Funcionária da USP confessa culpa em morte de aluno na Poli
Resumo da notícia
- Filipe, 21, morreu em um elevador ao ter o pescoço esmagado por um armário
- A supervisora do garoto confessou crime em acordo ratificado pela Justiça
- Ela admitiu negligência ao ordenar que o garoto transportasse o armário
- Pelo homicídio culposo, a funcionária prestará serviços à comunidade por 8 meses
- Ao UOL, a mãe do garoto diz que "não tem mais vida" desde a morte do único filho
- Funcionária se diz abalada; USP disse que ofereceu assistência à família
Uma funcionária da USP (Universidade de São Paulo) assumiu a culpa pela morte do estudante de geografia Filipe Varea Leme, 21, em um acidente na Poli (Escola Politécnica) no ano passado. A supervisora do aluno assinou um acordo na Justiça, no início de outubro, em que admite negligência e se compromete a cumprir pena de prestar serviços comunitários por oito meses.
Ao UOL, a mãe do estudante, a dona de casa Ester Varea Leme, 64, lamentou a "pena branda" e disse que "já não tem mais vida" após a morte do único filho na tarde do dia 30 de abril de 2019.
Bolsista, Filipe e outro colega davam expediente como monitores de informática na Poli (Escola Politénica da USP) quando foram orientados pela supervisora a deixarem suas funções para ajudar um professor a mudar um armário de sala, embora a instituição conte com uma equipe de manutenção.
O corpo de Filipe foi encontrado às 15h40 daquele dia dentro de um elevador de deficientes, encurralado pelo armário de livros, que, ao se movimentar com o elevador, esmagou o pescoço dele, segundo laudo do Instituto de Criminalística.
MP entendeu que houve 'homicídio culposo'
Após o inquérito policial, que analisou provas e tomou depoimentos, a promotora do caso, Amaitê Iara Giriboni de Mello, entendeu que a "negligência" da supervisora resultou em homicídio culposo, sem a intenção de matar.
Por essa razão, ela propôs a assinatura de um Acordo de Não Persecução Penal, em vigor desde o ano passado, após a aprovação do "pacote anticrime" (Lei nº 13.964/2019).
A nova regra permite ao Ministério Público propor ao investigado por um crime com pena inferior a quatro anos e sem "violência ou grave ameaça" que confesse o delito em troca de não ter seu caso levado à Justiça.
A supervisora de Filipe aceitou a proposta e admitiu sua responsabilidade. No dia 2 de outubro, a juíza Aparecida Angélica Correia ratificou o acordo. Segundo o texto, a "averiguada, agindo culposamente na modalidade negligência, deu causa ao óbito de Filipe Varea Leme".
A funcionária assinou o documento em que "concorda com os termos do acordo (...) e se compromete a cumprir integralmente todas as suas condições". Ela precisará prestar serviços à comunidade ou entidades públicas por oito meses "em local a ser indicado pelo juízo".
De acordo com a magistrada, "com o cumprimento integral do acordo, será extinta a punibilidade da averiguada, não implicando qualquer registro de antecedentes em sua folha de antecedentes criminais".
O descumprimento de qualquer condição do acordo implicará em sua revogação e apresentação de denúncia pelo Ministério Público
Acordo celebrado em 2 de outubro
"Não tenho mais vida"
Mãe de Filipe, Ester afirma que a declaração da funcionária "foi o mínimo que se poderia esperar". "Sobre a pena, considero muito branda", diz ela, que não participou do acordo. "Meu marido e eu não tomamos parte nisso, já que tudo foi feito de modo frio e automático entre o MP e a funcionária."
A mãe afirma estar "muito decepcionada com a forma como a USP nos tratou desde a comunicação da morte". "Faz um ano e meio desde o fato e, até hoje, ninguém da Poli ou da reitoria da USP sequer nos enviou uma carta de condolências", diz.
Em nota, a Poli afirma que em maio do ano passado publicou texto de pesar em seu site e que a diretoria ofereceu suporte à família. A instituição menciona o vice-diretor do Instituto de Psicologia, que "foi à delegacia receber os pais do aluno no momento em que foram informados da morte".
A nota diz também que a diretora da Poli foi ao velório e se colocou "disponível para ajudar no que fosse preciso". "Em várias ocasiões, o pai do aluno manteve contato telefônico e pessoal com a Assistente Técnica Acadêmica da Escola, que atendeu todas as demandas feitas por ele e por seus advogados (...) e foi recebido pessoalmente pela Diretora da Escola."
Minha vida? Não tenho mais vida. Tristeza é um veneno que tomo todos os dias ao acordar e lembrar que não vou ouvir, ver, sorrir e conversar com ele. Ele era toda minha alegria e riqueza, seu amor e cuidado me faziam ter orgulho de ter dado à luz uma pessoinha tão especial, meu anjo Filipe
Ester Varea Leme, mãe de Filipe
Supervisora está "muito abalada"
Procurada, a supervisora não quis comentar o assunto. Seu advogado, José Manuel Viana da Mota, disse que a cliente "seguiu ordens do chefe", o diretor do serviço técnico de informática da Poli, que prestou depoimento mas não foi apontado como responsável.
"Ela é uma funcionária superior apenas aos estagiários. Ela faz o que o gerente determina. Segundo o outro menino, ela que teria pedido para fazer a mudança, mas foi por ordem do chefe."
"Não tenho nada a declarar pois tudo está nos inquéritos", disse o superior da funcionária, ao ser procurado pelo UOL.
O advogado Mota disse que sua cliente está chocada por "uma fatalidade tão grande". "Ela está muito abalada, jamais poderia imaginar o que ia acontecer. Ela tem dois filhos adotivos, é uma pessoa de coração grande."
Indenização por danos morais
A admissão de negligência por parte da funcionária é considerada uma vitória pelo advogado da família de Filipe, o criminalista Euro Bento Maciel Filho. "Por mais que a USP tenha tentado culpar o Filipe pelo acidente, conseguimos apontar um responsável e que houve de fato um crime. Esses foram os maiores desafios desde o início."
Após a confissão, os advogados da família dizem que é possível pleitear uma indenização por danos morais. Rogério Licastro de Mello, que representa a família no processo cível, estima uma ação de R$ 1 milhão —R$ 500 mil para cada genitor.
"No processo civil, a USP alega que a morte decorreu de um risco assumido pelo Filipe. A funcionária teria apenas pedido, mas quem decidiu transportar um armário nos próprios braços e usar o elevador foi o menino, assim responsável pelo próprio óbito", diz Licastro Mello. "Com a confissão, essa tese da universidade vai para o ralo."
Sobre a afirmação dos advogados de que a USP tenta criminalizar Filipe nos autos do processo, a universidade afirma que "não cabe à universidade pronunciar-se a respeito da discussão judicial sobre a responsabilidade pessoal por todo o ocorrido, uma vez que as medidas para a apuração do caso foram uma iniciativa da própria USP".
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