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Vale: pessoas na barragem "faziam coleta de dados" durante rompimento

Do UOL, em São Paulo*

02/02/2019 18h10

A mineradora Vale informou neste sábado (2) que a presença de seus funcionários na área externa do paredão da barragem da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), era "rotineira". Considerada incomum, a situação levantou a hipótese de que operários poderiam estar analisando uma possível anormalidade na barragem

Por meio de nota oficial, a empresa afirma que seus profissionais realizavam "procedimentos básicos de segurança e manutenção dessas estruturas". "Uma das atividades executadas era a coleta de dados para atender ao cumprimento de requisitos legais, como determina a própria Agência Nacional de Mineração. É importante ressaltar que a Barragem I não estava em obras", garante a mineradora. Uma das atividades cotidianas era a "poda da grama" na área filmada.

A Vale ainda acrescentou que a presença de dutos para drenagem de água também é medida padrão para garantir a segurança de barragens. "Trata-se, portanto, de procedimento rotineiro, utilizado em todo o mundo. No caso específico da Barragem I, além dos drenos já existentes, em 2018 foram instalados drenos adicionais, como medidas complementares antes do início do processo de descomissionamento. Cabe lembrar que se tratavam de medidas preventivas, dado que os laudos técnicos indicavam a total estabilidade da estrutura", escreveu.

As imagens, no entanto, chamaram a atenção de especialistas consultados pelo UOL. A análise foi feita por quatro técnicos consultados pela reportagem nesta sexta, após a divulgação do vídeo mostrando o exato momento da ruptura do paredão. A Vale não se pronunciou sobre as imagens. Segundo o boletim divulgado pelo Corpo de Bombeiros na sexta, ao menos 115 pessoas morreram na tragédia.

O professor de engenharia de geotécnica do Mackenzie e da Fundação Armando Álvares, Paulo Afonso Luz, aponta que os funcionários estavam em uma área chamada talude de jusante, isto é, a parte da frente da barragem que não tem contato com a água e os rejeitos. Nas imagens, é possível ver a circulação de pessoas que foram as primeiras atingidas pela lama de rejeitos.

"A parte de cima da barragem, que é o topo, chama-se de crista. Todo o resto que a gente vê externo chama-se talude de jusante --que é parte inclinada de fora da barragem", explica. 

A área citada é de acesso restrito a funcionários da empresa e pode ser acessada por técnicos para manutenção ou reparos, por exemplo. Como há um gramado no local, também há a possibilidade de serem jardineiros. 

"Havia operários nessa jusante da barragem, o que é estranho. Poderiam estar fazendo alguma inspeção visual ou leitura de instrumentos, ou então verificando algum problema. Não dá para saber o que estavam fazendo lá, mas é estranho", afirma. "Em tese, em dias normais não é usual."

O professor de engenharia geotécnica da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro, Alberto Sayão, também considerou atípica movimentação e levantou algumas hipóteses. Ele afirma que havia ao menos cinco funcionários no local em um horário "estranho."

"O que eles estavam fazendo lá na hora de almoço? Estariam verificando algum instrumento que teria dado um indicação fora do normal? Eles estavam ali para uma atividade importante, e isso não foi esclarecido. A Vale deve esclarecer. Essa informação é fundamental para entender o que aconteceu", pontua. 

Segundo ele, as imagens deixam claro que houve um processo de liquefação. "Isso ocorre quando todo o material, com muita água, sofre alguma perturbação e se comporta como um líquido viscoso, ou seja, perde toda a resistência. Agora não se sabe o que causou", diz.

O vice-presidente do Comitê Brasileiro de Barragens, José Marques Filho, também afirmou ao UOL que as imagens deixam claro que alguma atividade era realizada no momento do rompimento.

"Isso mostra que alguma coisa estava acontecendo ali. Pode ser desde replantio de grama ou até coisas mais sérias. Por isso, seria muito bom falar com o pessoal de segurança da Vale, para saber planejamento e o que era feito ali", afirma.

À reportagem, o geólogo Paulo Rustowisch, do Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográfica, foi mais cauteloso, mas também chamou a atenção para o fato. "A suposição é válida, mas não tem como se afirmar isso sem maiores dados da empresa --se é que ela vai algum dia abrir a caixa-preta", diz.

*Com reportagem de Carlos Madeiro e informações do Estadão Conteúdo