Fuga de moradores e 280 t de lixo: como é rotina no Jacarezinho após 1 semana de guerra com 5 mortos
Desde a sexta-feira passada (11) sob o som de tiros e carros de polícia, parte dos moradores do Jacarezinho optaram por deixar suas casas e pertences para trás como medida de segurança. A comunidade da zona norte do Rio de Janeiro não teve um só dia de trégua entre a polícia e o tráfico desde a morte do policial civil Bruno Guimarães Buhler, atirador de elite da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), na última sexta. Na quinta-feira (17), sétimo dia consecutivo de conflito, outras duas pessoas morreram --ao todo, os confrontos durante as operações policiais para identificar os suspeitos do assassinato do policial deixaram cinco mortos, incluindo o agente.
Como consequência, além da falta de segurança e do medo, a população é obrigada a lidar com restrições de circulação e de serviços, como transporte, saúde, educação e coleta de lixo.
Há mais de dez anos na região, uma moradora --que não quis se identificar-- contou à reportagem do UOL que deixou o imóvel onde mora e se mudou com a filha de nove anos para a casa da mãe. “Saímos com três mochilas. Não tenho como viver sabendo que eu e a menina podemos sair de casa e não voltar. Estou vivendo dias de pavor por aqui. Saí sem saber quando voltar", relatou, emocionada, a mulher de 53 anos.
Parece que eu sou o bandido, precisando me esconder.
Moradora do Jacarezinho
Quem também precisou deixar a casa onde mora, foi a auxiliar de serviços gerais, Adélia Gomes, 42. “Saí na segunda e não voltei ainda. Estou na casa de parentes. A gente tem um grupo de WhatsApp de vizinhos e lá eles avisam como está a segurança. Saí para trabalhar e não voltei. Tenho medo de ficar circulando. Todo mundo evitando a região.”
O pedreiro Américo Silva, 58, conta que dorme na cozinha por considerar o ambiente mais seguro da casa. "A gente vai dormir achando que vai ter uma trégua no dia seguinte. Que nada! A polícia está sufocando. É claro que bandido tem que ser preso, mas na favela tem mais morador que bandido. Quantas vidas valem uma prisão? Tenho dormindo num colchonete na cozinha. Lá tenho mais chances de acordar inteiro, eu acho."
Mais de 3.000 alunos sem aulas
Desde a última sexta, 3.317 alunos da rede municipal de ensinam estão sem aulas. Quatro creches, quatro escolas e três Espaços de Desenvolvimento Infantil da prefeitura suspenderam as aulas devidos aos conflitos na região.
“Como o caminho é a educação? Como se estuda assim? Nem os colégios abrem!”, lamenta outra moradora que está em casa com a filha, sem aula há uma semana.
A Clínica da Família localizada no Jacarezinho também não abriu as portas desde o começo dos confrontos. Na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Manguinhos, mesmo sem autorização para dar entrevistas, uma das funcionárias resumiu em poucas frases, o clima da unidade: “Equipe completa? Não tem como ter equipe completa numa região como essa”.
Em uma semana, o serviço de trens da Supervia suspendeu a circulação do transporte em seis dias. Na terça-feira (15), passageiros não puderam contar com o sistema de transporte durante quatro horas. As linhas de ônibus que passam pela região também foram afetadas. Muitos coletivos tiveram que modificar o itinerário.
Por sua vez, a Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana) estima que 280 toneladas de lixo estejam acumuladas na região devido à interrupção das coletas.
“Devido aos conflitos que vêm ocorrendo no local, a Administração Regional e a presidência da associação de moradores pediram que os garis suspendessem a coleta há sete dias, para assim preservar a integridade física da equipe que realiza a limpeza do local”, diz trecho na nota enviada ao UOL.
A ONG Rio de Paz, que atua na região com projetos sociais, também paralisou as atividades. A organização explica que a sede foi atingida por seis tiros e que o objetivo da decisão é preservar a vida dos voluntários.
