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Comércio em Santos sofre enquanto força-tarefa age para garantir restrições

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Maurício Businari

Colaboração para o UOL, em Santos

23/03/2020 21h05Atualizada em 24/03/2020 13h03

A situação dos comerciantes e proprietários de pequenos negócios na cidade de Santos, litoral de São Paulo, vem se agravando a cada dia desde o início da pandemia de covid-19, novo tipo de coronavírus. Informações desencontradas, queda no movimento, paralisação das atividades, dívidas com encargos, salários, fornecedores e muita incerteza. Hoje, a prefeitura do município informou que, de acordo com o Decreto 8.898, de 20 de março de 2020, que declara estado de calamidade pública na cidade, em razão da necessidade de adoção de medidas preventivas do contágio do coronavírus, o Poder Público municipal criou uma força tarefa para fazer valer as medidas restritivas ao comércio, adotadas por todas as cidades da Baixada Santista.

São elas o fechamento total dos estabelecimentos comerciais, incluindo marinas, clubes, lojas de conveniência de postos de combustível, mantendo abertos apenas supermercados, feiras livres, venda de gás, postos de combustível, farmácias e estabelecimentos do ramo alimentício (estes devem manter as portas fechadas e funcionar apenas para delivery).

Segundo nota oficial encaminhada hoje à imprensa, a força-tarefa, que tem apoio da Guarda Civil Municipal (GCM), visa fazer cumprir o que está determinado no decreto. Se algum estabelecimento comercial, em questão, for encontrado em funcionamento, "o mesmo receberá intimação para fechamento imediato e, no caso de resistência, poderá ser usada a força policial. O mesmo vale para os ambulantes que atuam nas praias da cidade, ou seja, poderão ter seus carrinhos recolhidos e, no caso de resistência, poderá ser usada a força policial".

Na linha de frente da prestação de serviços à população e sem saber o que fazer ou como agir, muitos comerciantes santistas já temem pelo fechamento definitivo de seus negócios. A temida falência parece estar muito mais próxima dos empresários do comércio local do que estimam os técnicos do Poder Público municipal. Na opinião deles, as medidas de restrição são necessárias, mas não ajudam nem os empresários e nem os empregados dos estabelecimentos. Para os comerciantes entrevistados pelo UOL, o País está à deriva e até o momento o Governo Federal não acenou com uma resolução que possa efetivamente dirimir os impactos econômicos impostos pela quarentena.

O restaurante árabe Empório Beirute é um dos mais antigos da cidade. Fundado no bairro do Boqueirão há 28 anos pela família Salibi, coleciona prêmios e menções honrosas concedidos por algumas das mais importantes revistas especializadas em gastronomia. Hoje, porém, o salão está às moscas. Os funcionários passam os dias sentados em frente às mesas vazias, observando o noticiário na TV, no aguardo de uma boa notícia. Que ainda não chegou. O serviço de delivery, apontado pelo Governo como uma solução, não está sendo suficiente para gerar os recursos necessários para honrar os compromissos mensais. Boletos de água, luz, aluguel, telefone, encargos, salários, impostos, empréstimos, acordos, acumulam-se em pilhas sobre a mesa da empresária Rosaly Salibi, 44, que hoje toca o restaurante com a mãe, Fátima, de 84 anos.

Loja em Santos anuncia fechamento - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

"O movimento já não estava bom nos últimos anos, por conta do grande número de desempregados no Brasil, o que fez com que as pessoas diminuíssem o ritmo de consumo. O resultado é que muitas empresas, como a nossa, estão enfrentando muitas dificuldades para honrar o pagamento de tributos. E não falo apenas dos trabalhistas. Temos impostos diversos, obrigações com aluguel, água, luz, telefone, contabilidade, vigilância sanitária, alvarás de funcionamento, sistema digital para restaurantes. A pandemia veio como um nocaute nos empresários. Pequenos e médios não tem recursos reserva para se manter. Nós dependemos do movimento diário para pagar essas contas, mas tudo parou. O telefone já nem toca mais".

