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Suspeito de tentativa de furto de caixa d'água no RJ já teria um comprador

Criminosos cortam caixa d"água em pleno dia no bairro de Triagem, zona norte do Rio - Reprodução/TV Globo
Criminosos cortam caixa d'água em pleno dia no bairro de Triagem, zona norte do Rio Imagem: Reprodução/TV Globo

Sérgio Ramalho

Colaboração para o UOL, no Rio

07/07/2019 04h01

Resumo da notícia

  • Grupo foi flagrado esta semana no Rio cortando caixa d'água com ajuda de guindastes
  • Polícia investiga o caso; suspeito de orquestrar furto já teria comprador para as peças
  • Área de Triagem, onde ocorreu o crime, é disputada por tráfico e milícia

Um helicóptero da TV Globo flagrou, no início da tarde de quarta-feira (3), a ação de homens que usavam dois guindastes para tentar roubar um reservatório de água na região de Triagem, zona norte do Rio. Na imagem, homens pendurados em um andaime usam um maçarico para cortar uma estrutura mais alta que os prédios de cinco andares do condomínio em volta.

A caixa d'água serve como opção de abastecimento aos moradores. Na ocasião, a Secretaria Municipal de Infraestrutura e Habitação confirmou a ação dos criminosos e acionou a Polícia Militar.

Apesar de a Polícia Civil confirmar a disputa entre traficantes e milicianos na região, as investigações da 25ª DP (Triagem) indicam que a tentativa de roubo estaria relacionada à ação de um estelionatário, que teria negociado o Reservatório Tubular Alta (RTA) antes mesmo de concretizar o furto.

Na próxima semana, o responsável pela contratação dos guindastes vai prestar depoimento. Num primeiro momento, os envolvidos ouvidos pela polícia afirmaram que não sabiam que os equipamentos alugados seriam usados para furtar o reservatório.

Na foto, parte da caixa dágua que sofreu tentativa de roubo no BAIRRO CARIOCA, conjunto de apartamentos na zona norte, Triagem - Luciola Villela/ UOL - Luciola Villela/ UOL
Parte da caixa d'água que foi cortada permanecia na rua em condomínio de Triagem, no Rio
Imagem: Luciola Villela/ UOL

Área é disputada por tráfico e milícia

O crime deixou sua assinatura nas paredes do Bairro Carioca 1 logo que os primeiros moradores chegaram para ocupar os 2.240 apartamentos do conjunto habitacional erguido em Triagem, bairro da Zona Norte do Rio. Com 112 edifícios, o condomínio construído em parceria pela prefeitura e o governo federal teve imóveis invadidos por ordem de traficantes do Comando Vermelho meses após a inauguração, em junho de 2012.

As iniciais da facção criminosa estão por toda a parte, mas há pelo menos seis meses os moradores tiveram incorporada à rotina de insegurança um novo elemento: a milícia. É o que apontam investigações da Polícia Civil na região, segundo apurou o UOL.

O conjunto Bairro Carioca 1 fica a pouco mais de 500 metros do 1º Depósito de Suprimentos do Exército e a quase dois quilômetros de distância da Cidade da Polícia Civil - aglomerado que concentra as delegacias especializadas do estado - e da Favela do Jacarezinho, área sob domínio do CV.

Os envolvidos na ação desistiram de levar parte do reservatório após as imagens terem sido exibidas ao vivo pela TV. A parte do tanque cilíndrico removida com auxílio de um maçarico foi abandonada na calçada ao lado do que restou da estrutura original. Por todo o conjunto habitacional existem nove reservatórios tubulares semelhantes ao que foi cortado.

Conjunto de apartamentos na zona norte, Triagem, onde tentaram roubar uma torre de caixa d'água.  - Luciola Villela/ UOL - Luciola Villela/ UOL
Conjunto de prédios em Triagem, na zona norte do Rio, onde grupo tentou roubar uma torre de caixa d'água.
Imagem: Luciola Villela/ UOL

Região abriga famílias de baixa renda

Ao menos 11 mil pessoas vivem nos mais de 2.000 apartamentos divididos em 11 condomínios que integram o conjunto habitacional Bairro Carioca 1.

