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Ação de PMs elogiados por Bolsonaro que terminou em morte foi adequada?

Idosa feita refém em Valença, no Rio, recebe flores de PMs - Reprodução/Polícia Militar do RJ
Idosa feita refém em Valença, no Rio, recebe flores de PMs Imagem: Reprodução/Polícia Militar do RJ

Gabriel Sabóia

Do UOL, no Rio

07/12/2018 04h00

A morte de um assaltante que fazia uma idosa de 83 anos refém com uma arma apontada para a cabeça após ele ter roubado uma joalheira no município de Valença, sul fluminense, na última quarta-feira (5), dividiu opiniões e reacendeu debate sobre qual a conduta policial adequada em situações como essa --em que a vítima corre risco e o criminoso está sob instabilidade psicológica. 

Poucas horas após o crime, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) manifestou, por meio do Twitter, reconhecimento ao que considerou um "bom trabalho" dos policiais envolvidos na ação e a Polícia Militar do Rio homenageou os agentes. As imagens foram compartilhadas milhares de vezes nas redes sociais. O caso lembra a ação da PM à paisana que, ao lado da filha de sete anos, reagiu a um assalto em maio --ela atirou e matou um assaltante em frente a uma escola em Suzano, na Grande São Paulo.

Mas, afinal, ao atirar, os policiais de Valença adotaram o procedimento correto neste tipo de situação? As homenagens e mensagens que parabenizam os policiais podem incitar esse tipo de desfecho em novos casos?

O UOL apresentou esses questionamentos a especialistas em segurança pública que divergiram quanto aos métodos empregados. Procurados, a PM e o governo do Rio ainda não responderam aos questionamentos da reportagem.

Veja a ação da PM que terminou com a morte do assaltante no RJ

Band News

Para o coronel Robson Rodrigues, ex-comandante do estado-maior da PM do Rio e consultor em segurança, o vídeo da ação não permite opiniões conclusivas sobre a conduta dos policiais porque, no momento dos disparos, as imagens não mostram o gestual do assaltante.

"Não se sabe se criminoso ofereceu perigo também para o policial, se ameaçou disparar em direção a ele. O que podemos ver é que a vítima ficou a todo instante exposta ao risco de ser atingida, até mesmo pelo policial. A vítima deve ser sempre preservada. Não posso dizer se houve falha, mas, como profissional, o policial não pode se pautar por vontade dos civis próximos, que costumam incitar esse tipo de desfecho. O ideal é tentar demover a ideia da cabeça do criminoso, persuadir", avalia Rodrigues.

Em relação às homenagens que os PMs têm recebido, o coronel faz uma ressalva. "O grande problema é o foco. Essas moções estão sendo dadas em virtude da proteção da vida de vítima? Se é por isso, não vejo problemas. Mas, eles estão aplaudindo a quê exatamente? Eles têm que explicar. A moção não pode ser dada pela morte do criminoso --e é isso que pareceu mover as pessoas que aplaudiram logo depois dos disparos", pondera.

Na visão do pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) João Trajano, o vídeo também é inconclusivo. Porém, ele critica as homenagens aos policiais por crimes que têm desfechos similares.

"Por que tratá-los como heróis? Eles não devem ser criticados e condenados, mas por que deve haver esse enaltecimento? Isso estimula outros episódios em que a ação letal não seja necessária, e esse tipo de evento pode causar associação com heroísmo. As autoridades flertam com o risco da violência letal como prioritária", explica.

Já o consultor em segurança Hugo Tisaka ressalta que qualquer desfecho que termina com a morte de alguém "não é o ideal", mas lembra que os policiais também são colocados à prova em situações desse tipo.

"São situações complicadas, de tensão, que envolvem reféns e não costumam dar muito tempo para a decisão. Toda polícia conta com pessoas especializadas em negociações, mas elas costumam ser escaladas de acordo com o agravamento. Talvez, neste episódio, não tenha havido tempo hábil deles chegarem", pondera.

Em relação às homenagens, Tisaka diz não acreditar que possam encorajar outras ações. "Acredito que isso não será um catalisador para que os policiais saiam atirando por aí. As palmas que podem ser ouvidas depois dos disparos mostram o descrédito da população com a Justiça nesse momento", opina.

Entenda o caso

A idosa identificada apenas como Thereza foi feita refém após o criminoso roubar uma joalheria localizada na principal avenida no centro de Valença, por volta das 9h30 de quarta-feira. Ao deixar a loja com R$ 50 mil em joias, o criminoso se deparou com a polícia e houve perseguição.

A cerca de 1 km do estabelecimento, o assaltante rendeu a idosa para usá-la como "escudo humano" e a vítima ficou durante 10 minutos com uma arma apontada para a cabeça.

Segundo a PM, mesmo cercado, o criminoso ameaçava a vítima para tentar fugir do local. Em um momento da ação, a vítima tropeçou e caiu --foi quando um dos policiais atirou no criminoso, que morreu no local. A refém ficou um hematoma na mão em razão da queda.

Com o assaltante, foi apreendido um revólver calibre .38 e as joias roubadas. A ocorrência foi registrada na delegacia de Valença.

O criminoso foi identificado como Cristiano Pereira Fabiano, 24. A polícia ainda não informou se ele tinha anotações criminais. A reportagem do UOL não localizou a família do assaltante.