Desespero em morros da Grande SP: "A cada barulho, sinto um calafrio"
Jenifer Alves olha pela janela e bate o desespero. Antes, enxergava árvores, mas um deslizamento na última madrugada mudou a geografia do Morro do Socó, em Osasco (SP). Agora, a recepcionista de 42 anos vê casas penduradas na beirada de um barranco. Restos de árvores ficaram pelo caminho quando parte do morro se dissolveu. Um menino de sete anos foi soterrado neste deslizamento.
Tudo aconteceu a menos de cem metros da casa de Jenifer. O lugar em que ela mora fica na parte de baixo do morro e a recepcionista está apavorada. Tem medo que seu filho de um ano e sete meses também seja vítima das chuvas.
Eu olho a toda hora para fora e a cada barulho sinto um calafrio. Se começar a desmoronar, eu corro. Já arrumei uma bolsa com documentos e uma troca de roupa para o bebê. Na minha casa eu tenho também minha mãe de 71 anos e outro filho, que tem 21 anos. O combinado é: cada um pega um e sai correndo.
A recepcionista acrescenta que desespero é um sentimento coletivo no Socó. As pessoas estão procurando casas de parentes e de amigos para se protegerem. Jenifer reclama que nenhum técnico da prefeitura ou do estado apareceu para avaliar a situação e oferecer abrigo.
Está todo mundo preocupado porque deslizamentos acontecem de repente. E aqui é superpopuloso. O posto de saúde que me atende tem 28 mil cadastrados. Se o morro gritar, muita gente corre.
Jenifer diz que não precisa ser técnico para perceber que o lugar que mora é de risco. Casas de madeira ou de tijolos sem reboco se equilibram em encostas. As residências são separadas por ruelas da largura de um corredor e com rachaduras no chão. Não há serviço de energia e as pessoas têm luz em casa graças a "gatos".
A recepcionista passa por esta situação pela primeira vez e está alarmada. Ela ficou desempregada e, com medo de ficar com dívidas e ser despejada, usou o dinheiro do seguro-desemprego para comprar uma casa em área de invasão.
Jenifer começou o ano feliz porque conseguiu um novo emprego em 21 de janeiro. Era a oportunidade que queria para mostrar serviço e nunca mais precisar perambular por RHs distribuindo currículos.
Não deu nem um mês e já faltei. Espero que meu chefe compreenda.
Casa tem perda total
Morgana Silva, 36 anos, recebeu um pedido de socorro no meio da madrugada.
Subiu o morro do Jardim Açucara, também em Osasco, a pé em meio à chuva forte e lama escorrendo entre os pés. Eram 3 horas da manhã e as pernas faziam toda força que podiam porque uma tragédia parecia a caminho.
Ela alcançou a irmã e a pressa em descer era tanta que não escolhiam muito onde pisar. Foram vários escorregões na descida, mas ambas sobreviveram. A casa está em pé, mas condenada. A lama escorreu até o limite da porta da frente e terra se acumulou nos fundos, mas não rompeu a parede de madeira.
Estas constatações foram feitas somente às 8 da manhã, quando Morgana voltou ao local. Ela e o marido moram com a irmã e foram pegar documentos, roupas e uma televisão. Foi a segunda vez que a mesma casa sofreu avarias com a enchente.
Na outra vez, a gente conseguiu reconstruir, fizemos um remendo. Mas agora não tem jeito. O chão próximo a casa foi embora e não sei o que vamos fazer. É difícil saber. Meu marido e meu sogro pedem calma, mas está difícil raciocinar.
Morgana está desempregada desde 2016 e ajuda nas despesas de casa com bicos, principalmente de diarista, uma realidade que incomoda. Ela vive a tentar voltar a ter carteira assinada, mas nesta segunda-feira nem entregar currículos conseguiu.
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