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Armas de R$ 3,5 mi: 5 pontos sobre 117 fuzis de suspeito de matar Marielle

Peças de armas que seriam usadas na montagem de 117 fuzis foram achadas em endereço ligado a Lessa - MÁRCIO MERCANTE/ ESTADÃO CONTEÚDO
Peças de armas que seriam usadas na montagem de 117 fuzis foram achadas em endereço ligado a Lessa Imagem: MÁRCIO MERCANTE/ ESTADÃO CONTEÚDO

Luis Kawaguti

Do UOL, no Rio

20/03/2019 04h00

A prisão de um dos suspeitos do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) abriu uma nova frente de investigação da Polícia Civil: uma rede tráfico de armas que abastecia organizações criminosas no Rio de Janeiro. O objetivo da polícia é descobrir de onde vieram e para quem seriam vendidas as peças para montar 117 fuzis achadas em uma casa ligada ao policial militar reformado Ronnie Lessa.

A polícia disse que a grande quantidade de peças apreendidas indica que Lessa seria fornecedor de diversas organizações criminosas, entre elas, facções de traficantes de drogas e milícias --que são grupos mafiosos formados por policiais e ex-policiais corruptos.

As peças de armas foram achadas em uma casa no Méier (zona norte do Rio) no último dia 12, data em que também foram presos Lessa, suspeito de atirar na vereadora, e o ex-PM Élcio Queirós, suspeito de dirigir o carro usado no crime. Elas estavam na casa de Alexandre Motta Souza, amigo de Lessa --entretanto, a polícia diz que os equipamentos pertenciam ao policial reformado e que Souza seria um laranja do réu.

A Polícia Civil diz acreditar que a atividade de tráfico de armas supostamente praticada por Lessa não estaria relacionada diretamente à sua atuação como pistoleiro no assassinato da vereadora.

Lessa já foi policial militar no Bope (Batalhão de Operações Especiais da PM do Rio) e é considerado um bom atirador. O delegado Giniton Lages, responsável pela primeira fase do inquérito sobre a morte de Marielle, já havia afirmado que o crime foi praticado por um atirador experiente e com uma arma não muito comum nesse tipo de crime: uma submetralhadora MP5.

As defesas de Lessa e Queirós negam que eles tenham participado da morte da vereadora e diz que eles não estão envolvidos com tráfico de armas. Preso em flagrante, Souza diz que fazia um favor a Lessa ao guardar o material e que desconhecia que as peças estivessem em sua casa.

Veja a seguir cinco questões sobre o caso:

Que armas são essas?

As peças encontradas servem para montar 117 fuzis de calibre 556 semelhantes ao M16 --um dos fuzis de assalto mais famosos das forças armadas americanas. Ele foi amplamente utilizado na Guerra do Vietnã e vem sendo modernizado.

Ele é também a versão militar do fuzil AR-15, que é vendido para cidadãos nos Estados Unidos e se tornou uma das armas mais procuradas por criminosos brasileiros.

Existem dezenas de tipos e marcas de fuzis que usam a plataforma do M16, pois a patente da americana Colt foi quebrada e fábricas em diversos países passaram a produzir peças, segundo o delegado Marcus Amim, chefe da Desarme, a delegacia especializada em investigações sobre armas da Polícia Civil do Rio.

O calibre 556 é o padrão utilizado pelos combatentes dos países da OTAN (aliança militar ocidental). Diversas forças armadas do mundo, entre elas as do Brasil, vêm adotando fuzis desse calibre para substituir as armas de calibre 762 (característico do FAL, no Brasil).

O calibre 556 é menos letal que o 762 e suas munições são mais leves, o que permite que cada combatente carregue uma quantidade maior de projéteis. Ele é considerado ideal para combates em ambiente urbano, onde os tiroteios ocorrem a curta distância.

As armas são réplicas verdadeiras ou armas de airsoft?

A defesa do suspeito Lessa afirmou que as peças apreendidas podem ser de armas de brinquedo conhecidas como airsoft --um jogo que simula combates em que os participantes disparam esferas de plástico uns nos outros com réplicas de armas que funcionam à base de eletricidade ou ar comprimido.

Os kits de peças apreendidos não possuíam canos, peça cujo diâmetro e formato interno poderiam mostrar se tratam-se de armas de fogo ou não.

Porém, segundo o delegado Amim, as armas não são de brinquedo. De acordo com ele, elas são réplicas verdadeiras de armas de fogo. O delegado afirmou que a polícia realizou duas perícias para provar que se tratam de peças de armas de fogo. Um dos fuzis foi montado e a polícia disse ter atirado com ele.

