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"PCC é conveniente em SP porque produz fenômeno da pacificação", dizem autores de livro sobre facção

Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias, autores do livro "A Guerra --A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil" - Carine Wallauer/UOL
Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias, autores do livro "A Guerra --A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil" Imagem: Carine Wallauer/UOL

Flávio Costa e Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

09/08/2018 04h00

Prestes a completar 25 anos de fundação no próximo dia 31 de agosto, o PCC (Primeiro Comando da Capital) vive uma disputa fratricida entre suas lideranças, ao mesmo tempo que protagoniza uma guerra contra outras facções criminosas, a exemplo do Comando Vermelho, pelo controle das rotas de tráfico de drogas e dos presídios em todo o país.

A socióloga Camila Nunes Dias e o jornalista e economista Bruno Paes Manso acompanham os passos da facção paulista há mais de uma década. A professora da Universidade Federal do ABC e o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo lançam este mês o livro "A Guerra --A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil (Editora Todavia)".

Para ambos, o PCC é o resultado tanto de políticas equivocadas de segurança pública e de sistema prisional aplicadas por parte do governo paulista, quanto foi um "fator de estabilização" que possibilitou a redução no índice de homicídios no estado.

"Ao mesmo tempo que é conveniente, [o PCC] claro que é uma pedra no sapato. São Paulo nunca conseguiu lidar de maneira adequada, afinal houve sempre um fortalecimento do crime", afirma Camila Nunes Dias.

Leia os principais trechos da entrevista concedida pelos pesquisadores ao UOL:

UOL -- O que os motivou a escrever esse livro sobre o PCC? 

Bruno Paes Manso: O PCC está vivendo um processo de transformação muito intenso. O caso da rebelião dos presídios, a exemplo do massacre de Manaus, foi o ápice disso. O PCC já vinha ampliando a distribuição de drogas no Brasil inteiro, alcançou as fronteiras e esse processo precisava ser explicado. A facção está muito vinculada a São Paulo. Então, a ideia era tentar explicar essa nacionalização e essa nova etapa tanto do protagonismo do PCC quanto dessa nova etapa do mercado de drogas no Brasil.

Camila Nunes Dias: Desde que eu comecei a estudar o PCC, há mais de dez anos, a expectativa era de que uma hora a facção iria rachar. E o PCC tem, até aqui, mostrado uma certa capacidade de se manter, a despeito de conflitos internos, da guerra com outras facções, e com a polícia.

O que o PCC tem de diferente de outras facções?

Dias: Eu vejo que é essa articulação entre a questão econômica, o tráfico, o lucro e o que eu chamo de política ideológica, que é essa coisa do 'vamos nos unir', 'o crime unido para enfrentar o sistema, o estado opressor'. Vários outros grupos tentam reproduzir isso, mas de maneira muito mais desorganizada.

O próprio PCC é o efeito de apostas políticas na área da segurança e do sistema prisional que produziram esse efeito. E o estado continua apostando nas mesmas coisas. (...) Em São Paulo, você tem um grupo que exerce o controle rígido ali dentro. Então, em São Paulo é conveniente porque o PCC é hegemônico, não tem conflitos, a violência não extrapola, não explode.

No caso de São Paulo, é conveniente, porque o efeito PCC em São Paulo mudou a dinâmica criminal e os homicídios passaram a ter um papel muito secundário em relação ao que era antes de sua existência. Nas prisões também
Camila Nunes Dias, socióloga

Os pesquisadores Camila Nunes Dias e Bruno Paes Manso - Carine Wallaluer/UOL - Carine Wallaluer/UOL
Para os pesquisadores, os estados não combatem o PCC de maneira adequada
Imagem: Carine Wallaluer/UOL
Essa forma de lidar com o PCC é uma estratégia do governo paulista?

Manso: Existe uma incompetência muito grande para lidar com isso. Você tinha instituições tomando iniciativas isoladas, muitas vezes contrárias umas às outras. Então, elas competiam entre si. Essa divisão dentro do próprio governo e cada um em seu próprio feudo é interessante. O estado não tem essa visão muito clara. 