“Por um pouco, um funcionário do Rio de Paz e eu não perdemos a vida esta semana no Jacarezinho. Assim que entramos na sede ouvimos um helicóptero dando uma rasante e desferindo rajadas de tiro na rua. Nossa sede levou seis tiros nos últimos dias. Numa outra rua, que dá acesso à comunidade, construímos o Aquário de Música, onde funciona o projeto de música. Em seis ocasiões diferentes, foram tiros em janelas, paredes, livros e portas. Nossas crianças tiveram que se jogar no chão. Em suma, o pobre está vivendo um autêntico desespero”, concluiu o presidente da ONG, Antônio Carlos Costa.
Ao todo, 30 alunos da escola de música foram afetados. A ONG estuda mudar a escola para a região de Manguinhos por causa dos problemas de violência. A organização também possui um balcão de empregabilidade na região. O serviço que oferece auxílio para moradores desempregados também foi interrompido. Até 20 pessoas por dia eram atendidas e direcionadas para postos de trabalhos na cidade.
Família acusa polícia de omissão de socorro
Nesta quinta-feira, uma nova operação foi feita na região. Desde a última sexta, quando o policial civil da Core foi morto em uma ação no Jacarezinho, a polícia tem feito incursões diárias na favela.
Além do agente, outras três pessoas morreram durante os confrontos: o mototaxista André Luis Medeiros, o feirante Sebastião Sabino da Silva, 46, um homem ainda não identificado deixado próximo à UPA de Manguinhos e outro que deu entrada na unidade já sem vida.
Medeiros foi baleado na sexta-feira. Ele chegou a ser socorrido ao Hospital Municipal Souza Aguiar, mas morreu nesta quarta-feira (16). Silva, foi baleado na terça e já chegou morto à unidade de saúde. O filho, Raul Sabino, acusa a polícia de omissão de socorro.
“Meu pai tomou três tiros. Um na boca, um nas costas e outro no peito. Quando eu cheguei para socorrer com outros moradores, o Caveirão chegou e bloqueou a passagem. Demoramos 30 minutos até conseguir tirar ele dali. Falava com a polícia e eles nos ignoravam”, disse o filho que mora há dez anos na região do Jacarezinho.
O enterro do vendedor de frutas ocorreu nesta quinta-feira (17) no cemitério do Caju, zona portuária do Rio.
A Polícia Civil informou que identificou quatro traficantes que participaram do confronto na favela que resultou na morte do policial --Jonathan Luis da Silva, Jefferson Gonçalves da Silva, Carlos André da Conceição, Welligton de Souza Macedo.
Perguntada sobre o resultado da operação --quantidade de armas e drogas apreendidas durante as incursões--, a polícia disse que ainda não há informações oficiais.
O Disque Denúncia oferece recompensa de R$ 50 mil para quem der informações que levem à identificação dos suspeitos. O agente dava reforço à operação da Delegacia de Combate às Drogas, no Jacarezinho, quando foi baleado no pescoço. Ele chegou a ser levado para o hospital, mas não resistiu.
O número do Disque Denúncia é o 2253-1177 e o anonimato do denunciante é garantido.
Jacarezinho
Localizado na zona norte da cidade, o bairro do Jacarezinho localiza-se junto à via férrea. No ano 2000, a região teve o pior índice de desenvolvimento humano do Rio. Na época, o índice era de 0,731 --o 121º colocado entre 126 regiões analisadas na cidade do Rio de Janeiro.
Ao todo, 36 mil pessoas moram na região que conta com uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) desde 2013.
De acordo com dados do ISP (Instituto de Segurança Pública), o número total de ocorrências de roubos e furtos na região chegou a 4.284 apenas no primeiro semestre deste ano, o que corresponde a 714 ocorrências por mês. No mesmo período do ano passado, foram contabilizados 1.760 registros de roubos e furtos, o que mostra um crescimento de quase 60% no número de crimes praticados na região.
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