Assassinatos por terra aumentam medo no Pará: "Saí para não morrer"
A disputa gerada pelo conflito por terras no Pará já resultou em 23 assassinatos neste ano e está transformando a área da Amazônia do Estado em um terreno marcado por mortes preanunciadas pela intensa disputa fundiária.
A "guerra" deixa mortos dos dois lados. Segundo a CPT (Comissão Pastoral da Terra), até hoje foram 18 trabalhadores e cinco funcionários de fazenda assassinados em 2017 --quase todos estavam na lista de ameaçados, e todos moravam em regiões onde há disputa por áreas. Ao UOL, a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social do Pará afirmou que "tem implementado importantes ações direcionadas à prevenção de conflitos agrários" (veja mais abaixo).
Entre as mortes em conflito por terra deste ano constam as dez causadas pela polícia no massacre de Pau D'Arco, em maio.
Somente o número de mortes de trabalhadores rurais neste ano é três vezes maior que o total registrado no ano passado, quando houve seis casos.
Nem mesmo a repercussão internacional do massacre intimidou os confrontos. No dia 8 de julho, um líder da ocupação de Pau D'Arco foi morto a tiros no município de Rio Maria, um dia após fugir da fazenda onde houve a chacina para escapar de homens que rondavam sua casa.
No último dia 26, o casal Manoel Índio Arruda e Maria da Luz Fernandes Silva foi morto a tiros no projeto de assentamento Uxi, a cerca de 30 km da cidade de Itupiranga. Eles também estavam na lista de ameaçados e buscaram proteção da polícia. Sem sucesso.
"Saí para não morrer", diz homem que foi expulso de casa
Os assassinatos impuseram uma rotina de medo ainda maior aos trabalhadores rurais que vivem em áreas sem posse definitiva e sofrem ameaças de morte.
Jovenil Rodrigues preferiu fugir do acampamento Lagoa Azul em que vivia, no município de Santa Maria das Barreiras (1.036 km de Belém), para sobreviver aos ataques. No local, viviam cerca de 70 famílias, que ocuparam terras há três anos. A terra às margens do rio Araguaia pertenceria à União, mas ainda não há uma definição legal.
Há cerca de 20 dias, ele conta que foi expulso por capangas do local onde vivia. "O homem que agora diz que é dono colocou pistoleiros lá. Queimaram dez barracos, casinhas de pessoas pobres. Carregaram porcos, galinhas. Saí para não morrer", afirma.
Fora de casa, ele conta que está passando necessidades. "Eu estou vivendo de ajuda de um e de outro para comer. Pode ocorrer um grande massacre. O povo está perdendo tudo, isso dá ódio e as pessoas entram em desespero. Eu mesmo estou desesperado vendo minhas coisas destruídas. É revoltante demais: tudo o que fizemos em três anos perdemos em uma semana", conta.
Sem apoio, ele afirma que não vê outra solução a não ser em breve retornar para cuidar do que seria seu. "Vou acabar voltando lá para dentro, e seja o que Deus quiser. Não posso ficar vendo minha família passar fome tendo comida lá", afirma.
Terras, garimpos e desmatamento ilegal agravam problemas
Segundo o ouvidor agrário nacional do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Jorge Tadeu Jatobá Correia, o Pará tem uma combinação de fatores que elevam a tensão.
O primeiro, que ele classifica como principal, é a histórica indefinição de quem são os verdadeiros proprietários de terra. São muitos os casos em que há emissão de títulos de posse indevidos --processo conhecido como grilagem. "Teve um município em que o MP [Ministério Público] encontrou oito vezes mais títulos do que área", conta. "Isso dificulta a instrução processual, que por sua vez dificulta a emissão de posse."
Na parte paraense da Amazônia há terras da União, devolutas do Estado e muitas griladas. Segundo Correia, a violência no campo vai além da disputa de terra. "Outra parte dos conflitos que repercute em morte tem origem na exploração ilegal de madeira. Outro viés que ocorre muito também é roubo de gado, além de vários garimpos ilegais", explica.