Segundo a polícia, são fuzis "genéricos" semelhantes ao M16, pois não foram produzidos pela Colt, a fabricante oficial. A suspeita é de que Lessa teria comprado peças de fábricas desconhecidas e possivelmente ilegais.

"As peças são bem-acabadas. O material é bom, mas não há o controle de qualidade das fábricas oficiais", disse Amim.

Segundo o delegado, as peças ostentavam indevidamente as marcas Colt, da fabricante americana do M16, e da HK, uma marca alemã de armamentos. Por isso, mesmo funcionando bem, são consideradas falsificações.

Os fuzis da HK se tornaram muito populares especialmente após a morte do extremista Osama Bin Laden. Acredita-se que as forças especiais americanas usaram o armamento na invasão do complexo de Abbottabad, no Paquistão, em 2011, que resultou na morte do ex-líder da rede al-Quaeda. A marca encontrada nas peças no Rio trazia a inscrição M27, semelhante ao HK 416 que teria sido usado na operação contra Bin Laden.

Policiais encontraram dezenas de armas desmontadas, incluindo peças para fuzis e munições, em uma operação da Delegacia de Homicídios (DH) na manhã de hoje - MÁRCIO MERCANTE/ESTADÃO CONTEÚDO - MÁRCIO MERCANTE/ESTADÃO CONTEÚDO
Polícia usou peças para montar um fuzil e disparar um projétil para amostrar que armas são verdadeiras
Imagem: MÁRCIO MERCANTE/ESTADÃO CONTEÚDO

De onde as peças vieram?

Descobrir a origem das peças de armas e como elas chegaram a Lessa são objetivos do inquérito sobre tráfico de armas aberto na semana passada pela Delegacia Desarme.

As rotas mais conhecidas da polícia de tráfico de armas para o Brasil são a do Paraguai e a dos Estados Unidos.

Na primeira, armas ilegais levadas por grupos mafiosos ao Paraguai entram em território brasileiro principalmente por via terrestre, escondidas em veículos, e seguem para capitais como Rio e São Paulo. Na rota americana, as armas chegam de avião em aeroportos brasileiros escondidas em carregamentos de outros produtos.

Segundo Amim, a Polícia Civil interceptou e-mails enviados por Lessa para supostos fornecedores internacionais. Um dos pedidos teria sido feito a um contato na China, mas a polícia ainda não sabe se a negociação foi concluída ou se estava relacionada às peças apreendidas na semana passada.

Uma das hipóteses é que Lessa compraria peças de fornecedores internacionais e montaria os armamentos no Rio. A Promotoria do Rio diz que Lessa fazia tráfico internacional de armas.

A Polícia Civil apreendeu ao menos duas bancadas e tornos que seriam usados para montar os fuzis. Porém, a polícia ainda procura uma máquina de precisão que Lessa e seus possíveis comparsas usariam para instalar os canos nas armas. Esse processo só pode ser feito com esse equipamento específico.

O que o atirador faria com as armas?

O terceiro objetivo da investigação da Desarme é descobrir qual seria o destino dos fuzis.

O delegado Amim afirmou que a quantidade encontrada de 117 fuzis é um indicativo de que Lessa seria fornecedor de armas para mais de uma organização criminosa. A polícia suspeita que ele vendia para facções de traficantes de drogas e também para milícias de policiais e ex-policiais corruptos.

Segundo Amim, dificilmente uma organização criminosa teria condições de comprar sozinha e de uma só vez 117 fuzis.

"Pela quantidade [de armas achadas] e por serem do mesmo modelo, não acredito que uma só organização criminosa seja abastecida. Provavelmente ele [Lessa] era um comerciante. Ele vendia para quem chegasse com dinheiro", disse Amim.

Quanto valeriam os armamentos?

Se fossem montados e entregues aos destinatários, os fuzis achados pela polícia poderiam alcançar preços que variam entre R$ 30 mil e R$ 35 mil por unidade, segundo o delegado Amim. Se vendesse todas as armas, Lessa poderia arrecadar um valor bruto de ao menos R$ 3,5 milhões.

Fuzis de assalto são vendidos legalmente no Brasil apenas para forças militares, policiais ou colecionadores de armas. Um cidadão comum que possua os certificados de atirador e colecionador de armas gastaria cerca do dobro do valor para adquirir esse tipo de arma pagando todos os impostos, segundo Amim.

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