São famílias com renda em torno de R$ 1.600, e muitas estavam morando em casas de parentes ou recebiam aluguel social após terem tido seus lares atingidos por chuvas e deslizamentos. É o caso de Antônio (nome fictício), que só aceitou conversar com a reportagem sob anonimato. Ele mora com a mulher, filhos e netos num dos apartamentos de 47 metros quadrados.

"Aqui não dá para a gente falar muito, sabe como é, né? A gente vive amuado aqui. No início, os traficantes mandaram invadir os apartamentos, não queriam moradores vindos de favelas de outras facções. A gente acostumou a viver dentro de casa. Só saio para trabalhar e volto. Os garotos vão para escola e voltam para casa. Agora tem um grupo dizendo que vai melhorar, que a gente tem que pagar segurança. Mas a gente não tem segurança. À noite, traficantes andam em motos e armados de fuzis. Tem sempre tiroteio", disse.

O UOL percorreu as ruas do Bairro Carioca na manhã de sexta-feira (5). O tempo estava nublado, mas não chovia. Poucas pessoas circulavam pelas alamedas que ligam os edifícios de cinco andares, cada um com 20 apartamentos. Das janelas, alguns moradores acompanhavam a movimentação da equipe, mas poucos se dispuseram a falar.

"Parece vazio, mas tem sempre alguém de olho", disse um rapaz, que fumava no segundo andar e concluiu: "A gente não ficou sem água, mas se não consertarem o reservatório até o verão vai dar problema".

Guaritas vazias

Caixa d'água cortada por criminosos em Triagem, zona norte do Rio - Luciola Villela/ UOL - Luciola Villela/ UOL
Na foto, parte da caixa d'água que foi cortada em tentativa de roubo em Triagem, no Rio.
Imagem: Luciola Villela/ UOL
Na entrada de cada um dos 11 condomínios há uma guarita, mas quase todas estavam vazias. No bloco onde tentaram roubar o reservatório de água, cartazes afixados no vidro informam os horários de funcionamento: manhã das 9h às 12h e à tarde das 13h às 18h. No local ficam as correspondências dos moradores.

"Seu Zé deve ter ido em casa, mas ele volta", respondeu um jovem que carregava um saco de lixo em direção à caçamba da Comlurb instalada à frente do acesso ao condomínio. Em torno do recipiente laranja dois cachorros revolviam um saco de lixo. "Fiquei sabendo da caixa d`água, vi na televisão, mas não sei de nada não. É melhor assim", encerrou a conversa, sem dizer nome.

A reportagem tentou averiguar o nome do presidente da associação de moradores. "Tem associação sim, olha aqui", apontou o rapaz que levava o lixo para o cartaz afixado na guarita. É um aviso sobre o pagamento do condomínio. Nele aparece Associação de Moradores do Bairro Carioca e Vila Triagem. "O presidente é o Paulo. Seu Zé te passa o contato quando voltar", disse. Mas seu Zé não voltou.

A sede da associação fica num sobrado construído sob um trecho da linha do metrô, próximo ao acesso à estação de Triagem. A porta estava fechada, segundo uma vizinha, só abre depois das 10h30: "Quando chega a Denise. Ela é a secretária do Paulo e do Jorge", diz. Os citados são, respectivamente, o presidente e o vice-presidente da entidade. A vizinha não sabe os sobrenomes, mas diz que eles não moram no conjunto habitacional. Denise, a secretária, não aparece e a vizinha se dispõe a entregar os contatos da reportagem.

A Secretaria Municipal de Infraestrutura e Habitação afirmou, por meio de nota, que os reservatórios foram exigência da Caixa na época da obra. Com isso, segundo a secretaria, caberia à Caixa fazer o reparo. Questionada pelo reportagem, a Caixa afirmou, também por meio de nota, que "a manutenção das áreas comuns do empreendimento, o que inclui os reservatórios de água, são de responsabilidade do condomínio".

A Fort3, empresa fabricante do RTA, não respondeu sobre as especificações técnicas do produto, dentre elas o tamanho, a capacidade de armazenamento de água e o preço médio de mercado.