MP investiga uso de farinata pela Prefeitura de SP e quer laudo técnico como "prova científica"
O MP (Ministério Público) de São Paulo instaurou procedimento para investigar o uso da farinata na merenda da rede municipal de ensino e nos centros de acolhida para população em situação de rua. A farinata é uma farinha feita com alimentos perto da data de validade que seriam descartados pela indústria.
Em entrevista ao UOL, o promotor José Carlos Bonilha afirmou que o procedimento, ainda que vise acompanhar a política pública municipal de combate à fome, tem natureza investigativa.
"Instaurei o procedimento em razão de o prefeito ter anunciado que vai distribuir essa farinata na rede municipal. É dever do MP, especificamente na minha área, zelar pela segurança alimentar. Por isso, oficiaremos a prefeitura para que preste esclarecimentos formais sobre o alimento”, disse.
"Acredito que a administração tenha se calçado com alguma conclusão científica [para implementar a farinata]. Há que haver algum embasamento técnico. Se a prefeitura tiver essa documentação, precisa juntar essa documentação técnica que teria sido previamente elaborada e permitiu que isso fosse apresentado”, explicou.
Conforme o promotor, no procedimento ainda será ouvido um representante do Conselho Regional de Nutrição sobre a farinata, além de se solicitar um laudo a um órgão técnico do próprio sobre a capacidade nutricional do composto.
"Precisamos de uma prova científica e um exame pericial que tenha um laudo conclusivo no sentido de atestar o valor nutricional desse composto. O que se faz, por ora, não é algo que proíba a prefeitura de distribuir a farinata, mas que tenta saber em que consiste o valor nutricional desse alimento. Ou arquivamos, ao final, ou apresentamos ação se houver alguma ilegalidade. Vai depender da provar pericial”, complementou.
Questionado sobre o que motivou, principalmente, a abertura de investigação, Bonilha afirmou que foi o anúncio de ontem do prefeito João Doria (PSDB) a despeito de posição contrária por parte do conselho de nutrição –contrário à adoção da farinata.
“Se existe pelo menos uma dúvida em relação ao composto, o MP tem que acompanhar. Afinal, é um órgão técnico dizendo que há essa dúvida. A posição da entidade nos chama a atenção, uma vez que coloca em xeque a capacidade desse alimento”, admitiu.
Bonilha afirmou ainda que deve encaminhar sugestão à promotoria de Defesa do Patrimônio para análise, em paralelo, sobre a possibilidade de ter havido ou não desrespeito à probidade administrativa a respeito do tema.
Procurada sobre o procedimento do MP, a Secretaria de Comunicação da Prefeitura informou que "todas as informações solicitadas pelo Ministério Público ou qualquer outro órgão de controle acerca da política de combate ao desperdício de alimentos serão prontamente fornecidas."
Prefeito fez anúncio na Cúria Metropolitana
Ontem, em entrevista coletiva ao lado do cardeal e arcebispo de São Paulo dom Odilo Scherer, Doria afirmou que a farinata, já adotada pela Igreja Católica com a população carente, será incluída na merenda de parte das escolas municipais da cidade, gradualmente, ainda neste mês.
A plataforma Sinergia, organização da sociedade civil de interesse público que detém a patente do produto, não detalhou quanto deve investir na iniciativa. A proposta é que o composto --em pó, granulado ou processado na forma de macarrão e biscoito-- seja utilizado como complemento e substituto de parte da merenda escolar.
"Isso será feito gradualmente, complementando a merenda das escolas de São Paulo, e, espero, no futuro, também do interior de São Paulo e de cidades de outros estados", afirmou Doria ontem.
A secretária municipal de direitos humanos e cidadania, Eloisa Arruda, já comparou a farinata a whey protein, proteína utilizada por adeptos de treinamento esportivo.
Ontem, a secretária afirmou que será feito um “diagnóstico das carências nutricionais da população”. “Isso será feito de forma paulatina, quem vai fazer isso é o Observatório de Políticas para o Desenvolvimento Social, que está alocado na Secretaria de Desenvolvimento Social. Quando o prefeito fala das creches, é possível que alimentos que hoje são fornecidos nas creches, como bolacha ou macarrão, sejam substituídos pela farinata já disponível. Ao lado dessa introdução na merenda nós desenvolveremos um estudo sobre as carências nutricionais da população em São Paulo", disse.
De acordo com ela, alimentos "in natura" não serão substituídos por derivados da farinata. "Estamos em contato com o secretário de Educação para saber quais são os cardápios das creches e como pode ser feito", complementou. Com isso, não há uma definição, por ora, sobre a composição da farinata que seria utilizada nas escolas.
Indagado por jornalistas sobre o qual a necessidade nutricional da rede municipal de ensino, Doria respondeu: "Não sou nutricionista, não sou especialista em nutrição, não fiz [na apresentação da farinata, semana passada] uma manifestação técnica completa", afirmou.
Defensor da farinata, Dom Odilo condenou o que chamou de politização nas críticas ao produto e se disse “ofendido” com o uso da expressão “ração humana” por críticos da farinata como alternativa alimentar pelo município.
"Existem grupos que não simpatizam com a linha política do prefeito", afirmou o religioso, ao UOL, sem citar nomes. Lembrado que Doria disputa internamente, no PSDB, uma indicação à disputa presidencial, o cardeal complementou: "Provavelmente isso está sendo usado politicamente dentro desse contexto --é possível que dos dois lados [do prefeito e de opositores], mas acredito que está sendo usado muito por quem seria um possível adversário do prefeito. Não estou a favor nem contra é ou não candidato; só acho uma pena porque quem paga a conta é o pobre, mais uma vez."
Farinata é alvo de pedido de CPI na Câmara
Membro da bancada de oposição a Doria na Câmara, a vereadora Sâmia Bonfim (PSOL) é autora de uma petição para que a Casa instaure uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre a farinata – batizada por ela de “CPI da Ração Humana”.
Sâmia disse já ter conseguido 16 das 19 assinaturas necessárias para protocolar o pedido de instalação de uma CPI -- que dependeria ainda de aprovação do plenário. "Os dois pontos principais e que ainda não foram respondidos são qual o valor nutricional da farinata e quais as relações da prefeitura com a plataforma Sinergia, que, em tese, produzirá esse composto. É preciso entender o que está por trás dessa máscara de caridade", defendeu.
A administração considerou que a vereadora "insiste em politizar questões que deveriam ser apartidárias, como a erradicação da fome e o combate ao desperdício de alimentos”.
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