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Mãe e filho dizem que pai insistiu que garoto dormisse em presídio no Piauí; ele nega

Integrantes do Ministério Público inspecionam cela onde menino de 13 anos foi encontrado - Divulgação/Ministério Público
Integrantes do Ministério Público inspecionam cela onde menino de 13 anos foi encontrado Imagem: Divulgação/Ministério Público

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, em Maceió

04/10/2017 09h50Atualizada em 04/10/2017 11h35

Em depoimento à polícia, a mãe e o garoto de 13 anos, que foi encontrado dentro da cela de um preso condenado por estupro de vulnerável na Colônia Agrícola Major César de Oliveira, no município de Altos (região metropolitana de Teresina), disseram que o pai do adolescente insistiu para que o jovem pernoitasse no local e prometeu que no dia seguinte o pegaria, durante o horário de visitas. O pai, porém, declarou que foi o menino que pediu para dormir no local.

O adolescente passou o dia na unidade prisional junto com os pais, Sebastiana da Silva Rodrigues Gomes, 46, Gilmar Francisco Gomes, 49, três irmãos, de 8, 12 e 13 anos, e o preso José Ribamar Pereira Lima, 52, no alojamento 1 e nas proximidades da horta da colônia agrícola.

Segundo a polícia, Sebastiana e o garoto contaram que a família foi em três bicicletas para a colônia agrícola. Eles chegaram por volta das 9h20 do sábado (30) e saíram ao final do horário de visitas, às 16h. Mãe e filho disseram que o pai do menino insistiu para que ele dormisse no presídio.

Sebastiana relatou que o filho não queria ficar no presídio e que “só ficou por insistência do pai”. A mãe do garoto disse ainda que foi contra deixar o filho no alojamento com o preso, mas, devido à insistência do marido, acabou cedendo.

O menino contou à polícia que o pai pediu para ele ficar na companhia do preso Ribamar, mas ele não queria ficar. De acordo com o depoimento, o adolescente disse que o pai afirmou que o irmão dele, de 8 anos, também iria dormir no presídio.

A criança se negou a ficar e os outros irmãos chamaram o adolescente para ir embora. Mais uma vez, o pai insistiu para o adolescente ficar na companhia de Ribamar “dizendo que era melhor que ficasse para não dar trabalho de trazê-lo no dia seguinte”. Com o pai irredutível, o adolescente ficou sozinho e a família foi embora.

Pai de menor achado em cela no Piauí diz que não temia nenhum mal

TV Folha

Ele disse que jantou, assistiu televisão e dormiu ao lado de Ribamar, por volta das 22h do sábado, e por volta de 1h do domingo (1º) foi acordado pelo preso para que ele se escondesse embaixo da cama porque os agentes penitenciários estavam fazendo revista no alojamento.

O menino foi encontrado por agentes penitenciários quando levantaram o colchão e disse que ficou atordoado com a situação inesperada.

O exame de conjunção carnal e de corpo delito realizado no garoto pelo IML (Instituto Médico Legal) de Teresina, além do depoimento do adolescente, não apontaram a ocorrência de abuso sexual durante o período que ele ficou na colônia agrícola.

Pai diz que filho pediu para ficar

Em depoimento, o pai Gilmar afirmou que deixou o filho no presídio porque o menino pediu para ficar e, mesmo com a negativa da mãe, o pai liberou a pernoite do adolescente na unidade prisional.

Menino foi encontrado embaixo da cama de preso - Divulgação/Sinpoljuspi (Sindicato dos Agentes Penitenciários do Piauí) - Divulgação/Sinpoljuspi (Sindicato dos Agentes Penitenciários do Piauí)
Menino estava embaixo da cama de preso
Imagem: Divulgação/Sinpoljuspi (Sindicato dos Agentes Penitenciários do Piauí)

Ele disse que tinha ciência do perigo de o filho dormir no presídio, mas que confiava em Ribamar porque ele é seu compadre e havia convivido com ele por dois anos quando cumpriu pena na colônia agrícola.

Gilmar foi condenado por estupro de vulnerável a dez anos de reclusão --cinco anos em regime fechado e dois anos em regime semiaberto. Atualmente, ele está em liberdade condicional.

Ribamar também prestou depoimento e declarou que, mesmo tendo cometido crime de estupro de vulnerável e atentado violento ao pudor, não cometeu qualquer crime de cunho sexual contra o adolescente.

Ele disse que o menino pediu para dormir no alojamento “para não precisar ir no dia seguinte dando trabalho ao pai”.

O preso está custodiado individualmente no alojamento 1 cumprindo pena por dois crimes de estupro de vulnerável e atentado violento ao pudor cometidos nos anos de 2008 e 2009, nos municípios de Aroazes (PI) e Amarante (PI), para os quais foi condenado a 12 e 18 anos de prisão.

Preso dava roupas e comida à família

Segundo os depoimentos, Ribamar sustentava a família com alimentos, roupas, calçados, telefones celulares e dinheiro a cada visita que faziam ao preso. O pai afirmou que Ribamar costumava agradar seus filhos dando “besteiras”, como biscoitos, refrigerantes e chocolates, além de ajudar a família com alimentos.