Tem uma "bateção de cabeça" do governo. Um exemplo: o chefe do Denarc [Departamento de Narcóticos] foi transferido para a periferia, quase é morto pelo PCC. Ele denuncia o secretário da Administração Penitenciária, falando que o cara vende sentenças. Hoje os dois estão juntos, no mesmo lugar. Quando o Ferreira Pinto assume a SSP [Secretaria de Segurança Pública], começa a passar as informações para a Rota. 

Dias: O estado também cometeu ações ilegais nesse período. Em 2012, houve muitas execuções realizadas por policiais de pessoas ligadas ao PCC. Ao mesmo tempo que é conveniente, [o PCC] é uma pedra no sapato. São Paulo nunca conseguiu lidar de maneira adequada, afinal houve um fortalecimento do crime.

Não é que alguém fala 'vamos manter o PCC'. Há um negócio que ocorre em época eleitoral. Imagino que o governador fale para o secretário da Administração Penitenciária: 'ó, não quero problema, hein?!'. São essas conveniências, politicamente falando, em termos eleitorais, que acabam de fato fazendo com que o PCC seja conveniente em São Paulo, porque produz fenômeno de pacificação, enquanto em outros estados o cenário é completamente diferente.

E os governos de outros estados, eles também não falharam?

Manso: Uma das grandes questões que vão surgir nessa campanha, questões que surgiram após os massacres dos presídios, é justamente esse isolamento dos estados que não compartilham informações entre si, sem a participação da União para cobrar essas ações e gerenciar os dados da inteligência. Essa expansão do PCC, essa chegada do tráfico de drogas nos outros estados, deveria ser conversada, compartilhada. De repente, caiu como uma surpresa para as autoridades dos estados.

Dias: Vale dizer, que até pouquíssimo tempo, as autoridades negavam a existência do PCC. Enquanto isso, o PCC estava ali: crescendo, crescendo, crescendo. Falavam: 'fica glamourizando', enquanto, na verdade, não falar ajudou a fortalecer. É uma responsabilidade de jogar para o outro o que está falando e interditar o debate. Não falavam, não reconheciam, iam ganhando a eleição fingindo que não existia, e acho que, no fundo, continua desse jeito mesmo. Quando reconhecem, dizem que está controlado, que não tem rebelião, que a taxa de homicídios é baixa. Mas é justamente a própria existência do PCC, como se dá em São Paulo, que produz esse fenômeno aqui, diferentemente de outros estados.

pcc - Reprodução/Polícia Civil - Reprodução/Polícia Civil
Cartas escritas por membros do PCC apreendidas na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau
Imagem: Reprodução/Polícia Civil
Qual a avaliação de vocês a respeito da Operação Echelon?

Dias: Eu acho que ela não traz muita novidade. Quem acompanha o PCC de alguma maneira já sabia da existência da sintonia dos estados e países. Ela é um efeito quase natural da própria expansão do PCC. A facção vai se reconfigurando na sua estrutura organizacional, em função das necessidades que eles vão encontrando. Essa sintonia foi criada em algum momento justamente para atender a essa necessidade de organizar melhor a expansão e fazer a gestão organizacional porque as sintonias têm esse caráter. Quando deflagra a guerra com o CV, em 2015, especialmente em 2016, essa sintonia acaba ganhando um protagonismo porque é nos outros estados que essa guerra ocorre, então é necessário correr atrás de gente para batizar. Levou essas facções para mercados novos, onde antes elas não atuavam, nessa busca por formar um exército.

Manso: Quando acontece a rebelião de Manaus, em 2017, isso já é um movimento de filiação em massa por parte do PCC. Na verdade, isso era uma coisa que tinha que ser discutido muito antes entre os estados da federação. Tinha que ser pensada, debatida em âmbito nacional. Acaba se pensando muito no pronto-socorro, e você não tem uma visão estratégica para lidar com isso.

Você tem uma série de instituições que são ilhas e que não conversam entre si. Os grupos criminosos estão se nacionalizando e os estados continuam agindo como se estivessem lidando com facções locais
Bruno Paes Manso, jornalista e economista

Como é o funcionamento interno do PCC?

