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Quatro meses após crime, mãe de Marielle teme impunidade: "não vamos deixar virar estatística"

Assassinatos de Marielle e do motorista Anderson completam 120 dias nesta quinta (12) - Foto: Reprodução
Assassinatos de Marielle e do motorista Anderson completam 120 dias nesta quinta (12) Imagem: Foto: Reprodução

Marina Lang

Colaboração para o UOL, no Rio

12/07/2018 12h00

Os assassinatos de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes completam 120 dias nesta quinta-feira (12). Ainda sem respostas, Marinete da Silva, mãe da vereadora, disse confiar no trabalho da polícia, apesar de temer que o caso fique sem solução.

“Me parece que está chegando no ponto da impunidade, para virar uma estatística. Mas a gente não vai deixar. Nem que eu vá sozinha para a rua, eu vou lutar”, afirmou ela, bastante emocionada, em evento da ONG Anistia Internacional no Rio para lembrar as mortes. “Eu vou lutar pela vida da minha filha”, completou.

Apesar de o crime ainda não ter sido elucidado quase quatro meses depois, o que tem pressionado a polícia em um momento em que o Rio está sob intervenção federal na segurança pública, a mãe de Marielle diz acreditar no trabalho dos policiais. “Eu preciso acreditar. Acho que as autoridades que estão à frente das investigações têm condições de fazer isso. Não pode ficar impune. Não por ser Marielle, mas para que todos tenham o mesmo direito”, afirmou.

A família, no entanto, permanece sem respostas por parte da Polícia Civil e da Secretaria de Segurança --os órgãos têm adotado sigilo sobre as investigações.

“Essa espera é muito ruim para a gente. Dá uma sensação de que é só mais uma. Não desmerecendo todos os crimes que aconteceram, mas é diferente. A minha filha foi executada. Minha filha não foi morta por uma bala perdida, não sofreu um acidente”, declarou.

Sobre a perda de Marielle, ela afirma que vive um “vazio sem fim”. “É uma dor impossível de cicatrizar. Não paro de pensar nisso nem um dia, nem por um minuto. Minha vida respira minha filha”, disse.

Antonio Francisco da Silva, pai de Marielle, afirmou que, embora confie no trabalho da polícia, a família não foi procurada por autoridades estaduais ou federais para tratar de esclarecimentos sobre o crime.

“Ainda não temos nenhuma resposta das autoridades do Rio de Janeiro, nem do âmbito federal. Esperamos que nos procurem para falar alguma coisa porque não temos ainda nenhuma notícia, linha de investigação, quem foi, quem mandou, por quê. Não temos essa resposta [após] quatro meses passados”, lamentou.

A última reunião que a família de Marielle teve com a polícia foi no dia 16 de abril. “Eles nos falaram que iam dar a resposta para a família e para a sociedade, mas hoje, quase quatro meses depois, não temos nenhuma resposta”, declarou.

Anistia quer monitoramento externo das investigações

Para a coordenadora de pesquisa da Anistia Internacional, Renata Neder, a demora nas respostas sobre os assassinatos põe a credibilidade das investigações em xeque.

“É muito grave que esse caso não tenha sido solucionado e que as autoridades estejam em silêncio. A não solução deste caso quatro meses depois coloca em xeque a credibilidade das instituições do sistema de Justiça criminal responsáveis por investigar o caso”, afirmou Renata.

“A gente compreende o sigilo dos detalhes das investigações, mas é muito importante que o sigilo das investigações não seja confundido com o silêncio das autoridades”, continuou.

Neder defendeu, também, um modelo de auditoria independente para acompanhar as investigações.

“Está clara a necessidade de algum mecanismo externo de acompanhamento dessas investigações. É muito importante que toda a sociedade, especialistas, juristas, peritos possam se organizar para que essa investigação seja feita da forma correta, que ela seja detalhada, célere e que chegue aos reais responsáveis pelos assassinatos”, afirmou.

Há uma comissão externa da Câmara dos Deputados que acompanha a investigação dos assassinatos de Marielle e Anderson. Segundo o UOL apurou, os parlamentares devem se reunir com o delegado responsável pela investigação, Giniton Lages, dentro de dez dias.

No entanto, a coordenadora da Anistia Internacional argumenta que os deputados federais também são representantes do Estado e defende uma eventual comissão independente que agregue especialistas da sociedade civil “que não tenham qualquer conflito de interesse com esse caso e que não façam parte do aparato estatal”.

“Um exemplo bem recente foi o mecanismo criado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos na Nicarágua, um mecanismo independente internacional de especialistas para acompanhar os casos de execuções de protestos no país”, explicou.

Esse acompanhamento, segundo ela, garantiria que as investigações tenham “todas as devidas diligências, que todas as perícias estejam sendo feitas, que todas as perícias estejam acontecendo corretamente, que a investigação não esteja sofrendo qualquer tipo de influência indevida --política ou dos possíveis suspeitos. É uma forma de garantir que o devido processo da investigação siga adequadamente”, declarou.

Segundo ela, o Brasil peca no que diz respeito a investigações de homicídios de defensores dos direitos humanos.

“Dezenas de defensores são assassinados todos os anos e esse número vem aumentando. A gente sabe que, no Rio de Janeiro, a Polícia Civil não costuma investigar casos que têm participação de policiais e, no caso da Marielle, há fortes indícios de que tem participação de agentes da segurança pública e agentes do Estado. O risco de que o caso da Marielle não seja solucionado existe. E é alto. Por isso a Anistia tem se mobilizado”, concluiu.

Procurados pela reportagem em relação aos questionamentos levantados pela Anistia Internacional e pelos familiares de Marielle, o GIF (Gabinete da Intervenção Federal) e a Polícia Civil ainda não se manifestaram.

A Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro informou, por meio de nota, que "não vai divulgar informações sobre a investigação, que está sob sigilo".