Governo tenta reverter regras pró-direitos humanos para construção de presídios
O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça se reúne nesta quinta-feira (7) para votar mudanças na aplicação da resolução nº 9, de 2011, que estabelece as diretrizes para a elaboração de projetos, construção, reforma e ampliação de unidades penais no Brasil. Para especialistas ouvidos pelo UOL, flexibilizar a aplicação do texto significa, na prática, enterrar a medida.
Entre as determinações estão a proporcionalidade -- o número de salas de aulas e outros equipamentos, como áreas para trabalho e locais para tratamento de saúde, por exemplo, precisa ser proporcional ao número de presos--, necessidade de um pré-projeto aprovado pela prefeitura, vigilância sanitária e bombeiros para dar início à construção, e janelas e ventilação maiores de acordo com as condições climáticas da região em que o presídio for alocado.
Fontes ouvidas pelo UOL dizem que a medida enfrentou resistência desde o começo e acabou ganhando força ao ser usada pelo Brasil como defesa em um dos diversos processos que o país sofre na OEA (Organização dos Estados Americanos) por conta da superlotação e más condições nos presídios.
Ao se tornar uma obrigação internacional, não haveria como apenas derrubá-la. Na reunião desta quinta, os conselheiros irão votar até que ponto o texto precisa ou não ser seguido pelos Estados.
“A construção de equipamentos de saúde, de educação, está sujeita a uma série de especificações que não são questionadas. As pessoas esquecem que presídios também são equipamentos públicos, em que os presos cumprem penas também com o objetivo de ressocialização. Sem a resolução, voltamos a cada um fazer do jeito que quer”, diz Valdirene Daufemback, ex-diretora do Depen (Departamento Penitenciário Nacional).
Em maio, o então ministro da Justiça Osmar Serraglio pediu aos membros do Conselho que flexibilizassem as exigências para a construção de estabelecimentos prisionais. A medida, segundo o ministro, estaria dificultando a construção de novos presídios.
“Não estamos abrindo o leque para grandes modificações”, disse Serraglio à época. “Não pretendemos fugir de especificidades técnicas, mas, às vezes, não temos condições de garantir uma ou outra coisa”, argumentou.
O texto, no entanto, defendem especialistas, é uma garantia de que o Estado não irá construir “novos calabouços”, ao buscar humanizar os presídios.
Suzann Cordeiro, ex-membro do CNPCP, professora de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal de Alagoas e especialista em arquitetura prisional, diz que o Brasil tornou-se exemplo em construção prisional justamente por causa da resolução, copiada por diversos países nos últimos anos. Para ela, a resistência dos Estados decorre tanto do aumento de gastos com a construções quanto pela necessidade de projetos mais bem feitos, que dificultariam o desvio de verba.
“É um retrocesso enorme, o Brasil foi reconhecido internacionalmente por essa medida”, diz. “O texto obriga a construção de unidades maiores, mas isso é uma forma de incentivar o desencarceramento reconhecida pela OEA. Essa resolução também amarra mais a obra para que não se tenha desperdício de dinheiro.”
O tema já está sendo discutido pelo conselho pelo menos desde março. Em abril, o órgão nomeou quatro conselheiros para uma comissão recém-criada com a finalidade de revisar a norma. Tantos os presídios federais quanto os estabelecimentos estaduais têm que atender a todas as normas de arquitetura prisional para que uma nova unidade seja autorizada a funcionar.
A proposta do Ministério da Justiça é que, ao atualizar a resolução, o conselho inclua a possibilidade de o Departamento Penitenciário Nacional deixar de cumprir algumas diretrizes que, defende, não coloquem em risco as unidades.
Para o secretário de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco, Pedro Eurico, um dos defensores da mudança, a atual medida vai contra a realidade dos Estados. “Muitas vezes o sistema prisional tinha que se adequar às normas de arquitetura do Depen, o que nem sempre bate com a realidade dos estados. Um dos presídios cuja construção o governo federal está anunciando é para Pernambuco. Pois bem, nos reunimos com o pessoal do Depen e o volume de exigências é de tal ordem que o governador chegou a sugerir que desistíssemos da ideia, pois ela não vingaria”, afirmou em reunião sobre o assunto na metade do ano.
Marcos Roberto Fuchs, diretor da Conectas Direitos Humanos, no entanto, defende que o texto criou “regras mínimas de convívio” que possibilitam, de fato, a ressocialização dos presos. O Brasil chegou em 2017, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, a 654.372 mil presos, 40% deles provisórios. “Tirar essas regras é desumanizar ainda mais o cárcere”, diz.
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