Segundo o garoto, com a proximidade do Dia das Crianças, Ribamar prometeu presentear ele e os irmãos com um vídeo game. 

A Colônia Agrícola Major César de Oliveira, em Altos (PI) - Divulgação/Sindicato dos Agentes Penitenciários do Piauí - Divulgação/Sindicato dos Agentes Penitenciários do Piauí
A Colônia Agrícola Major César de Oliveira, em Altos (PI)
Imagem: Divulgação/Sindicato dos Agentes Penitenciários do Piauí

O detento, porém, afirmou que Sebastiana lavava suas roupas e que ele pagava o serviço com dinheiro. Ele negou promessas de presentes e que já tinha usado todas as saídas temporárias do ano e no Dia das Crianças estaria recluso na colônia agrícola. Entretanto, ele contou que sempre que conseguia saída temporária visitava a família do menino.

Segundo o depoimento de dois agentes penitenciários, após a equipe ter encontrado o menino embaixo da cama durante a revista, foram feitas várias perguntas e ele contou que recebia bombons e biscoitos dados por José Ribamar. A criança teria negado que sofreu abuso sexual.

Menino deveria ter sido ouvido antes, diz delegado

O delegado de Altos, Jarbas Lima, que investiga o caso, afirmou que os depoimentos colhidos nesta terça-feira (4) são contraditórios e que a polícia deverá ouvir testemunhas, presos e agentes penitenciários para fechar o inquérito.

A Polícia Civil tem 30 dias para conclusão das investigações para remeter o caso ao MPE (Ministério Público Estadual), que analisará se oferecerá denúncia à Justiça.

“Os depoimentos são cheios de contradição. Creio que talvez o do pai seja o que possui mais informações inverídicas. Infelizmente, nos crimes sexuais que não deixam vestígios [atos libidinosos], caso a vítima não diga que foi violentada sexualmente, restará prejudicada a investigação para essa infração penal”, afirmou o delegado.

O delegado ainda afirmou que o depoimento realizado nesta terça-feira, dois dias depois da descoberta do menino na unidade prisional, pode ter perdido informações essenciais na investigação.

“Houve prejuízo mesmo. O menor deveria ter sido ouvido no ‘quente’ da coisa na Central de Flagrantes, mas sequer o delegado de lá colheu algum depoimento”, completou.

O casal vai ser enquadrado nos artigos 232 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que é submeter a criança a vexame, e no 133 do Código Penal Brasileiro, por abandono de incapaz.

Em caso de condenação, a pena para quem infringir o artigo 232 do ECA é de seis meses a dois anos de reclusão. Já para o infrator do artigo 133 a pena é de seis meses a três anos de prisão.

Se for comprovado o abuso sexual do preso contra a criança e que os pais receberam alguma vantagem por exposição da criança à prostituição, eles também vão ser enquadrados do artigo 244-A do ECA, que trata sobre recebimento de qualquer vantagem para criança ou adolescente se submeter à prostituição ou exploração sexual. A pena para este crime é de quatro a dez anos de reclusão, além de pagamento de multa.

Menores não tinham autorização para entrar no presídio

O Conselho Tutelar de Teresina, a psicóloga e a assistente social da equipe multidisciplinar do MPE (Ministério Público Estadual) entregarão relatórios com o parecer sobre o garoto. Nesta quarta-feira (4), a Polícia Civil, MPE (Ministério Público Estadual), Conselho Tutelar e a equipe multidisciplinar do MPE vão se reunir na Secretaria de Estado da Justiça para definir a situação do adolescente.

A permanência dos quatro menores na unidade prisional não tinha autorização da Justiça, entretanto, mãe e filho confirmam que era comum a família visitar Ribamar no alojamento, enquanto Gilmar ajudava a cuidar da horta da colônia agrícola.

O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) proíbe que crianças e adolescentes frequentem pavilhões e celas de presídios e determina que a visita infantil deve ocorrer em brinquedotecas.

As crianças que visitam pais detentos devem ter autorização da Justiça para o convívio no horário estabelecido pela unidade prisional em que o preso se encontra.

A Sejus (Secretaria de Estado da Justiça do Piauí) alega que o menino estava em “local adequado” e que ele permaneceu na capela durante o horário de visita na unidade prisional.

A secretaria não soube informar como o menino foi parar dentro do alojamento do preso. A secretaria não se pronunciou sobre o porquê os menores tiveram acesso liberado à colônia agrícola sem possuir autorização judicial.

A reportagem entrou em contato com a 1ª Vara da Infância e da Juventude de Teresina, que informou que o caso estaria com a 2ª Vara da Infância e da Juventude de Teresina. Em contato com a 2ª Vara, o chefe de gabinete informou que o caso seria da 1ª Vara. O UOL retornou para o Tribunal de Justiça do Piauí, mas não souberam informar onde o caso iria correr na Justiça.