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Polícia indicia 210 detentos por massacre em presídio do AM; chacota do PCC foi estopim

Colaboração para o UOL, em Manaus

01/09/2017 19h12Atualizada em 01/09/2017 20h39

A Polícia Civil do Amazonas concluiu o inquérito que investiga o massacre de 56 presos no  Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim) no primeiro dia deste ano com o indiciamento de 210 detentos por participação nas execuções de inimigos da FDN (Família do Norte), facção que controla o tráfico de drogas e presídios no norte do país. Os presos foram mortos a tiros, torturados, asfixiados e esquartejados.

De acordo com o inquérito divulgado nesta sexta-feira (1º), a ordem para o massacre partiu dois meses antes de um dos líderes e fundadores da FDN, José Roberto Fernandes Barbosa, o “Zé Roberto da Compensa”, que cumpre pena em um presídio federal em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.

“Não houve uma rebelião contra o Estado por reivindicações de melhor estrutura. A motivação foi a guerra de facções entre FDN, PCC e principalmente relacionada à transferência dos líderes da FDN para presídios federais”, disse o delegado-geral adjunto, Ivo Martins.

As investigações da Polícia Civil do Amazonas confirmaram que a motivação da rebelião era exterminar membros do PCC (Primeiro Comando da Capital) que adotavam comportamento que incomodava os líderes da FDN. Foram mortos 23 dos 26 presos ligados ao PCC que estavam em celas do “seguro”, área onde ficam isolados detentos que correm risco de vida dentro do presídio. Os demais mortos eram acusados de estupro ou presos que violaram código da facção FDN.

“Nos autos, temos relatos de testemunhas oculares informando que foi lida uma carta em reunião, dentro de uma das celas do Compaj, determinando como se daria o massacre. Foi estabelecido que, a partir da última visita (dia 1º de janeiro), eles entrariam em campo, invadiriam a portaria e fariam reféns para que não houvesse o controle estatal e começariam a chacina propriamente dita”, declarou a delegada Emília Ferraz, que integrou o grupo de delegados que investigou o caso.

Emília Ferraz disse que o comportamento dos presos do PCC dentro do sistema prisional em relação a familiares de detentos e aos próprios presos da FDN foi um dos fatores que motivaram a chacina. “É bom ressaltar que outra motivação seria o comportamento dos presos do PCC dentro do sistema prisional. Em várias oitivas, inclusive de agentes de ressocialização, ficou bem claro que eles faziam chacotas com os presos da FDN. Uma motivação muito forte que todos eles apresentaram era essa, o comportamento dos internos do PCC em relação aos familiares e presos da FDN”, disse a delegada.

Fuga da morte

Os delegados da Polícia Civil ao analisarem os vídeos do circuito interno do Compaj concluíram, ainda, que os detentos do Seguro tentaram “desesperadamente” fugir do massacre, mas foram cercados pelos membros da FDN em número muito maior nos fundos do presídio, no momento em que o Compaj estava completamente dominado pela facção, sem nenhuma ação do Estado.

“Membros do PCC atearam fogo em colchões nas entradas das celas para tentar impedir que os integrantes da FDN conseguissem entrar nos espaços. Alguns detentos do PCC tentaram fugir por uma janela, de uma das celas, que foi serrada, mas foram alcançados pelos presos da FDN e foram mortos”, relatou o delegado Tarson Yuri, que também integrou a equipe de investigação.

Torturas

Ainda segundo os delegados, membros do FDN que estavam no “seguro” foram retirados do local sem sofrer agressão. As imagens do circuito interno mostram ainda detentos que participaram do massacre molhando pedaços de tecido no sangue das vítimas e usando o material para escrever as siglas da FDN nas paredes do presídio.

“Os detentos escreveram a sigla FDN nas paredes com sangue das vítimas para representar a vitória da facção”, disse Tarson Yuri.

Nas celas especiais do “seguro” que os membros da FDN não conseguiram invadir, segundo os delegados, os presos foram mortos por asfixia em função do fogo que foi ateado nos colchões e por bala de revólveres.

Imagens disponibilizada pela Polícia Civil mostram o exato momento em que o presídio é dominado pelos presos. Eles aparecem em confronto a tiros com policiais militares que faziam a guarnição do espaço onde ficam as celas do “seguro”. Armados com revólveres, os membros da FDN usam agentes penitenciários como escudo para avançar e dominar o espaço.

Detentos que não morreram de imediato no ataque da FDN, segundo os delegados, foram arrastados para uma quadra poliesportiva dentro do presídio onde sofreram torturas, decapitação, esquartejamento e retiradas de órgãos internos.

Ainda segundo as investigações as ordens de José Roberto foram comandadas no Compaj por dois detentos identificados como “Maguila” e “Caroço”. Os dois coordenaram outros 15 presos que estavam à frente da rebelião e que foram transferidos para presídios federais no dia 11 de janeiro.  

Outros crimes

O delegado-geral adjunto do Amazonas Ivo Martins informou que o inquérito concluído no dia 30 de agosto teve como foco apurar a autoria dos 56 homicídios dentro do Compaj. Ivo Martins disse que, durante as investigações, outras infrações foram identificadas, como a facilitação de entrada de armas no presídio, e que estas questões serão investigadas em outros inquéritos.

“Esse inquérito diz respeito à apuração dos homicídios, das 56 mortes. No curso da investigação, se verificou outras infrações dos presos, de facilitação de entrada de arma, possíveis conivências de agentes do Estado e familiares dos presos. Mas isso será investigado em outros inquéritos”, disse.