Indígenas em Florianópolis são acolhidos em terminal abandonado e sem luz
Em um fogão improvisado dentro de um guichê em um terminal abandonado de Florianópolis, Jandira dos Santos, 43, cozinha um pouco de arroz.
Por decisão do juiz federal Marcelo Krás Borges, publicada em novembro do ano passado, ela e os outros indígenas Kaingang que deixaram suas aldeias para vender artesanatos na capital catarinense durante a temporada de verão deveriam ser acolhidos em um lugar adequado, em um esforço conjunto da Prefeitura, do Governo de Santa Catarina, da Funai (Fundação Nacional do Índio) e da União. Enquanto isso, deveria ser construída uma Casa de Passagem, sob fiscalização do MP-SC (Ministério Público do Estado).
Mas o local adaptado para abrigá-los, o Terminal do Saco dos Limões, diferencia-se da rua apenas pelo telhado, crivado por goteiras, e pelas cercas de metal. Além de não ter paredes, a estrutura foi incendiada e depredada por vândalos no final de 2017. Sobraram dois vasos sanitários e um chuveiro com água fria. A energia elétrica sequer foi instalada. Enquanto uma pessoa usa o banheiro, outra toma banho ao lado. Não há divisórias.
“Os indígenas não podem ser tratados como animais ou seres humanos de segunda categoria”, escreveu o juiz na sentença que determinou a criação de uma Casa de Passagem, ainda inexistente. Para ele, os índios vivem um “flagrante caso de omissão pública”.
A decisão do juiz Krás Borges chegou a ser suspensa pelo TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), a pedido da União, mas foi reconsiderada pelo próprio tribunal quando o procurador da República Paulo Leivas intercedeu pelos indígenas alegando que a situação era de extrema urgência e que a suspensão dos efeitos da sentença geraria graves consequências, pois os índios seriam obrigados a ficar expostos à violência das ruas.
Em 13 de dezembro, o MPF reuniu o grupo de trabalho. Ficou decidido que a União cederia o terminal para acolher os indígenas, a Prefeitura seria responsável pela mão de obra para instalação das benfeitorias do local, o Estado garantiria a segurança e a Funai forneceria os materiais necessários para a manutenção, como pias, chuveiros, torneiras e fiação elétrica.
Até agora, as obras de melhorias no terminal não começaram e não têm data para iniciar. Em relação à Casa de Passagem, o grupo de discussão ainda está em fase inicial de conversa, e as partes têm prazo de um ano para construir a propriedade.
Com pouco dinheiro e sob muita chuva
Os 320 indígenas que estão ocupando o espaço vieram das aldeias Votouro, do Rio Grande do Sul; Laranjeiras, do Paraná; e Condá, de Chapecó (SC). Eles fabricam e vendem cestarias de taquaraçu, palmeira cultivada em comunidades indígenas.
De acordo com Sadraque Lopes, eleito representante Kaingang no terminal, as vendas têm como objetivo manter a tradição da etnia, que é a fabricação de balaios.
“Dinheiro pouco dá. Temos cem famílias aqui, cada uma ganha em torno de R$ 50 reais por dia. Mesmo assim, é importante para nossa sobrevivência”, explica.
O local provisório que atualmente abriga os indígenas conta com três barracas da Defesa Civil, cada uma com capacidade para cem pessoas. As outras se protegem dos temporais de verão com finas lonas de plástico pretas. Na semana passada, quando choveu 400 mm entre os dias 9 e 11 - a média inteira de precipitação de janeiro e fevereiro em Florianópolis em apenas 48h -, eles ficaram ensopados.
“Meus sobrinhos ficaram doentes, mas logo se recuperaram. São fortes, porque não é fácil aguentar o frio, a chuva e a pouca comida”, diz Maria Lopes, 32 anos, que viajou 600 km acompanhada por Pamela, 7 anos, e Jonatan, 3 anos.
Ela conta que as famílias têm poucos pacotes de arroz, macarrão e bolachas.
Nos anos anteriores, os indígenas se acomodavam sob o elevado Dias Velho, na cabeceira da ponte Colombo Salles, acesso para região continental da capital, um reconhecido ponto de consumo de drogas. Adultos e crianças acampavam ao lado de vias onde os veículos trafegam a 100 km/h.
“Lá era pior, tínhamos medo. Os ‘craqueiros’, para fugir da polícia, se escondiam entre as nossas famílias”, conta Sadreque.
Segundo a sentença judicial, uma criança indígena foi ameaçada de morte por um usuário de drogas. O juiz também relembra no documento o assassinato de Vitor, 2 anos, que foi degolado no colo de sua mãe, um indígena da aldeia Condá, no final de 2015. Ele e sua família vendiam artesanatos em frente à rodoviária de Imbituba (a 90,3 km de Florianópolis).
Outro lado
A Prefeitura de Florianópolis declarou que a Funai não providenciou os materiais de infraestrutura e que, assim, não tem como instalá-los.
A secretária de Assistência Social de Florianópolis, Katherine Schreiner, disse que propôs que os indígenas não viessem para a cidade. Segundo ela, a Prefeitura iria ceder um box do Mercado Público para o comércio do artesanato indígena, ideia que não teria sido aceita pela Funai.
Schreiner disse ainda que a Funai se comprometeu em informar o número de indígenas que viriam a Florianópolis, o que também não foi realizado.
A Funai, por meio de uma nota oficial, informou que “disponibilizou lona, bem como articulou junto ao município a disponibilização de água (já instalada) e luz (ainda não instalada) às famílias”.
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