Cidadãos registram mais armas do que empresas e órgãos civis de segurança
Mais da metade das armas de fogo com registro ativo no sistema da PF (Polícia Federal) são pertencentes a pessoas físicas. O número supera a soma de armamentos legais das empresas de segurança privada e de órgãos civis de segurança pública no Brasil. Os dados obtidos pela reportagem são de outubro de 2018. O levantamento não inclui as armas registradas pelo Exército e pelas polícias militares, que estão no Sigma (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas - veja mais abaixo).
Informações da PF acessadas pelo UOL no portal da Lei de Acesso à Informação mostram que 344 mil armas têm registro ativo de pessoas físicas no país, enquanto 248 mil são propriedade de empresas de segurança privada. Há ainda armas com órgãos públicos e lojas de armas, por exemplo. Somado, o arsenal de empresas e órgãos públicos chega a 333 mil itens.
Segundo a PF, o registro é um documento com validade de cinco anos que "autoriza o proprietário de arma de fogo a mantê-la exclusivamente no interior de sua residência ou no seu local de trabalho."
No Brasil há dois sistemas de registro de armas: além do Sinarm (Sistema Nacional de Armas), da PF, há o Sigma (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas), gerenciado pelo Exército, que serve para registro de armas de militares e de civis nas modalidades caçador, atirador e colecionador.
Na última segunda-feira (14), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) publicou decreto flexibilizando o Sinarm e dando direito à posse de até quatro armas por pessoa, sem a necessidade de aprovação prévia pela PF. Até então, o interessado na posse precisava explicitar o motivo para ter uma arma, o que poderia resultar em uma negativa do delegado responsável.
O estado com maior número de armas registradas por pessoas físicas é o Rio Grande do Sul, com 55 mil registros ativos. Coincidência ou não, o estado foi o que registrou, em 2005, a maior vitória do "não" no referendo que consultou sobre a possibilidade de veto à comercialização de armas no Brasil -- foram 87% dos votos contrários à proibição. Roraima, por sua vez, tem a menor população armada: 1.560 registros.
A reportagem solicitou, na sexta-feira (18), um porta-voz à Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições para comentar os dados do Sinarm, mas a entidade informou que não teve retorno dos dirigentes.
Análise
O UOL apresentou a planilha ao professor de direito da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Adilson Dallari. Defensor do direito ao armamento civil, ele acredita que a planilha reforça a ideia de que a posse de arma pode ajudar a reduzir mortes.
Esse quadro não é nada surpreendente. O que vejo nisso é o exercício ao direito da legítima defesa das pessoas
Adilson Dallari, professor da PUC-SP
"Os dados mostram que onde há mais armas são Rio Grande do Sul e São Paulo. No Rio Grande a violência é grande, mas há uma tradição de fronteira, de armamento. Mas São Paulo tem o índice de homicídios mais baixo do país, é o único dentro do limite tolerável. E os estados com maior violência estão no Nordeste, e lá o número de armas é bastante modesto", afirma.
Para o pesquisador e coordenador do Obvio (Observatório de Violência Letal Intencional), Ivênio Hermes, os dados apresentados do Sinarm mostram que a população brasileira já está armada em bom número e não haveria necessidade de mudar regras.
O brasileiro já possui armas em grande quantidade registradas para a posse. Em tese, a flexibilização somente facilitará para que se tenha mais armas ainda
Ivênio Hermes, coordenador do Obvio
Para Hermes, o problema da falta de segurança não passa pelo uso de armas pela população civil. "Primeiro porque a maioria esmagadora dos estudos sobre o tema aponta que não existe relação entre a posse e a segurança efetiva. E quanto mais armas em circulação, mais probabilidade dessas armas irem parar clandestinamente nas mãos erradas."
O pesquisador aponta que há problemas de ordem social causados pela proliferação de armas. "Mais uma divisão entre os brasileiros, aqueles que podem e aqueles que não podem ter arma. Afinal de contas, com o baixo nível salarial da grande parte dos brasileiros, a flexibilização privilegiará quem puder dispor de valores acima de R$ 4.000 para ter uma arma."
O número de pedidos de registros de armas vem crescendo desde 2004, quando entrou em vigor o Estatuto do Desarmamento. Até 2017, houve um crescimento de quase 1.000% no número de pedidos autorizados pela PF anualmente.
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