Bairros com menos empregos formais em SP têm mais mortes pelo coronavírus
A quantidade proporcional de empregos formais em cada bairro e a renda média destas regiões têm influenciado diretamente no número de mortes causadas pela covid-19 na capital paulista. Nos bairros com menos postos formais e renda menor, há mais vítimas da doença.
Os dados constam de análise da Rede Nossa São Paulo, que cruzou informações do Mapa da Desigualdade do ano passado com os registros de mortes por coronavírus nos distritos da capital paulista.
Os números levam em conta os distritos onde estão os postos de trabalho formais Como há mais postos em bairros nobres e do centro, os moradores da periferia têm de fazer grandes deslocamentos e ficam mais expostos ao vírus, segundo a análise da Rede Nossa São Paulo.
Enquanto na Barra Funda, que tem a maior proporção de empregos formais em relação ao número das pessoas em idade ativa (5.920 vagas para cada 1.000 moradores), houve 21 mortes pela covid-19, entre suspeitos e confirmados, no extremo leste, na Cidade Tiradentes, com o pior índice de postos de emprego formal da cidade (24 para cada 1.000 habitantes), foram registradas 223 vítimas. Os dados foram compilados até o último dia 2.
Bairros com mais empregos formais:
- Barra Funda (5.920 para cada mil) - 21 mortes
- Sé (4.640 para cada mil) - 27 mortes
- Itaim Bibi (3.460 para cada mil) - 103 mortes
- Bom Retiro (2.270 para cada mil) - 42 mortes
Bairro com menos empregos formais:
- Cidade Tiradentes (24 para cada mil) - 223 mortes
- Iguatemi (33 para cada mil) - 159 mortes
- Tremembé (44 para cada mil) - 246 mortes
- Anhanguera (40 para cada mil) - 41 mortes
Os números voltam a jogar luz para a situação dos trabalhadores informais. Na última semana, entregadores de aplicativos fizeram uma greve nacional por mais direitos, aumento no valor das entregas e maior proteção em relação à covid-19 (EPI's, álcool em gel, remuneração para casos suspeitos, entre outros pontos). Batizado de #BrequeDosApps, o movimento planeja nova greve no próximo dia 25.
Organizada pelas redes sociais, os grevistas também vêm convocando motoristas de aplicativo — também informais — para aderir ao movimento.
Renda e extrema pobreza
O cruzamento de dados também evidencia que os bairros com mais famílias em condições de extrema pobreza (que recebem até um quarto do salário mínimo por mês) registram mais mortes pelo coronavírus.
Bairros com menor nº de famílias em extrema pobreza
- Barra Funda - 21 mortes e 160 famílias em condição de extrema pobreza
- Alto de Pinheiros - 48 mortes e 102 famílias em condição de extrema pobreza
- Jardim Paulista - 76 mortes e 124 famílias em condição de extrema pobreza
- Moema - 76 mortes e 125 famílias em condição de extrema pobreza
Bairros com maior nº de famílias em extrema pobreza
- Grajaú - 302 mortes e 34.430 famílias em condição de extrema pobreza
- Jardim Ângela - 282 e 26.857 famílias em condição de extrema pobreza
- Cidade Ademar - 262 e 21.577 famílias em condição de extrema pobreza
- Jardim São Luís - 256 e 20.771 famílias em condição de extrema pobreza
"A Covid-19 é mais letal aos extremamente pobres e mais vulneráveis, já que os distritos que concentram o maior número de famílias em condição de extrema pobreza, com até um quarto de salário mínimo, também concentram os maiores números de óbitos pela doença", diz a análise da Rede Nossa SP.
No caso da renda média familiar (a soma de todo o dinheiro levado pelos membros família em determinado período), a situação é semelhante. Distritos com maior renda, têm menos mortes pela covid-19, enquanto os bairros que tem salários maiores em média têm números menores de vítimas do novo coronavírus.
Bairros com maior renda média familiar:
- Alto de Pinheiros - 48 mortes e R$ 9.344 de renda média
- Morumbi - 42 mortes e R$ 9.091 de renda média
- Perdizes - 103 mortes e R$ 8.756 de renda média
- Consolação - 60 mortes e R$ 8.755 de renda média
Bairros com menor renda média familiar:
- Jardim São Luís - 256 mortes e R$ 983 de renda média
- Raposo Tavares - 105 mortes e R$ 1.519 de renda média
- Jaraguá - 162 mortes e R$ 1.702 de renda média
- Arthur Alvim -161 mortes e R$ 1.832 de renda média
"Não tem muito o que fazer"
Vinicius, 25, começou a trabalhar como entregador por não conseguir emprego em meio à pandemia. Cadastrado em dois aplicativos de entrega há três semanas, ele diz que já viu colegas adoeceram, mas "não tem muito o que fazer" quanto à exposição ao contágio.
A gente tenta tomar cuidado, passa álcool gel, mas são muitas horas de trampo. É claro que você fica preocupado, mas, depois de um tempo, relaxa. Porque não tem muito o que fazer: você pega entrega, pega em dinheiro, fala com cliente, tem tudo"
Ele conta que tem colegas que adoecem e tiram alguns dias de folga, mas, dada a dinâmica dos aplicativos, buscam não ficar muito tempo parados. "Se você fica um ou dois dias sem entregar, eles te deixam lá, horas sem receber pedido - e você não tem nem com quem reclamar. Tem todo um esquema de pontuação", conta.
Além disso, ele diz que o suporte também é pouco ou inexistente. Das duas empresas em que ele está cadastrado, uma não fornece nada aos entregadores e a outra, apenas um frasco de álcool gel e uma máscara por mês.
Isso dá pra quê? Aí eles [os entregadores] relaxam. O que vai fazer? Não tem como passar álcool gel toda hora. A gente sabe [do risco], mas é isso. Não tem nenhum suporte"
Informais sofrem duplamente
Para o infectologista Evaldo Stanislau, pesquisador do Hospital das Clínicas, da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), profissionais na informalidade "sofrem duplamente" com o risco: pelo aumento da exposição e por não terem acesso a equipamentos e procedimentos de segurança adequados.
"Primeiro, esse profissional vai tentar sua subsistência com a cara e a coragem, na rua, se expondo às mais diferentes situações. Segundo, ele faz isso sem estrutura alguma para tal. Se está em uma empresa, tem acesso a manual de boas práticas, treinamento, EPI [equipamento de proteção], muitas vezes está em ambiente controlado", argumenta Stanislau.
Ele dá o exemplo de entregadores por aplicativo e de vendedores ambulantes. Por mais que estes profissionais procurem cumprir as recomendações de higiene e proteção, o infectologista avalia que é virtualmente impossível que as sigam à risca, dadas condições de trabalho.
"Uma máscara de pano deve ser trocada a cada 4h a 6h ou quando suja ou molhada. Que profissional informal tem condições de portar e realizar essas trocas? Também não pode mexer, tem de ficar ajustada. O motoqueiro usa capacete, pega na maquininha... Em vez de proteger, ele acaba facilitando a contração [do vírus]", afirma o médico.
"Eu diria que, provavelmente, o uso dos equipamentos acaba sendo incorreto [por parte dos trabalhadores] em 100% das vezes", lamenta Stanislau.
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