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Escravo recebia? Moeda de 264 anos sugere aspecto desconhecido da história

Moeda de 20 réis: provavelmente pertencia a um escravo - Acervo Pessoal
Moeda de 20 réis: provavelmente pertencia a um escravo Imagem: Acervo Pessoal

Marina Lang

Colaboração para o UOL, no Rio

09/06/2019 04h01

Foi em abril deste ano, durante a restauração da Fortaleza de São José de Macapá, edificada pela coroa portuguesa em 1764, que aconteceu a descoberta arqueológica: duas moedas cunhadas em 1735 e 1869, épocas do Brasil Colonial e do Brasil Império.

Uma das hipóteses para a peça mais antiga é que ela pertencia a um escravo negro que trabalhou na construção - sim, alguns escravos recebiam "caixinhas", e a moeda achada pode ser testemunha desse fato, diz o historiador Franck Ney de Sousa Coutinho.

"Em Amapá e em Rondônia, o trabalho escravo era remunerado, ainda que muito pouco remunerado, ainda que sendo um 'agradozinho'", afirma Coutinho.

A existência das "gorjetas" não muda um caráter que define a escravidão: a privação de liberdade. Mas mostra que ainda há muito que se estudar sobre o período.

De acordo com ele, a seção colonial do Arquivo Público do Pará tem documentos escritos e enviados pelos comandantes para governador do Grão-Pará que, por sua vez, emitia correspondências constantes para o rei de Portugal.

Nessas cartas, ele relata, "há registro de que escravos negros e índios eram remunerados -pescando e caçando, e recebiam 40 réis por isso. É algo surpreendente porque é nossa história sendo redescoberta pela arqueologia", diz Coutinho.

A moeda em questão é de cobre, valia 20 réis e foi cunhada em Portugal, com o emblema do rei dom João 5º, segundo Coutinho - membro do grupo Numismática Amapaense.

"Muito provavelmente, pertenceu a um escravo porque foi encontrada em um vão dos muros da fortaleza, onde escravos trabalharam para construí-la. Até pela forma como ela foi encontrada, porque indica que caiu do bolso ou da mão de alguém", apostou o historiador.

Moeda 'made in Brazil'

Moeda de dez réis, com o busto do imperador Dom Pedro 2º, cunhada pela Casa da Moeda do Rio de Janeiro em 1869 - Acervo Pessoal - Acervo Pessoal
Moeda de dez réis, com o busto do imperador Dom Pedro 2º, cunhada pela Casa da Moeda do Rio de Janeiro em 1869
Imagem: Acervo Pessoal
A outra peça, de 134 anos mais tarde, data da época em que o Império já se estabelecera no Brasil.

É de 10 réis, traz o busto do imperador Dom Pedro 2º e foi cunhada pela Casa da Moeda, no Rio de Janeiro.

"Acredito que pertencia a um soldado, estava rente ao solo e prensada no barro. Provavelmente, deve ter caído do bolso", diz Coutinho.

O achado foi classificado como uma "grande surpresa" pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), responsável por catalogar esse tipo de artefato.

"O local já passou por vários remanejamentos e restaurações. Foi escavado em um metro que, provavelmente, nunca havia sido explorado antes", explicou Rodrigo da Nóbrega Machado, arquiteto e urbanista do órgão.

Ele disse que as moedas já estão em posse do Iphan, serão catalogadas e, provavelmente, ficarão em exposição permanente na própria Fortaleza de São José de Macapá, local em que foram encontradas.

Sobre a origem, Machado diz que não é possível confirmar as hipóteses de Coutinho.

"Só vamos descobrir estudando a fundo, criando fontes e documentação", declarou. "Mas claro que os achados colocam indícios da ocupação portuguesa e levantam diversas hipóteses para construção da fortaleza e seu uso", continuou.

Coutinho ainda diz que as descobertas trazem mais dados sobre invasões perpetradas por outros países europeus na região Norte.

"O Amapá poderia ser um território da Inglaterra, da Holanda ou da França. Temos um solo muito rico aqui e esses países não iriam abrir mão. A fortaleza consolidou o domínio luso-brasileiro da região", afirmou o historiador, que destaca a importância da arqueologia. "Por meio dela, as incertezas se diluem".