora, vamos encaminhar você para a rodoviária. Vamos embora para a terrinha visitar a família”, completa Sabará, que exibe o kit recebido por Antônio com escova de dente, toalha, sabonete e cobertor”. “[Mas está] Voltando para a terrinha com dignidade”, observa o secretário, referindo-se ao kit.

Desde domingo, a polícia tem impedido a construção de barrocos na nova cracolândia - Leonardo Benassatto/Frampephoto/Estadão Conteúdo - Leonardo Benassatto/Frampephoto/Estadão Conteúdo
Desde domingo, a polícia tem impedido a construção de barrocos na nova cracolândia
Imagem: Leonardo Benassatto/Frampephoto/Estadão Conteúdo

"Tem muita gente querendo voltar para suas casas", diz secretário

Indagado nessa segunda (12) sobre quem financiou a passagem a São Luís, Sabará disse tê-la pago “do meu próprio bolso”.

Se ele ou a administração farão isso a outras pessoas que queiram retornar à terra natal? “A prefeitura já tem essa política na secretaria, mas vai ampliá-la porque tem muita gente querendo voltar para suas casas, em outros Estados, especialmente no Norte e Nordeste e a Estados do Sul, como Paraná. É gente que veio em busca da promessa de oportunidades, não conseguiu, mas estava com vergonha de voltar”, disse.

Ainda conforme o secretário, o critério em relação a quem receberá ou não passagens vai considerar “quem está cadastrado e em abrigos” atendidos pela prefeitura. Ele negou que a ação tenha qualquer verniz de “limpeza” ou “higienismo” –como entidades de direitos humanos se posicionaram, nas últimas semanas, em relação à ação sobre usuários.

"É tênue a linha entre ajudar ou fazer desaparecer da vista", afirma Pastoral de Rua

Para o coordenador da Pastoral de Rua da Igreja Católica, padre Júlio Lancelotti, o retorno de pessoas em condição de vulnerabilidade a suas cidades ou Estados de origem “precisa ser uma alternativa, e não a alternativa única dada a essas pessoas”.

“Tem muitas pessoas que solicitam ajuda para esse retorno, mas o trâmite é burocrático, lento. Tem cidades no interior de São Paulo que facilitam a vinda de gente para a capital, mas porque não a querem por lá. Só que mandá-los de volta exige o cuidado de que não seja uma saída forçada”, afirmou Lancelotti.

“Alguns não têm mais como voltar e nem sempre conseguem telefonar aos parentes por meio dos serviços municipais. Outros querem restabelecer contato, apenas, e há os que foram expulsos, caso de alguns LGBTs, os quais a família não quer mais, e que aos quais não adianta pagar uma passagem de volta, simplesmente”, considerou.

Na opinião do coordenador da pastoral, “tem que ver de onde parte a vontade de ir”. “É estranho um secretário ter que pagar por isso, quando deveria ser uma política do município, mas desde que se veja o drama humano de cada um. Para alguns, voltar é possível, viável e desejável; para outros, é inviável. Até desejam, mas não têm estrutura para se restabelecer em suas cidades ou Estados. A população de rua é muito heterogênea, e a linha entre se querer ajuda-la ou fazê-la desaparecer da vista das grandes cidades é sempre muito tênue”, finalizou.

A prefeitura informou que envio de migrantes para as cidades de origem é feito "sempre de maneira articulada com entidades dos outros municípios e apenas se por vontade expressa da pessoa."

Na cracolândia tudo pode virar pedra

TV Folha

"Forma camuflada de forçar a pessoa a sair da cidade", critica advogado

Professor de direito constitucional na FGV (Fundação Getúlio Vargas) em São Paulo, o advogado Roberto Dias vê a iniciativa da administração com ressalvas.

“Se o poder público pretende apurar ou verificar quem está nessa situação de vulnerabilidade e determinar que essa pessoa deixe a cidade, está claramente violando previsões da Constituição Federal –que é explícita em afirmar que as pessoas podem transitar pelo território nacional sem qualquer restrição, a não ser as que, por decisão judicial, estão encarceradas”, disse.

“Se a pessoa efetivamente tiver interesse em sair da cidade, nada impede que ela vá, desde que seja uma vontade genuína. O que não é possível é exigir que, por via direta ou via transversa, ela saia de uma cidade e vá para outra --em que ‘transversa’ é aquela situação de que é como se ela tivesse sido consultada a sair, quando, na realidade, é uma forma camuflada de forçá-la a sair da cidade. Isso também é inconstitucional”, sustentou.

Na avaliação do advogado, “o administrador público não pode admitir, com o pretexto ou suposta alegação de querer preservar um direito, violar outro direito”.

“Se for uma ação prevista em lei e se tiver rubrica orçamentária para tal, e se efetivamente for algo pela proteção de direitos, há respaldo constitucional. Mas não me parece que seja, tudo indica que é uma tentativa de higienização”, classificou Dias.

O Programa Redenção é a principal bandeira de Doria para lidar com o vício em crack - André Lucas/UOL - André Lucas/UOL
O Programa Redenção é a principal bandeira de Doria para lidar com o vício em crack
Imagem: André Lucas/UOL

Por meio de nota, a Prefeitura de São Paulo informou que "lamenta a leviandade das palavras do professor Roberto Dias". "Suas declarações não se apoiam em fatos e demonstram ignorância sobre a existência de um programa que existe desde 2003", diz a nota.