Rosaly conta que, apesar do desespero diante das contas que só se acumulam, sua maior preocupação é em relação aos funcionários. Sem contar com um posicionamento favorável do Governo a esse respeito, a incerteza só cresce tanto entre os empresários quanto entre os colaboradores. "Sugeriram que mantenhamos o delivery funcionando, mas isso é um engano. Com o desespero das famílias em comprar produtos básicos, pagar contas, ninguém está pedindo mais comida para entrega. Fazer isso com as empresas é um erro. Por que o Governo não libera um auxílio aos empregados por um tempo? Por que todos esses encargos têm que ficar nas costas dos empresários numa situação como essa?".

Fábio Rodrigues, 43 anos, proprietário do Life Açaí, um restaurante que comercializa açaí e serve pratos e lanches na Ponta da Praia, constatou uma redução de mais de 80% no movimento desde que se iniciou a pandemia do covid-19. A queda do faturamento já coloca em risco o pagamento de aluguel do imóvel, salários, encargos e tributos. Hoje, o seu negócio se tornou inviável.

"A minha maior dúvida é com relação à resposta do Governo Federal a essa crise, algo concreto. O que nós vemos hoje é o Governo fazendo muita política e formulando poucas decisões concretas, diretas. Decisões que possam nos guiar por algum caminho. Hoje nos sentimos completamente perdidos e sozinhos. Meu maior temor é ter que fechar a empresa num curto espaço de tempo para que as dívidas não se acumulem ainda mais".

Rodrigues afirma que a primeira medida que tomou foi o fortalecimento do serviço de delivery. Mas a experiência não foi bem sucedida, pois o movimento representava, já antes da crise, de 25% a 30% do faturamento. Com a pandemia, o número de pedidos começou a cair ainda mais, inviabilizando a entrada de recursos. Com quatro funcionários, a empresa não tem mais caixa para honrar gastos com fornecedores e outros compromissos.

"Esperamos do Governo Federal uma ação concreta. Que parem de fazer política e comecem a tomar decisões concretas, que nos ajudem a não encerrar os negócios definitivamente. Esperamos um socorro do Governo, algo concreto, real, palpável, para que não tenhamos que fechar nossas portas e entregar os imóveis aos proprietários. Ainda mais em Santos, onde os aluguéis são caríssimos e consomem, no meu caso, mais de 25% do faturamento em meses bons".

Avisos e manifestos

Diante da crise, comerciantes da cidade estão expressando sua preocupação e indignação com avisos e manifestos publicados nas redes sociais ou afixados nas portas e vitrines dos estabelecimentos. É o caso do HP Geek Bar and Burgers, localizado no Gonzaga. Em um post nas redes, o proprietário escancara as dificuldades da hamburgueria e reivindica ações dos governos para tentar conter a falência iminente dos empresários. Entre elas, o pagamento dos funcionários durante a paralisação e suspensão dos contratos; a criação de linhas de crédito de amparo aos pequenos e médios empresários; e a isenção de juros e impostos, água e luz no período de encerramento forçado das atividades.

"A situação hoje é uma calamidade", afirma Felipe Ferreira, 33, proprietário da hamburgueria. "Do nada tivemos a receita cortada, só não digo em 100% porque o delivery ainda está mantendo um movimento pequeno, mas nada comparado a antes da pandemia. Na primeira quinzena de março conseguimos até honrar os compromissos, pagar funcionários. Mas na segunda quinzena, tivemos uma redução de 40 pratos servidos por dia para apenas 9 durante o almoço. E, à noite, o movimento simplesmente parou. O delivery não está segurando mais o faturamento. A minha situação agora é de suspensão de pagamentos de fornecedores. Minha prioridade é acertar os salários dos colaboradores. O resto vemos depois".

Ferreira afirma que o que ocorre atualmente é uma omissão por parte do Governo Federal, um desencontro de informações e uma má vontade em atuar no socorro dos pequenos e médios empresários. Mensalmente, só de impostos, a hamburgueria representa um gasto de aproximadamente R$ 9 mil. Em cinco anos de casa aberta, Ferreira já pagou R$ 530 mil em impostos para o Governo.

"Isso é muito dinheiro para não estarmos recebendo nada de suporte. O meu maior temor é a quebra, ela nunca bateu tão forte na minha porta. E também a minha segurança financeira, a dos meus colaboradores e a dos meus prestadores de serviço, que também são pequenos e dependiam de mim para manter seus negócios. Nunca vi uma situação como essa, é realmente assustador".

