Jovem acusa dono de bar de racismo em GO: 'Vim conferir se era gente mesmo'
A estudante de pedagogia Sarah Silva, de 20 anos, denunciou um episódio de racismo que afirma ter sofrido do proprietário do Buteko do Chaguinha, no Jardim América, em Goiânia. A vítima disse ao UOL que o caso aconteceu no último sábado (31) quando o dono do estabelecimento teria falado que foi "ver se era gente ou se era uma raposa na sua cabeça", referindo-se ao cabelo crespo da mulher. A Polícia informou que o caso já foi enviado ao delegado responsável e o suspeito será intimado para depor na próxima semana.
Sarah compartilhou o caso no Instagram e disse à reportagem que estava no bar com a irmã e uma amiga por volta das 18h30 no sábado. Ela afirma que o dono do bar viu o trio chegando ao local. Assim que se sentaram, foram atendidas, e quando chegou a bebida, o proprietário teria se aproximado da vítima e proferido o insulto racista.
"Francisco das Chagas [dono do bar] se aproximou de mim e, em tom de deboche, já rindo, ele disse: 'eu vim ver se era gente mesmo ou se era uma raposa na sua cabeça'. Aí eu fiquei olhando para ele, tentando entender que aquilo se tratava de uma violência. Aí ele falou assim: 'eu estou falando do seu cabelo'", disse Sarah.
A estudante contou que, em seguida, o dono do local começou a rir com um amigo dele que estava em uma mesa próxima do trio. Segundo Sarah, ela soube que o homem era dono do local porque funcionários do estabelecimento passaram a informação para ela.
Após o insulto racista, Sarah explicou que ela e as outras pessoas que a acompanhavam pediram a conta e saíram do local. A jovem ainda conta que, antes de sair, o proprietário do estabelecimento ainda teria se aproximado dela.
"Depois ele [dono do bar] se aproximou de mim, eu estava levantando, mas ele veio e ficou atrás de mim olhando pela janela, porque eu estava perto de uma janela bem grande", contou.
Sarah explica que a sua irmã e amiga, que são brancas, afirmaram que "nunca tinham visto uma situação daquela maneira e elas não conseguiram falar [e reagir as ofensas] na hora".
A estudante disse que só conseguiu registrar o boletim de ocorrência ontem de manhã no 7º DP (Distrito Policial) do Jardim América, após diversas tentativas em outras unidades desde a segunda-feira (2).
A Polícia informou ao UOL que a ocorrência já foi enviada para o delegado responsável no 7º DP, Manuel Borges de Oliveira, que pediu a intimação do suspeito. O dono do bar será ouvido na manhã da próxima terça-feira (10). Segundo a corporação, a investigação do caso segue em andamento.
'Duvidou da minha humanidade'
Sarah narra que se sentiu muito "triste, invadida, desrespeitada em um nível muito profundo porque ele [dono do bar] duvidou da minha humanidade". Ela disse que é comum episódios de "violência racista" contra ela, mas foi a primeira vez que ela decidiu expor na internet.
"E, apesar de ser uma situação muito rotineira, a cada violência racista que a gente sofre, elas chegam com um peso maior. Apesar de a gente acumular, ter uma força, sermos fortalecidos com o passar de cada violência, com o passar dos dias, há momentos que se torna insuportável devido ao peso. Que foi o que aconteceu dessa vez. Tanto é que eu tornei público algo que eu não tornava na internet. Porque quando isso acontece, eu não penso só em mim, eu penso nas outras pessoas negras e não-brancas que passam por isso diariamente também."
A advogada de Sarah, Julyana Macedo, informou em comunicado enviado ao UOL que a sua cliente decidiu tornar o caso público "não só por si, mas por toda comunidade negra do país".
"Quando Sarah teve sua humanidade questionada, sua dor se somou à de seus ancenstrais. Por isso, denunciar a violência vivida, passa, antes de tudo, pela denúncia ao extermínio dos jovens negros periféricos, das mulheres negras mortas sem atendimento médico e por todas as dores das população negra do país", explicou a defesa da vítima.
Na tarde de ontem aconteceu um ato de repúdio em frente ao Buteko do Chaguinha, no Jardim América. Sarah disse nas redes sociais que as portas do estabelecimento foram fechadas e havia seis carros de polícia no local para acompanhar a manifestação.
O outro lado
O estabelecimento declarou ao UOL que pede "desculpas formais à sr. Sarah e a todos que se sentiram ofendidos com o ocorrido, firmando nosso compromisso de que nenhum ato similar a este ocorra novamente em nosso estabelecimento".
Sobre o ato de repúdio que aconteceu ontem, o Buteko do Chaguinha disse que respeita as manifestações pacíficas e "reforça a sua nota de esclarecimento, afirmando que é veementemente contra atos de racismo ou discriminação de qualquer tipo".
A nota citada pela empresa foi publicada no perfil do Instagram anteontem no qual se refere ao "incidente" e afirma que são contra "todos os tipos de discriminação", "especialmente contra a discriminação racial, repudiando atos desta natureza".
Ainda no texto, o local declarou que possui um quadro de funcionários diverso e inclusivo em todas as unidades e que tomam "verdadeiras e constantes ações pela inclusão e igualdade social, em todos os níveis".
Confira a nota na íntegra divulgada pelo local:
"Sobre o incidente que ocorreu no dia 31/10/2020, o Buteko do Chaguinha, vem em nota se manifestar para afastar qualquer mal-entendido e afirmar que é veementemente contra todos os tipos de discriminação e especialmente contra a discriminação racial, repudiando atos desta natureza.
É necessário esclarecer que, a despeito das recentes manifestações nas redes sociais, tomamos verdadeiras e constantes ações pela inclusão e igualdade social, em todos os níveis. Temos um quadro de funcionários diverso e inclusivo em todas as nossas 3 unidades. Contamos com mulheres e negros em cargos de gerência e na gestão de pessoas. Em nossos salões atendem em todos os turnos garçons e garçonetes com diferentes cores de pele, crenças religiosas e condição social. Nossos clientes são igualmente recebidos e bem tratados durante os quase 50 anos de existência do Buteko do Chaguinha.
Nossa equipe se constitui de um time plural, com colaboradores de todas as crenças, cores, gêneros e condição sócia, e somos assim porque cultivamos diariamente uma cultura efetiva de inclusão e de igualdade.
Em 1972 iniciamos a nossa história, a qual, ao longo destes anos se misturou à história de Goiânia. Assim como nossa amada cidade estamos caminhando pelo desenvolvimento e evolução. Neste episódio isolado não poderia ser diferente e para isso viemos a público para prestar os devidos esclarecimentos, em respeito a todos os nossos clientes.
Sabemos que o racismo é um problema social estrutural e generalizado em nosso país e, portanto, não nos isentamos de nossa responsabilidade como organização social em agir e combater efetivamente o racismo em nossa sociedade."
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