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"Falei que ele não era bandido", diz viúva de catador morto em ação militar

07.abr.2019 - Carro em que músico foi morto ao ser baleado por militares - 07.abr.2019 - Jose Lucena/Futura Press/Estadão Conteúdo
07.abr.2019 - Carro em que músico foi morto ao ser baleado por militares Imagem: 07.abr.2019 - Jose Lucena/Futura Press/Estadão Conteúdo

Igor Mello

Do UOL, no Rio

21/05/2019 19h56Atualizada em 21/05/2019 21h42

Luciana dos Santos Nogueira, esposa do músico Evaldo Rosa dos Santos, e Daiane Horrara, mulher do catador de recicláveis Luciano Macedo, voltaram a relatar hoje, em audiência na Justiça Militar, que os militares envolvidos na ação que matou seus maridos "debocharam" dos pedidos de socorro.

Elas afirmaram ter insistido que seus companheiros não eram bandidos, mas trabalhadores, após o carro do músico ser atingido por 83 tiros em 7 de abril na zona norte carioca, segundo laudo feito durante as investigações.

"Um soldado riu. Falei que meu marido não era bandido e não tinha nada a ver com isso. Ele falou 'seu marido era bandido, sim', e que viu ele saindo de dentro do carro", afirmou Daiane, que está grávida, na audiência que ouviu testemunhas da ação.

Ela contou que tentou socorrer o marido, que acabou sendo levado para o hospital pelo Corpo de Bombeiros e morrendo dias depois. "Fui eu que arrastei ele, coloquei sentado encostado na roda de um carro. Falei para ele: "Luciano, não dorme", recordou.

A viúva de Evaldo, que estava no carro no momento em que os militares atiraram, deu o mesmo testemunho. "Eu pedi socorro [dizendo] que meu esposo era um trabalhador, para eles poderem ajudar. Um deles ficou de deboche. Eles lá com a arma em punho e, em nenhum momento, quiseram ajudar", disse Luciana.

A Justiça Militar colheu hoje os depoimentos das testemunhas de acusação arroladas pelo MPM (Ministério Público Militar). São réus 12 militares --eles são acusados de duplo homicídio, tentativa de homicídio e omissão de socorro. A guarnição dos acusados disparou 257 tiros durante a ocorrência. Evaldo seguia com a família para um chá de bebê em Guadalupe, na zona norte carioca.

Os militares alegaram ter confundido o carro de Evaldo, um Ford Ka branco, com o veículo utilizado por criminosos que praticaram um assalto na região.

"Meu genro estava morto no meu ombro"

O catador estava tentando socorrer o músico quando foi baleado pelos militares, segundo relato emocionado de Sérgio Gonçalves de Araújo, sogro do músico e também baleado na ação.

De acordo com ele, que estava no banco do carona, os militares dispararam rajadas contra o carro da família em dois momentos. No primeiro, Evaldo desmaiou assim que foi baleado e caiu sobre seu ombro. O sogro, então, conseguiu conduzir o carro, que entrou em ponto morto, e pará-lo. Vendo que os tiros tinham parado, os demais ocupantes --a mulher de Evaldo, o filho do casal de sete anos e a amiga Michele da Silva Leite Neves --deixaram o veículo e gritaram por ajuda.

Nesse momento, Macedo foi socorrer Evaldo. O catador tentou abrir a porta do motorista, que estava trancada.

"Minha filha desesperada fora do carro começou a gritar. Nisso veio um rapaz que eu nem conheço [Macedo], morador dali mesmo. Só vi quando ele passou na frente do carro e veio na porta para ajudar", disse. "Na segunda sessão de tiros, eu estava tentando destravar a porta. Aí que começou", relembrou Araújo, que se escondeu entre o banco e o painel do carro na hora dos tiros, mas foi baleado nas costas e no glúteo.

Aos prantos, o sogro do músico relatou como tentou reanimar Evaldo.

"Na função de reanimá-lo, porque achei que ele não tinha morrido, comecei a dar tapa na cara dele e a falar: 'acorda, acorda, acorda'", disse. "Meu genro estava morto no meu ombro.

Defesa de militares pede liberdade

Nesta tarde, a defesa dos militares reiterou o pedido de liberdade sob o argumento de que os militares "não praticaram um crime" e "observaram o estrito dever legal deles de defender a sociedade".

O ato, para o advogado Paulo Henrique de Melo, responsável pela defesa dos 12 militares, foi "uma reação a injusta agressão de quem atirou em cima deles".

Já o advogado da família de Evaldo disse que "é fundamental que eles (os militares) permaneçam presos. Eles têm acesso a armamento sabem onde as vítimas moram, são vítimas pobres, que não tem a proteção do Estado".

A afirmação é do advogado André Perecmanis.

No dia 8 de maio, o STM (Supremo Tribunal Militar) começou a julgar um pedido de habeas corpus dos nove militares presos. O julgamento estava quatro a um em favor da libertação dos militares quando o ministro José Barroso Filho pediu vistas. A previsão é que o julgamento seja retomado nesta quinta-feira (23), segundo a defesa dos presos. O Tribunal tem 15 ministros.

Entre os 12 militares acusados, nove seguem presos preventivamente: o 2° tenente Ítalo da Silva Nunes, o 3° sargento Fabio Henrique Souza Braz da Silva, o cabo Leonardo Oliveira de Souza, além dos soldados Gabriel Christian Honorato, Matheus Sant'Anna Claudino, Marlon Conceição da Silva, João Lucas da Costa Gonçalo, Gabriel da Silva de Barros Lins e Vitor Borges de Oliveira.

Respondem em liberdade e os soldados Wilian Patrick Pinto Nascimento e Leonardo Delfino Costa e o cabo Paulo Henrique Araújo Leite.