Após 15 anos, cisterna garante água a nordestinos, mas engatinha em cultivo
Depois de alcançar a marca de quase 1 milhão de cisternas de água para consumo humano, o semiárido brasileiro ainda enfrenta o desafio da carência de cisternas de segunda água, destinadas a garantir a produção de alimentos das famílias que moram na região mais seca do país.
Dados do Ministério do Desenvolvimento Social obtidos pelo UOL mostram que, desde 2003 até novembro deste ano, foram feitas 959 mil cisternas de primeira água, contra 201 mil de segunda água. Também foram instaladas 6.500 cisternas em escolas do Nordeste.
Cisternas são grandes recipientes que armazenam água das chuvas --ou são enchidas por meio de carros-pipa em períodos de seca. É por meio delas que famílias conseguem conviver em áreas de estiagens sem grandes deslocamentos.
As cisternas de primeira água destinam-se ao consumo humano. São instaladas ao lado das casas e têm capacidade para armazenar até 16 mil litros de água potável.
Já a cisternas de segunda água são maiores (capacidade para 52 mil litros) e destinadas à água para produção agrícola e para matar sede de animais criados. Elas podem ser de uso individual ou coletivo.
Para disseminar a tecnologia de cisternas pelo semiárido, em 2003 o governo federal criou o Programa Nacional de Apoio à Captação de Água de Chuva e Outras Tecnologias Sociais. A ideia de construir 1 milhão de cisternas foi capitaneada pela ASA (Articulação do Semiárido), que congrega mais de 3.000 entidades da região.
Segundo Marcos Jacinto, que é coordenador da ASA no Ceará, o número de equipamentos de segunda água ainda é baixo. "Há uma demanda muito maior por esse tipo de tecnologia para integrar as tecnologias, dar maior acesso à água", diz.
Para ele, essas cisternas são fundamentais para dar garantias de sustento às famílias. "É uma água que permite às famílias, a partir das suas estratégias locais e formas de trabalhar alimentos, garantir segurança tanto vegetal como animal. Elas necessitam de continuidade de financiamento e investimento público", completa.
Jacinto explica que as cisternas são um modo crucial para ampliar a capacidade de convivência do sertanejo com o clima seco. "São tecnologias com a capacidade maior de captação e armazenamento, e isso tem uma importância muito significativa para produção de alimentos --que é uma grande necessidade para dar segurança e soberania alimentar a essas famílias", diz.
"Sem água, vamos sonhar com o quê?"
No semiárido, é difícil ver uma casa sem uma cisterna de primeira água, mas ainda é raro ver aquelas de segunda água.
Maria Helena dos Santos, 58, do povoado de Caldeirão de Cima, na zona rural de Igaci (semiárido alagoano), tem uma cisterna para consumo humano, mas sente falta de mais água que poderia vir da segunda cisterna.
"Dizem que nordestino é preguiçoso, mas não é verdade. Quem quer viver nessa situação passando sede e fome? Se tivesse água, a gente estava plantando, criando animais. Em março, a gente preparou a terra para esperar a chuva, plantamos feijão, milho e batata, mas não choveu e ficou tudo atrofiado, seco", conta.
Ela afirma que, se tivesse mais reservatórios de água, a família toda estava trabalhando na roça. "Como a terra seca não dá nada, o jeito foi comprar galinhas. No fim de semana, abrimos o bar. Os tira-gostos, faço com as galinhas que a gente cria. Temos de nos virar", diz.
A dona de casa Ilza Maria da Silva, 62, mora no povoado Lagoa do Caldeirão, zona rural de Belém (no semiárido alagoano), com outras seis pessoas e, durante a seca, tem sua cisterna abastecida por um caminhão-pipa enviado de 15 em 15 dias.
Ela afirma que, sem uma segunda cisterna, cria galinhas porque "elas não precisam de muita água". "A gente dá ração e as sobras do almoço. Tem gente que tem água perto de casa e consegue plantar feijão para durar o ano todo --e com uma panela de feijão ninguém passa fome. Se a água fosse fácil, poderíamos plantar macaxeira, mas sem ela a gente vai sonhar com o quê?", indaga.
Já quem tem uma cisterna para segunda água vive uma realidade melhor. Lúcia Maria da Silva, 42, reside no povoado Lagoa Azul, zona rural de Caruaru (no semiárido de Pernambuco), e tem uma cisterna de segunda água há três anos.
Apesar de não conseguir armazenar água suficiente para encher a segunda cisterna, ela diz que consegue manter uma produção de macaxeira, feijão, tomate, coentro, cebolinha e alface.
"A gente economiza água da primeira cisterna e usa no roçado. Se a segunda cisterna acumulasse mais água, nós aumentaríamos a produção para vender produtos na feira. Teríamos ainda algumas vacas leiteiras também e isso mudaria nossa vida, teríamos dinheiro para até reformar a casa."
O UOL solicitou ao ministério que indicasse alguém do programa de cisternas para conversar e dar mais detalhes à reportagem. Os contatos foram feitos nos dias 27 e 28 de dezembro, mas não houve resposta.
Cisternas feitas desde 2003
- Primeira água: 959.386
- Segunda água: 201.427
- Para escolas: 6.476
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