Topo

Conheça a estratégia das Forças Armadas para ocupar favelas na intervenção no Rio

Luis Kawaguti

Do UOL, no Rio

24/03/2018 04h00

As Forças Armadas têm lançado mão de grande número de militares, além de blindados e helicópteros, como principal estratégia para dissuadir criminosos de entrar em conflito em favelas no Rio de Janeiro. Desde o início da intervenção, em 16 de fevereiro, os militares fizeram operações em sete favelas do Estado --a maioria na capital. Só em uma delas houve resistência do crime organizado.

A técnica é conhecida pelos militares como princípio da “massa”. Em geral, ao ver grandes contingentes de tropas se aproximando, os criminosos que têm a tarefa de defender a área tendem a preferir se esconder ou fugir. Em tese, a polícia tem então mais facilidade para procurar armas e suspeitos.

Já foram realizadas operações nas favelas Kelson’s, Vila Kennedy, Vila Aliança, Coreia e Vila Vintém, na zona oeste do Rio; no Jardim Catarina, em São Gonçalo (região metropolitana), e na Comunidade do Frade, em Angra dos Reis, na Costa Verde fluminense. Cada operação envolveu mais de mil militares, além de policiais civis, militares e rodoviários.

Apenas no Jardim Catarina integrantes da facção criminosa Comando Vermelho atiraram contra as tropas no início de uma operação no dia 2 de março. Com a chegada de mais unidades das Forças Armadas, a resistência parou.

“Historicamente, quando as Forças Armadas entram com grandes efetivos, usando o princípio da massa, que é um efetivo grande e ao mesmo tempo simultaneamente assegurando a permanência no terreno, o risco de confrontação diminui muito”, disse o coronel Carlos Cinelli, porta-voz do Comando Conjunto da intervenção federal.

Ele também afirmou que outra razão para o uso dessa estratégia é tentar preservar a segurança dos moradores das favelas. A ideia é diminuir a probabilidade de confrontos e assim evitar que pessoas inocentes sejam feridas.

Segundo o analista de segurança e major da reserva Nélson Ricardo Fernandes, do Portal da Gestão de Riscos (consultoria que reúne especialistas em segurança), a estratégia de “massa” inibe o confronto quando a capacidade de combate da facção criminosa é inexistente ou pequena a ponto de não ter condições de responder à altura à ação das forças de segurança.

De acordo com ele, o objetivo dessas ações em geral é prender suspeitos e achar armas. Então, ao mesmo tempo em que entram na favela, os militares têm que cercar a região para que criminosos não fujam.

“Mas, para que a estratégia funcione, é essencial ter informação. Ou seja, se você não tiver inteligência prévia confiável, vai ter dificuldade em encontrar os alvos em uma área muito grande”, disse. “E você tem um tempo limitado para fazer isso, porque é muito caro manter esse tipo de cerco por muito tempo”, acrescentou.

Segundo o especialista, porém, essas ações têm influência limitada sobre outros tipos de crime, tais como receptação de cargas roubadas em rodovias próximas e comércio de drogas. Isso porque essas atividades podem recomeçar se as tropas deixarem o local sem que a polícia assuma o patrulhamento.

A equipe do interventor federal Walter Braga Netto vem afirmando que o foco principal da intervenção não são as ações ostensivas de tropas nas ruas, mas sim a reestruturação das polícias e o aumento de efetivos e equipamentos.

Mas, desde o início da intervenção, o Gabinete de Intervenção Federal vem usando a favela da Vila Kennedy como uma experiência piloto para ações das forças de segurança em favelas.

Militares das Forças Armadas entraram na comunidade ao menos seis vezes até iniciar um patrulhamento permanente na região --antes disso, o tráfico voltava a operar e a montar barricadas a cada vez que as forças de segurança saíam. Em paralelo à estabilização da favela, os interventores trabalham nos bastidores para reestruturar, treinar e reequipar o 14º Batalhão da Polícia Militar, que é a unidade policial responsável pela área.

Aos poucos, a responsabilidade sobre a segurança da Vila Kennedy vai ser passada das Forças Armadas para a Polícia Militar.

Polícia Militar

As operações das Forças Armadas em favelas diferem em alguns aspectos das ações da Polícia Militar. A PM também reúne grande número de policiais para entrar em comunidades perigosas. Suas unidades de elite, como o Bope (Batalhão de Operações Especiais) e o Batalhão de Choque, normalmente entrem na linha de frente.

Mas é muito mais comum que os confrontos com bandidos aconteçam quando uma pequena unidade de patrulha da polícia, formada por poucos homens, é atacada por membros do crime organizado. Isso normalmente não ocorre com as Forças Armadas, porque os militares sempre se deslocam em grandes grupos.

É proibido pelas regras de engajamento (documento que dá parâmetros para a ação militar em operações de garantia da lei e da ordem no Rio) que um ou dois militares saiam sozinhos em patrulha.

Normalmente, a unidade mínima para uma patrulha das Forças Armadas é um grupo de combate formado por cerca de dez militares. Na prática, eles seguem em grupos com dezenas de combatentes protegidos por um blindado. Isso funciona como fator de dissuasão para eventuais ações de criminosos.