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Decreto sobre Rio vai além da Constituição e exige "natureza militar" a interventor

16.fev.2018 - General Walter Braga Neto durante assinatura do decreto de intervenção federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro (RJ), no Palácio do Planalto, em Brasília (DF) - Fátima Meira/Estadão Conteúdo - Fátima Meira/Estadão Conteúdo
General Walter Braga Neto será o interventor da Segurança Pública do Rio
Imagem: Fátima Meira/Estadão Conteúdo

Bernardo Barbosa*

Do UOL, em São Paulo

16/02/2018 20h49

Apesar de a intervenção federal no Rio de Janeiro decretada nesta sexta-feira (16) pelo presidente Michel Temer (MDB) não ser uma medida militar, o interventor nomeado pelo governo, general Walter Braga Netto, está submetido às regras das Forças Armadas. Segundo o decreto assinado por Temer, "o cargo de interventor é de natureza militar".

Na Constituição Federal, o artigo que fala sobre decretos de intervenção não especifica se o interventor deverá ser militar ou civil.

"O decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou da Assembleia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e quatro horas", diz o parágrafo primeiro do artigo 36 da Carta.

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Questionado pelo UOL, o Ministério da Casa Civil respondeu que o decreto assinado hoje "especifica a natureza militar para que o interventor siga comando, hierarquia e disciplina das forças armadas."

Estes três tópicos listados pela Casa Civil são definidos pelo Estatuto dos Militares (Lei 6.880/80). Sobre a disciplina, o artigo 14 do estatuto diz que é a "rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar".

Atos julgados pela Justiça militar

Para Roberto Dias, professor de Direito Constitucional da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas em São Paulo) e da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), a especificação de "natureza militar" no decreto presidencial serve para que Braga Netto não responda por eventuais crimes cometidos no cargo na Justiça comum.

"A meu ver, é uma forma de fazer com que todos os atos do interventor que caracterizarem algum crime, por exemplo, possam ser deslocados para a Justiça militar", disse.

A questão jurídica envolvendo militares atuando na segurança pública foi abordada pelo próprio comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, em entrevista ao UOL em outubro. Dias depois de militares participarem de um cerco na favela da Rocinha, no Rio, Villas Bôas disse que a insegurança jurídica poderia inibir a ação de tropas na cidade.

No mesmo mês, Temer sancionou uma lei que transferiu da Justiça comum para a militar o julgamento de crimes dolosos cometidos por integrantes das Forças Armadas contra civis em contextos específicos, como o "cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa" ou de "atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem".

Há dúvida sobre constitucionalidade, diz professor

Já segundo Marcelo Figueiredo, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, o fato de a Constituição não especificar se o interventor deve ser das Forças Armadas faz com que haja uma dúvida de se o decreto poderia atribuir a uma autoridade militar esse comando da operação.

De acordo com Figueiredo, isso pode abrir espaço para questionamentos da constitucionalidade do decreto no STF (Supremo Tribunal Federal).

"Surge essa dúvida se o decreto seria inconstitucional por estar nomeando uma autoridade não prevista na Constituição, ou não especificada na Constituição", disse. "Interventores, no Estado de direito, em geral são civis, não militares. Nunca vi uma intervenção com indicação de cargo."

*Colaborou Luciana Amaral, de Brasília