Dias: O funcionamento do PCC independe dos indivíduos, dos integrantes individualmente. As condições para o crescimento do PCC são: as prisões, nas condições em que elas se apresentam, caóticas, numa política de encarceramento em massa; as periferias e favelas em condições que permanecem até hoje; a atuação da polícia sempre marcada pela violência e arbitrariedade. Esse cenário é onde o PCC surgiu. Então, quando você prende e mata, o cenário continua o mesmo. O PCC criou uma certa dinâmica própria. Essas operações acabam produzindo, em termo significativo, nada. Prende algumas pessoas, alguns quadros importantes, e o PCC tem que repor. Mas, ao longo desses 25 anos, essas operações todas se mostraram um fracasso.

Manso: O PCC tem uma estrutura muito ágil de formação de parcerias e uma visão estratégica do negócio de drogas que, em vez de tentar dominar o comércio de drogas, ele faz parceiros, vende e amplia essa rede de uma forma muito ágil. E ainda tem o lastro de você ser um membro do PCC te dar um status no crime. Isso permite que ele se expanda e faça novos parceiros, inclusive em novos mercados. Ele não precisa tomar o mercado colombiano, o mercado italiano ou bater de frente com as máfias, vai amarrar uma parceria com eles. Esse modelo de negócio baseado nas alianças e diplomacia permite que o PCC expanda muito rapidamente. Agora, a questão financeira e econômica é o grande divisor de águas. Acho que, a partir do momento do esquema dos doleiros, que já existe em outros tipos de crime, caixa dois, por exemplo, começam a entrar no esquema da droga, começa a se aproximar do ganho ilegal de outros ganhos que já estão na economia informal, nossa democracia passa a correr um risco maior. Por isso que a gente precisa prestar atenção na grana, perseguir o dinheiro.

Mais de 400 pessoas foram mortas em seis meses pelo PCC

Band Notí­cias

Que tipo de influência a disputa interna que acontece no PCC pode ter para o futuro da organização?

Manso: Apesar de haver esse conflito entre as lideranças, não se contesta o PCC. Não se fala em fundar uma nova organização. Querem eliminar quem errou, mas os modelos de negócios e de poder não são contestados. E se observa que os índices de homicídios em junho caíram. Ou seja, a estrutura permanece, independentemente das disputas.

Dias: E é uma busca por quem errou, quem não foi justo, do ponto vista da facção. Porque alguém errou, duas lideranças foram mortas e quem as matou também foi morto. O PCC mostra ao longo de seus 25 anos que quando ocorrem essas divergências dentro da facção, eles têm tido um êxito em preservá-la. Eles 'simplesmente' eliminam o foco de dissidência. Agora é a tentativa de fazer a mesma coisa, porém está mais difícil pois há uma disputa de narrativas. Não dá para saber o futuro, mas a tendência é eles consigam novamente preservar a facção, mesmo que à custa de muitas vidas.

Dentro desse contexto, Marcola continua como a liderança máxima?

Manso: Tem algumas lideranças importantes além do Marcola, mas o xadrez está sendo jogado. Eu acho que está em pleno processo de disputa de poder.

O Ministério Público afirma que era claro a intenção de Gegê de tomar o lugar de Marcola.

Dias: Ele saiu da cadeia e, estando fora, tinha mais condições de agir com desenvoltura. E de fato ele foi para Paraguai, Bolívia. E essa movimentação dele pode ter despertado alguma desconfiança por parte de quem está dentro da prisão. A força do PCC é a prisão. Esses caras da cúpula que saem da prisão acabam ficando vulneráveis. Ao ganharem muito dinheiro acabam se expondo e ficando sob a mira do próprio grupo e também da polícia. A prisão se torna uma cápsula protetora. Se o cara tem um esquema muito bom, individual, ele vai receber a pressão de abrir um "espaço para a família". Essa tensão marca o PCC.

