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Meteorologia já sabia que Tietê transbordaria com chuva, diz especialista

Alagamento na marginal do rio Tietê, na altura da ponte da Casa Verde, na zona norte de São Paulo - Romerito Pontes - 10.fev.2020/Futura Press/Estadão Conteúdo
Alagamento na marginal do rio Tietê, na altura da ponte da Casa Verde, na zona norte de São Paulo Imagem: Romerito Pontes - 10.fev.2020/Futura Press/Estadão Conteúdo

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

12/02/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Chuva forte na madrugada de segunda já indicava alagamento no Tietê
  • Prefeitura diz que chuva era esperada, mas que volume "foi muito alto"
  • Marginal ficou alagada e foi um dos fatores que gerou caos na capital paulista

Já era possível saber que o rio Tietê iria transbordar na madrugada da última segunda (10), horas antes de o movimento intenso de carros começar na capital paulista. Esta é a visão de Felipe Vemado, doutor em meteorologia pela USP (Universidade de São Paulo), ao analisar o quadro de chuvas na região metropolitana de São Paulo no final de semana.

"No começo da tarde de domingo [9], não dava para dizer se [o Tietê] ia inundar ou não, mas já dava para ver que haveria um problema na madrugada. Depois que começou a chuva forte, por volta da 1h, era possível prever, sim, um alagamento e tomar as possíveis providências", afirma o meteorologista.

Ao UOL, a Prefeitura de São Paulo afirmou que "chuvas fortes" já estavam previstas desde o sábado (8), mas o "volume foi muito alto, contabilizando 88,7 milímetros entre 0h e 13h do dia 10".

A administração municipal diz que esta quantidade superior não prevista seria o motivo pelo qual algumas possíveis atitudes de contingenciamento —como o bloqueio prévio das marginais Tietê e Pinheiros— não foram tomadas.

Vemado questiona, no entanto, o volume das chuvas ser considerado um fator surpresa. Segundo ele, com a tecnologia disponível hoje, é possível acompanhar a elevação horas antes por meio de previsões de curtíssimo prazo.

"O modelo pode dar uma previsão errada, mas é preciso ficar esperto. Se no sábado não se sabia se seria mais ao norte, na região de Mairiporã, ou mais para São Paulo, poucas horas antes já era possível ter esta certeza", afirma o meteorologista.

Ao UOL, a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) respondeu que "todas as ações possíveis para minimizar o impacto do grande volume de chuva que caiu entre a noite de domingo e a segunda-feira foram adotadas" e que os agentes de trânsito foram deslocados para "pontos estratégicos do sistema viário".

Segundo o órgão, a atuação dos agentes englobou "interditar uma via ou cruzamento que esteja sob a iminência de alagar, planejar e indicar desvios ou rotas alternativas, prestar socorro a veículos quebrados, remover interferências viárias e fazer a operação manual dos semáforos apagados por falta de energia".

Não foi informado, no entanto, se a CET foi avisada com antecedência sobre possibilidade de alagamento das Marginais nem por que elas não foram interditadas previamente.

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Previsão desde o dia 2

Segundo Vemado, era prevista uma quantidade intensa de chuvas na capital desde o dia 2 de fevereiro, quando ele registrou a previsão por meio do método meteorológico europeu, o ECMWS. Com a aproximação do final de semana, a quantidade de chuva e o local onde ela cairia ficavam cada vez mais precisos.

"Dois dias antes, [o sistema] já mostrava uma mancha de chuva bem significativa [sobre a região metropolitana]", explica o doutor. "Sendo detalhista, colocava um pouquinho mais para cima, ao norte, mas a gente sabe que ele pode errar a posição."

O especialista aponta que "só dá para saber o local exato quando começa a chover". "Por isso, na madrugada de segunda, já era possível saber [que a região alagaria]."

Chuva nas cabeceiras

Este acompanhamento também estava sendo feito pela Defesa Civil do Estado de São Paulo. Desde a semana passada, o órgão vem informando por meio de redes sociais e pelo serviço de cadastramento de Alertas via SMS sobre a alta quantidade de chuva. Os anúncios foram feitos durante todo o final de semana.

"Nossas equipes trabalham 24 h e estávamos acompanhando em tempo real", explica o tenente-coronel Henguel Ricardo Pereira, diretor estadual de Defesa Civil.

"Porém, o que impactou bastante [na região metropolitana] é que choveu nas cabeceiras dos rios que desembocam no Tietê. Ele recebeu pela manhã um volume de água muito grande. E, como ele tem um limite de vazão, chegou a alagar as laterais e continuou a receber muita água", pontua.

O tenente-coronel explicou que não cabe à Defesa Civil estadual, mas à municipal tomar medidas quanto à retirada de pessoas de áreas de risco de alagamento, como na região da Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo).

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Contingenciamento evoluiu nos últimos anos, mas é preciso melhorar

Para Valter Caldana, professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, houve uma melhora nos planos de contingenciamento da prefeitura na última década, mas ainda há muito o que avançar.

"Justiça seja feita, se analisar a emergência da emergência, diria que a coisa melhorou muito nos últimos sete, oito anos, desde a gestão [Fernando] Haddad, seguindo com o [Bruno] Covas", avalia Caldana. "No meio do caos, sabia-se o que estava acontecendo, coisa que não tínhamos ideia há dez anos."

É o que ele chamou de "caos controlado", pois, mesmo em uma situação atípica de chuvas, não houve nenhuma morte. E os resultados poderiam ter sido "muito piores". "Não quer dizer que está bom, não está nada bom, mas tem evoluído", afirma o urbanista.

Entre os pontos a se melhorar está exatamente o de aviso à população. "Se já se saiba da chuva e o aviso de ficar em casa tivesse sido dado no domingo, será que não teríamos minorado [as consequências] na segunda? Muito provavelmente, sim, porém ainda falta experiência com este tipo de ação, tanto como governo quanto como sociedade", explica Caldana.

Ele compara à reação em países com nevascas e terremotos. "Todo mundo já está informado. O poder público age antes e as pessoas ficam em casa. Por outro lado, ninguém é demitido se faltar ao trabalho em dia de nevasca. O trabalhador não vai se arriscar pelo seu salário."

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