A livraria e editora Realejo, uma das mais tradicionais livrarias santistas, localizada no bairro do Gonzaga, sempre foi conhecida como um ponto de encontro de intelectuais e jovens descolados. Contando com um café, que servia, além da bebida, salgados e doces, o estabelecimento era uma das referências na cidade no setor da Cultura. Hoje, de portas fechadas, um aviso na vitrine informa aos amigos e frequentadores o encerramento das atividades até o dia 07 de abril.

José Luiz Tahan, proprietário da livraria, atua há décadas como livreiro na cidade. Em entrevista ao UOL, ele conta que já enfrentou períodos difíceis. Mas nunca viu uma situação como a gerada pela crise após a pandemia. "Não tenho como calcular ainda a questão das dívidas, mas já estou tendo que renegociar com fornecedores e também rever os custos fixos, como aluguel. E aguardar para ver se o Governo vai manter o pagamento das contas de água e luz e se as operadoras de telefonia vão manter os valores que costumamos pagar. Tudo isso vai pesar demais nos custos do negócio, principalmente por não sabermos quanto tempo ficaremos parados".

Mesmo atuando como um pequeno empresário, sem fôlego para ter capital de giro, Tahan garante que sua preocupação principal é honrar os compromissos salariais dos colaboradores. Desde a implementação da quarentena, os funcionários foram dispensados, mas os salários foram mantidos. Porém, já há uma grande incerteza em saber se os salários poderão ser honrados no próximo mês, se o período de isolamento se estender.

"Hoje temos duas situações no País, no que se refere às respostas à crise. Temos o Governo Federal, que é um governo lunático, sem direção, que zomba da pandemia através do seu presidente; e os governos estaduais, que ao meu ver parecem ter mais urgência a respeito. Não sou técnico na área de Saúde, mas acho que o isolamento é importante, sim. Mas é necessário, ao mesmo tempo, não parar totalmente as engrenagens do comércio. Se elas pararem de vez, muitos negócios vão quebrar".

Sindicato patronal tenta acordo com prefeituras

Com o objetivo de amenizar os impactos econômicos gerados pela pandemia, principalmente o prejuízo dos empresários, o Sindicato dos Bares, Hotéis, Restaurantes e Similares da Baixada Santista (SinHores) enviou ofício aos prefeitos da Região e do Vale do Ribeira pleiteando a suspensão ou adiamento dos pagamentos de encargos como ISS e IPTU. E também reivindicou, junto à Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), a isenção da taxa de esgoto, neste período de crise.

"Estamos passando por um período cheio de incertezas e o nosso setor será um dos mais afetados. Já imaginando o cenário atual, esta semana negociamos um acordo trabalhista emergencial com o Sindicato dos Trabalhadores em Comércio Hoteleiro, Bares, Restaurantes e Similares de Santos, Baixada Santista, Litoral Sul e Vale do Ribeira (Sinthoress), unindo forças neste momento de pandemia", explica o presidente do SinHoRes, Heitor Gonzalez.

Conforme o documento, neste primeiro momento apenas os hotéis poderão tomar as seguintes medidas: conceder férias individuais e coletivas sem necessidade de aviso prévio; postergar o pagamento de um terço das férias apenas para o seu vencimento; implementar o esquema de jornada de trabalho 12x36, sem a necessidade de cumprir com a contrapartida prevista em lei; e ajustar, por meio do acordo coletivo, os intervalos de intrajornada de até quatro horas. Gonzalez acredita, porém, que em pouco tempo essas medidas poderão ser estendidas aos demais estabelecimentos da cidade.

"Neste primeiro momento a decisão atinge diretamente mais de quinhentos hotéis da Baixada Santistas, que juntos empregam uma média de oito mil funcionários. Mas acreditamos que nos próximos dias a medida também poderá se estender a bares e restaurantes, caso seja necessário o isolamento geral, atingindo cerca de dez mil estabelecimentos ".

Segundo Gonzalez, a Federação de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Estado de São Paulo está intermediando a negociação com o Governo do Estado para solicitar a isenção de encargos. Em âmbito federal, também entidades que representam o setor estão pleiteando a redução da carga tributária, de impostos como PIS e Cofins, e a liberação de linhas de crédito para ajudar no pagamento do FGTS e folha dos funcionários.