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Tatuar suástica ou símbolo nazista é crime?

O ator Edward Norton em cena do filme "A Outra História Americana" (1998) - Divulgação
O ator Edward Norton em cena do filme "A Outra História Americana" (1998) Imagem: Divulgação

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

18/08/2019 04h00

Racismo é um crime previsto pela legislação brasileira desde 1989. Segundo a Lei nº 7.716, é proibido discriminar qualquer pessoa com base em raça, cor, etnia, religião, procedência nacional e, desde maio, após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), orientação sexual.

No Brasil, é crime divulgar cartazes, fazer publicações na internet ou criar qualquer situação de exclusão por preconceito contra uma destas classes. Mas e se alguém tatuar ofensas racistas ou homofóbicas no corpo? Ou se colocar uma suástica no peito, como o personagem de Edward Norton em "A Outra História Americana" (1998)? É crime? O que acontece?

Estas questões, de trato raro nos tribunais brasileiros, mas presentes em vários países, provocaram debates e geraram dúvidas entre advogados das áreas criminal e cível ouvidos pelo UOL.

Veja as principais perguntas levantadas e o que dizem os especialistas.

Tatuar ofensas racistas é crime?

Depende do caso e da tatuagem. Os profissionais dizem acreditar que tatuar uma frase racista ou uma suástica pode se enquadrar na Lei do Racismo, mas cada caso precisa ser analisado isoladamente.

Segundo a legislação, é crime "praticar, induzir ou incitar" discriminação, assim como "fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo".

André Kéhdi, especialista em direito penal, diz que esta é uma discussão "complexa e profunda", mas, dependendo da tatuagem e de como ela é revelada, pode se enquadrar nessa lei.

"A pele, assim como o papel, pode servir para praticar crimes. Se tem uma lei que prevê o crime de veicular a suástica ou de induzir o racismo, acredito que ela se aplique também à tatuagem", afirma o advogado criminalista.

Tatoo - Reprodução/Instagran @jiran_ - Reprodução/Instagran @jiran_
Imagem: Reprodução/Instagran @jiran_

O juiz Jesseir Coelho de Alcântara, da 3ª Vara Criminal dos Crimes Dolosos contra a Vida e Tribunal do Júri de Goiânia (GO), entende de forma semelhante. Em um artigo publicado em 2013, ele afirma que "tatuagem pode ser considerada crime dependendo da maneira como é feita, em quem é realizada e qual a intenção do uso no corpo da pessoa".

"A tatuagem em si, genericamente, não constitui delito", diz Alcântara. "Agora, se um sujeito efetua em seu corpo de maneira visível uma tatuagem incentivando um ato de violência ou a prática de um delito previsto em lei, com certeza estará cometendo um crime e pode ser responsabilizado."

Mas depende da situação. O advogado Vinicius Bento, especialista em direito cível, levantou um caso da 9ª Vara Criminal do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) de 2011, em que um jovem tatuou uma suástica na perna e foi fotografado pelo padrasto.

"Os desembargadores entenderam que se tratou de uma piada de mau gosto, mas que não mereceria a punição criminal", afirma Bento. "É inegável que quem se expressa --principalmente por meio de um procedimento definitivo-- de modo racista tem conduta ética e moral desvirtuada, mas também é necessário analisar o caso concreto para compreendermos se a pessoa teve ou tem o dolo de incitar publicamente práticas como nazismo e o racismo."

Discussão esbarra na liberdade de expressão?

Na verdade, não.

"Não somos um país que acredita de maneira irrestrita na liberdade de expressão. Bem diferente do que acontece nos Estados Unidos, onde até mesmo marchas de cunho nazista já foram liberadas pela Suprema Corte", afirma a advogada da área cível Fernanda Capo. "Aqui no Brasil, algumas condutas são vedadas e, inclusive, criminalizadas."

Assim a liberdade de expressão tem seus limites no Brasil e certas manifestações estão sujeitas à lei.

Qual a pena prevista?

Racismo é crime inafiançável no Brasil. Se o juiz entender que o réu teve intenção, o condenado pode pegar de um a três anos de cadeia e multa por propagar discriminação contra alguma classe, ou até cinco anos e multa por difundir o nazismo.

Se a tatuagem for ostentada em meios de comunicação ou nas redes sociais, a pena de prisão aumenta mais tempo (de dois a cinco anos) e ainda há multa.

O que acontece com a tatuagem?

Esta foi a principal dúvida dos entrevistados. Segundo a lei, se alguém faz um cartaz ou cria uma publicação na internet de cunho racista, além de o autor estar sujeito à prisão, o conteúdo é removido. Mas o que acontece no caso de algo gravado no corpo?

De acordo com Kéhdi, não existe jurisprudência no STF (Supremo Tribunal Federal) que responda a esta questão.

"O réu é processado, pode até ser preso, mas o Estado pode mandar ele fazer uma cirurgia? O direito penal não autoriza que isso seja feito", diz o criminalista.

"Funciona assim: a lei diz que o material publicado é recolhido, se está na internet, é apagado. Tudo está previsto lá. Mas, com a pele, existe uma lacuna. Na minha percepção, o Estado não pode obrigar a retirar, já que a integridade física é protegida pela Constituição e a remoção seria um procedimento cirúrgico. Mas não é uma certeza."

Bento tem as mesmas dúvidas. "Este é um caso em que, para mim, surgem mais perguntas do que respostas", afirma o advogado. "Não encontrei uma única situação deste tipo [remoção da tatuagem]."

Ele levanta hipóteses de que a Constituição Federal poderia vedar a remoção por entrar no âmbito de "penas cruéis", enquanto concorda com Kéhdi que "a retirada obrigatória do desenho da pele não é efeito da condenação, segundo o Código Penal".

"É uma questão profunda que traz uma série de elementos. O que eu posso garantir é que não há uma resposta fácil", diz Kéhdi.

O tatuador pode ser punido também?

Se o portador da tatuagem pode chegar a ser julgado por exibi-la, o mesmo pode acontecer com o tatuador? De acordo com os especialistas, como na questão da remoção da tatuagem, a pergunta se mantém em aberto. Não há nenhum entendimento consensual no Brasil sobre isso.

O que está pacificado é que profissionais não podem fazer tatuagens em menores de idade sem o consentimento dos pais. Um entendimento fixado pela 9ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) prevê que praticar este ato pode ser configurado como "lesão corporal de natureza grave, porque resulta em deformidade permanente".

Como funciona em outros países?

Varia muito de um país para o outro. Nos Estados Unidos, onde a liberdade de expressão irrestrita é garantida pela Primeira Emenda da Constituição, fazer apologia ao racismo ou ao nazismo não é crime.

Lá, é proibido fazer apologia à violência contra uma raça ou religião, mas os cidadãos americanos estão livres para tatuarem suásticas, como Norton em "A Outra História Americana", e ofensas racistas.

Já na Alemanha o nazismo é terminantemente proibido desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Em 2015, um homem foi condenado a oito meses de prisão por tatuar, nas costas, os portões do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, maior centro de extermínio nazista. Ele era membro de um partido de extrema-direita do país e a tatuagem foi postada nas redes sociais.

O nazismo também é proibido na Rússia desde a época da União Soviética. De acordo com a imprensa local, em fevereiro de 2018, o membro de um grupo de extrema-direita foi condenado pelo governo de Cheboksary, no centro do país, por tatuar uma suástica. A pena foi uma multa de mil rublos (algo em torno de R$ 60) e a remoção do desenho.