Correia afirma ainda que é difícil conseguir dar segurança no campo devido à baixa capacidade dos órgãos públicos. "Temos uma estrutura de órgãos públicos que é destacável, melhor do que em muitos Estados. Temos promotoria, delegacias especiais de conflitos agrários, varas agrárias. O problema é que elas têm um corpo de funcionários pequeno para a grandeza territorial do Estado e os problemas que vão se acumulando", diz.
O ouvidor informou que deve ir o Estado nos próximos dias e se reunir com o governador Simão Jatene (PSDB) para cobrar mais servidores atuando na área. "Além de tudo, aquela região tem um grande índice de desemprego, o que leva pessoas a buscarem [apoio de] movimentos [sociais]", complementa.
CPT: "Governo deixou que prevaleça a lei do mais forte"
A violência no campo tem chamado a atenção de entidades que lutam por direitos humanos. A coordenadora-geral da ONG Justiça Global, Sandra Carvalho, afirma que há vários motivos que levam ao acirramento de ânimos no Pará e destaca alguns que se agravaram nos últimos anos.
"Podemos destacar os grandes projetos de infraestrutura, como as barragens e hidrelétricas. Também a não concretização da reforma agrária e a manutenção do latifúndio. A recente aprovação da chamada MP [Medida Provisória] da grilagem, a não responsabilização [de criminosos] em decorrência da ausência de investigação e o desmonte da politica de proteção dos defensores de direitos humanos", diz.
Carvalho lembra que o Pará aprovou, no ano passado, a lei que institui o programa de proteção, "mas sem que tenha sido implementado".
O coordenador jurídico da CPT na região do sudeste paraense, o advogado José Batista, afirma que o aumento da violência está relacionado diretamente ao crescimento de grupos armados de fazendeiros. "Eles têm o objetivo de defender suas propriedades contra qualquer investida de movimentos de sem-terra, e muitas vezes contam com a participação da polícia", diz.
"Soma-se a isso o alto índice impunidade de crimes do campo. São pouquíssimos casos em que o processo é concluído, e os responsáveis vão a júri. E, mesmo nos poucos casos que tem um condenado, cumprir pena é algo raro", completa.
Ele ainda cita que os governos estadual e federal têm deixado o campo sem políticas de proteção ao trabalhador rural. "O setor ruralista tem sido atendido pelo atual governo em troca de votos no Congresso. O governo deixou que, no campo, prevaleça a lei do mais forte, onde a situação se resolve com violência", diz.
Estado diz que faz ações de combate à violência
Em nota, a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social afirmou ao UOL que "tem ao longo dos anos implementado importantes ações direcionadas à prevenção de conflitos agrários".
Cita como exemplo a criação, em 1995, em Belém, da primeira Delegacia Especializada em Conflitos Agrários e das duas outras implantadas em Marabá e Redenção.
"A Segup, em seu Plano de Diretrizes, prevê ainda as implantações de outras três DECAs: Altamira, São Félix e Itaituba. O perfil administrativo da Delegacia de Conflitos Agrários é único no país", afirma.
A nota ainda traz números, citando que, no período de 2011 a 2017, 189 reintegrações de posse da terra foram realizadas no Estado. "Desse total, 49% foram em áreas rurais. No mesmo período, mais de 6.000 reintegrações de prisão foram cumpridas, e em todas elas não houve qualquer registro de incidente com vítima. Em 2016 foram realizadas 29 reintegrações de posse e 73 em 2015. Para este ano, estão previstos os cumprimentos de 60 reintegrações de posse", afirma.
Sobre o Programa de Proteção Defensores, a Segup, em conjunto com a Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos, diz que já "garante o resguardo de 53 pessoas".
"No ano passado, a Secretaria, juntamente com a Ouvidoria Agrária Nacional, desenvolveu algumas ações de combate à violência no campo, a exemplo da chamada Patrulha Rural, realizado pela PM com o apoio do órgão federal", finaliza.
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