Existe o PCC pessoa jurídica e suas rotas de tráfico e existem um monte de pessoas físicas ligadas à facção com seus próprios negócios e suas próprias rotas. E isso colide muitas vezes, principalmente quando se fala dos integrantes da cúpula
Camila Nunes Dias

Chefão do PCC é preso em mansão no Paraguai

Band Notí­cias

O "Projeto Paraguai", ou seja o plano de a facção de se estabelecer no país, foi bem-sucedido?

Dias: Sim. Mas há pelo menos dois anos o governo do Paraguai meio que acordou para o problema. O que aconteceu nos últimos anos foi que houve uma enxurrada de criminosos brasileiros, boa parte ligada ao PCC, para o país. Nas prisões paraguaias, falam-se em até 500 membros da facção já batizados. Me parece que o governo despertou para os riscos que isso representa. Estive lá em Pedro Juan Caballero, após o assassinato de Jorge Rafaat, e notei que os moradores estavam com medo de que PCC dominasse a região de fronteira e ao fazer isso mudasse a dinâmica do crime na região. Rafaat era um regulador do mundo do crime na região. Quando morreu, havia um medo de que houvesse um aumento da violência, mais aumento de roubo de veículos. O que o PCC desorganiza o Paraguai porque os bandidos são traficantes e eles não têm relação de confronto com o Estado. Eles não assaltam banco, como o PCC faz.

Manso: O PCC é um elemento de instabilidades nesses outros lugares, que não São Paulo. Eles nasceram, cresceram e se organizaram em São Paulo. Quando eles começam a entrar em outros lugares como Paraguai e outros estados, a facção tem que enfrentar, às vezes, a resistência de grupos criminosos locais. No Rio Grande do Norte, Amazonas, na Bahia, isso é muito forte, por exemplo. Acho que a própria facção não esperava isso. Que essa política da diplomacia não funcionasse.

Outro lado: Não há "conveniência"

A SSP (Secretaria da Segurança Pública) rebateu as afirmações dos autores do livro. "O trabalho das polícias Civil e Militar no combate ao crime organizado e ao tráfico de drogas, uma das principais fontes de receita da facção, permitiu que mais de 60 mil criminosos fossem presos em todo o Estado só nos últimos dois anos", afirmou a pasta.

A resposta da SSP foi enviada no mesmo dia em que foi negado um pedido da reportagem, feito via Lei de Acesso, sobre o número de integrantes do PCC presos pela polícia paulista. A negativa foi justificada com a informação de que a Polícia Civil não dispunha as informações em seu banco de dados.

"Paralelamente às ações de policiamento, as operações de inteligência em parceria com o Ministério Público e a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) permitiram que os principais líderes de facções criminosas fossem internados em presídios com regime disciplinar diferenciado", disse a SSP.

A pasta ainda relembra que foram presos 65 suspeitos por meio da operação Echelon no mês passado. "No decorrer das investigações, foram apreendidas mais de uma tonelada de drogas. Também foi preso um dos líderes dessa célula criminosa, no aeroporto de Guarulhos, quando retornava da Bahia, em 10 de maio deste ano", disse.

Ações como essas atingem diretamente o poderio financeiro de organizações criminosas, limitando suas atuações."
Secretaria da Segurança Pública de São Paulo

A assessoria de imprensa do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), que esteve à frente do estado entre janeiro de 2011 e abril de 2018, afirmou desconhecer o teor do livro e as fontes em que os autores se baseiam. "Mas ressalta que são inegáveis os resultados do trabalho das forças de segurança pública no estado de São Paulo, que resultaram na queda de 78% dos homicídios desde 1999", disse.

"Isso é fruto do trabalho das polícias, com inteligência, policiamento ostensivo e prisão de traficantes. Aliás, as principais lideranças do tráfico estão encarceradas. Não há 'conveniência' nem qualquer questão relacionada ao tráfico de drogas é 'conveniente' para o estado de São Paulo", informou, em nota, a assessoria do ex-governador.

Procurada desde a noite de segunda-feira (6), a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) não se posicionou a respeito do que os autores disseram e escreveram até a publicação desta reportagem.