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Médico argentino em SP contrai covid e revela drama com filha contaminada

Getty Images
Imagem: Getty Images

Do UOL, em São Paulo

04/05/2020 14h53Atualizada em 04/05/2020 15h30

O cirurgião argentino Mauro Tamagno vive e trabalha em São Paulo, onde operou mais de 20 pacientes com a covid-19 nos últimos 45 dias. Durante este período, contraiu o novo coronavírus e viu também serem contaminadas a mulher, Renata, e a filha do casal, Valentina, de um ano, que precisou ficar internada.

Chefe de cirurgias torácicas em quatro hospitais de São Paulo, Tamagno se preocupa com o cenário que vive até aqui.

"É uma bomba atômica. Você se sente como em Chernobyl. Isso se espalha com uma velocidade e com uma virulência incontroláveis", disse o médico, em entrevista ao jornal argentino La Nación.

Ele relata que teve o primeiro contato com o vírus em 18 de março, quando a cúpula de um dos hospitais onde trabalha anunciou que os consultórios seriam fechados. Em pouco tempo, soube do primeiro caso — pai de uma médica — e recebeu os primeiros equipamentos de proteção individual.

Segundo ele, a máscara modelo face shield "é muito incômoda para operar, te aperta a cabeça e o plástico embaça". Para retomar a visão por trás da proteção, diz o médico, "é preciso deixar de respirar".

No início dos casos, Tamagno recomendou que a mulher fosse com a filha para a casa de familiares, o que não evitou o contágio àquela altura. Mas, segundo ele, o pior estaria por vir.

"Me chamaram para intubar um senhor com covid-19, de 47 anos e 150 kg. Aí, motivado, eu disse: 'vamos'. Quando cheguei ao hospital, foi um sopapo: o ambiente era de guerra. A médica que estava de plantão estava muito nervosa e tensa. Eu já estava preparado, mas outro paciente estava quase morrendo. Tive que esperar uma hora sentado, em silêncio, com o capacete posto diante de um televisor, vendo cada paciente", descreveu.

Quando o cenário parecia mais favorável, o médico decidiu que era a hora de mulher e filha voltarem para casa. Entretanto, dois dias após o regresso familiar, Tamagno sentiu febre por algumas horas.

"Três dias depois de me sentir mal, estava terminando uma cirurgia, e minha esposa Renata me liga, chorando. 'Valentina teve uma convulsão.' Vieram ao hospital", contou ele. A convulsão da filha era decorrente da febre.

"Vendo minha filha, entendi como nunca minha mãe. Não tenho medo de morrer, mas entrei em pânico vendo que algo poderia acontecer à minha filha", acrescentou.

Poucos dias depois, Renata também começou a passar mal. Perdeu o olfato e chorava, dizendo que não queria morrer. O médico admite que se sentiu culpado pelos casos na família.

"Não devia ter voltado. A granada explodiu dentro de casa, ao lado das duas mulheres que amo. Se tivessem tido uma evolução desfavorável, não me perdoaria jamais", disse. "Aí você tem as duas faces da mesma moeda: estar na linha de frente e estar em casa com coronavírus, com toda a família doente. Você vai contando os dias desde o contágio, esperando. É um relógio que corre devagar."