Por auxílio de R$ 600, pessoas passam noite em filas de agências da Caixa
Wagner, 18, e José, 73, saíram cedo de casa nesta quarta-feira, antes do sol. Pouco depois das três da manhã, chegaram ao destino: uma agência da Caixa Econômica Federal no Grajaú, periferia de São Paulo.
José é cadeirante e aproveitou a companhia do sobrinho para tentar retirar o auxílio de R$ 600 do governo federal, cedido em meio à pandemia de coronavírus no Brasil. Mesmo com o banco disponibilizando um aplicativo para celular onde é possível obter o benefício, em teoria, ocupantes das filas presenciadas pela reportagem apontam dificuldade no uso, e acabam indo atrás do dinheiro pessoalmente.
Expostos ao "inimigo invisível" covid-19, pessoas esperam durante a noite em cima de pedaços de papelão, alguns com um cobertor ou máscara. Ou nada. A reportagem do UOL visitou três unidades bancárias da Caixa na zona sul da capital paulista.
O aplicativo Caixa Tem é o recomendado para que os beneficiários consigam sacar ou transferir o valor do auxílio emergencial sem precisar ir até uma agência. A reportagem fez testes em dois smartphones de pessoas diferentes que aguardavam na fila pelo atendimento, para entender a dificuldade da plataforma.
Enquanto o usuário estiver acessando, não é possível navegar em outros aplicativos, caso isso aconteça, o titular do aplicativo volta para o fim da fila de espera no atendimento virtual. O tempo médio de espera é de até 1h30.
A Caixa afirma que "a situação de momento trouxe um volume muito concentrado de acessos, acima das expectativas, que provocou nos períodos de maior concentração a intermitência momentânea do serviço", destacando que o aplicativo é o "mais leve do mercado financeiro" e foi projetado para funcionar em qualquer smartphone. Segundo o banco, o tráfego chegou a mais de 1 milhão de requisições simultâneas, registrando cerca de 20 milhões de transações ao longo de 24 horas.
Ao cantar do galo, ou antes
Amanhecer na fila de um banco para receber R$ 600 do auxílio tem sido a rotina da população dos bairros como Grajaú, Vila São José e Cidade Dutra, no extremo sul da cidade.
Na fila da agência da Caixa da av. Dona Belmira Marin estavam Wagner Ferreira da Silva e seu tio José Silva, citados no início deste texto. Ambos são moradores da região do Grajaú.
José relatou que não consegue transferir o valor, mesmo já tendo sido aprovado no aplicativo recomendado pela instituição financeira.
Chegaram por volta de 3h30 à unidade e às 6h30 aguardavam do lado de fora a abertura da agência.
O benefício é bom neste momento, mas falta uma organização para fosse entregue de forma rápida para todos. Isso aqui é um sofrimento. Estou cansado na cadeira, mas me senti na obrigação de acompanhar meu sobrinho, ele mora comigo. Não ter o que comer em casa é muito difícil, é a nossa situação. Esse dinheiro vai nos servir.
José Silva, 76 anos
Às 5h30, havia cerca de 200 pessoas na fila
A 10 quilômetros dali, a agência da Caixa da av. Senador Teotônio Vilela tem tido a mesma rotina. Com o controle de acesso e demarcações para que os clientes mantenham distância um do outro, a fila é enorme.
Alessandro Santos, 40, diz que quando chegou, por volta de 5h30, já havia 200 pessoas na fila. Desempregado, ele vem tentando há 30 dias recolher o seu auxílio emergencial. Ele esperava ser atendido até o meio-dia, mas com a incerteza se conseguiria ou não ter o dinheiro em mãos.
Todas as pessoas que estão na fila possuem o mesmo problema. Ninguém consegue acessar esse aplicativo do Caixa Tem. É uma situação humilhante. O brasileiro não merece isso. O governo tem condição de dar um suporte melhor. Eles falam em distanciamento, dão o auxílio e gera essa aglomeração. Imagina se todos se infectar, os R$ 600 vai dar para pagar comprar todos os remédios necessários?
Alessandro Santos, 40 anos
Caixa afirma que não é preciso "madrugar"
O UOL procurou o banco para entender como tem sido o protocolo de atendimento das agências citadas.
Em nota, a Caixa afirma que não é necessário madrugar nas filas. Segundo a instituição, todas as pessoas que chegarem nas agências durante o horário de funcionamento, das 8h às 14h, serão atendidas.
"Mesmo com as unidades fechando às 14h, o atendimento continua até o último cliente do dia. A Caixa continua atenta à situação das filas em todo o Brasil", diz a nota.
Filho de um ano na fila
Rafael Euclides da Silva, 46, e a sua esposa, Sandra de Jesus, 38, chegaram na unidade por volta de 4h30, pela quarta vez, para tentar sacar o benefício.
Com medo de contaminação de seu filho de 1 ano e de sua esposa, Rafael conta que chegou e já havia gente dormindo na fila. Ele também afirma que precisa do dinheiro, pois está morando de favor em uma casa no Grajaú, por não ter condições de pagar um aluguel.
Só estamos nos colocando em risco. Quero acreditar que só tá aqui quem realmente precisa. Não tenho dinheiro para comprar um gás, improvisei um bloco com lenha e estamos nos virando. Não sei aonde está o governo para nos ajudar. Não sabemos se vamos morrer de fome ou dessa doença. Estou usando máscara, mas vendo meu filho aqui, sem, me dá uma revolta, ter de trazer ele e colocá-lo em risco, junto com minha esposa, é difícil para mim.
Rafael Euclides da Silva, 46 anos
"Tudo funciona com rapidez nas eleições"
O marmorista Miguel de Castro Alves, 65, é morador da Ilha Bororé, na mesma região. Ele gasta cerca de duas horas para chegar até a agência da Caixa do Grajaú. Estava marcando presença na fila pela terceira vez consecutiva para efetuar o saque do auxílio. Todos os dias em que esteve presente ele chegou entre 3h e 4h na unidade.
Infelizmente é o Brasil que temos para o momento. Tudo funciona com rapidez nas eleições, mas agora eles não conseguem pagar um auxílio, que é nosso direito. Fica nesse jogo de empurra. Sempre alguém ganha, e quem perde é o povo, o pobre. O mundo está sendo nocauteado pela insensatez. Você imagina, a gente se arriscando aqui, e o tanto de gente que pode estar infectada esperando o resultado de um teste que demora 15 dias para sair.
Miguel de Castro Alves, 65 anos
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.