Estudante encontrado morto na USP era garoto-prodígio, esportista e monitor
Era 15h40 de terça-feira (30) quando o corpo do estudante de geografia Filipe Varea Leme foi encontrado sob um armário dentro de um elevador da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo). As possíveis razões para o acidente, ainda em investigação, foram assunto durante o velório do aluno na quarta-feira em São Paulo: Para alguns estudantes, a universidade foi negligente ao designar um "garoto franzino de 21 anos" para carregar um armário pesado, embora essa não fosse a função que Filipe —um monitor— devesse desempenhar no momento do acidente.
Filho único, o universitário era um típico garoto-prodígio. Ganhou medalha de robótica no ensino médio, passou na USP sem curso pré-vestibular, já havia concluído sua iniciação científica e era um esportista nato: participava do time de vôlei na faculdade e, fora dela, jogava futebol e handebol.
Começou seu trabalho de monitor na Escola Politécnica neste ano. Em troca de uma bolsa de R$ 530, ele tinha como função cuidar do laboratório de informática.
"O trabalho de monitor é exclusivamente burocrático e intelectual. Não faz parte da função carregar móveis de um lado para o outro", explica a amiga Melissa Martins, 22, que estudou com ele no ensino médio e na Etec Guaracy Silveira, onde Leme se formou técnico em meio ambiente.
Também estudante de geografia, ela desempenhou a mesma função de monitora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo.
Ele foi negligenciado. Ele morreu porque alguém mandou ele fazer um trabalho que ele não deveria estar fazendo
Melissa Martins, amiga e estudante de geografia
"Quem ordenou a um monitor que carregasse um armário? A gente acredita que foi negligência da USP. Esse não é um trabalho de um monitor, nem para alguém de 21 anos, franzino", diz Melissa.
Por meio de nota, a USP lamentou a morte do estudante e informou que a direção da Poli, onde Filipe trabalhava, preza pela adoção de todas as medidas de segurança dentro de suas dependências. "A escola informa, ainda, que prestará todos os esclarecimentos necessários para a elucidação dos fatos junto às autoridades competentes."
Medalhista em robótica
Filipe Leme era reconhecido havia muito tempo pelo bom desempenho nos estudos. Em 2008, ainda na sexta série, ganhou uma medalha de bronze na modalidade teórica nível 2 na segunda edição da Olimpíada Brasileira de Robótica, quando estudava no colégio Objetivo.
Mas foi em 2015 que recebeu a notícia de que fora aprovado no vestibular da USP para o curso de geografia. No ano seguinte, aos 19 anos, foi um dos escolhidos pela Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo para cursar Gestão de Recursos Naturais e Ambientais.
No ano passado, deu os primeiros passos na carreira acadêmica ao ficar em 44º lugar, entre 205 candidatos, e receber uma bolsa para iniciação científica na USP. Seu projeto chamava "Resistência Camponesa em uma Nova Proposta de Modelo Agrícola".
Leme estava no nono semestre do bacharelado e havia dado entrada nos estudos da licenciatura. "O que ele queria mesmo era ser professor", conta a amiga.
Querido no time de vôlei: "Heterofobia é coisa de complexado"
Filho único de pais evangélicos, era avesso às drogas. Gostava mesmo de esportes.
Embora heterossexual, Leme não pensou duas vezes quando pôde ingressar no time de vôlei da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP), conhecido por celebrar o orgulho LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais). O time, com heterossexuais e gays, utiliza o arco-íris na camiseta. Leme dizia que "heterofobia é coisa de complexado". Na quadra, atuava como ponteiro passador.
Em um pequeno perfil sobre ele no Instagram, o time de vôlei brinca sobre o gosto musical dele, que não era fã de carteirinha de nenhuma diva pop. "Por motivo de heterossexualismo, não tem nenhuma [diva] em especial, mas reconhece que Beyoncé é boa."
Amigos organizam ato
Todo o time de vôlei apareceu uniformizado no velório, que começou às 10h no Araçá, no centro expandido da capital. "Apareceu muita gente, toda a geografia do período dele, nós colegas do ensino médio, diretora da minha escola, orientadora dele na iniciação científica, professores da USP. Tinha bastante gente. Os pais estavam arrasados", contou Melissa.
Durante o velório, os comentários sobre o acidente de trabalho motivaram alunos e professores a prepararem uma manifestação no campus. "Tem uma reunião planejada amanhã [quinta] com professores e alunos da geografia e pretendemos fazer algum tipo de ato para saber o que aconteceu e encontrar os responsáveis."
Ele era uma pessoa muito aberta. Fazia amizade fácil. Era o típico aluno perfeito, o filho perfeito. Um multitalento, que passou no vestibular sem cursinho. Por que logo ele?
Melissa Martins, amiga e estudante de geografia
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, funcionários da universidade já foram ouvidos e as equipes estão em diligências para colher provas que possam auxiliar nas investigações.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.