Criança diz que foi agredida ao ser expulsa de restaurante na Paraíba
O menino de dez anos que foi expulso junto com o irmão, de 11 anos, de um restaurante no centro de Campina Grande (PB), na última segunda-feira (21), relatou à policia que levou vários tapas na orelha e que também teve o pescoço apertado supostamente pelo proprietário do estabelecimento, Luiz Manuel Medeiros Costa, 60, conhecido como Luiz Malibu. O investigado nega que tenha agredido fisicamente as crianças e que, apenas, as expulsou do local.
Em documento obtido com exclusividade pelo UOL, o relato do menino corrobora com o de testemunhas que estavam passando pelo local. A criança contou a polícia que entrou no restaurante para receber uma moeda de uma cliente, que o havia chamado, mas "quando retornou, foi agredido com um tapa na orelha" e o suposto proprietário do restaurante "apertou o seu pescoço", além dele e do irmão teriam sido ofendidos com palavrões enquanto eram arrastados até a calçada.
O menino destacou ainda que tentou se defender, mas não conseguiu e ficou chorando na calçada junto com o irmão. Na autuação da Policia Militar há descrição similar ao relato da vítima. Foi neste momento que o cantor gospel Tony Diego da Silva Costa passou pelo local e presenciou os garotos chorando na calçada.
Indignado com a situação, Costa se dirigiu ao proprietário do Malibu e questionou o que tinha ocorrido. "Perguntei: 'quem bateu nessa criança? pois estou aqui porque os dos meninos estão chorando ali na calçada. Ele tentou me agredir e eu não me intimidei e afirmei que iria testemunhar sobre o ocorrido porque aquilo tudo, um caso de racismo estrutural, jamais poderia está acontecendo", contou Costa, em entrevista ao UOL.
Dezenas de pessoas se aglomeraram na porta do restaurante para tomar satisfação do que tinha ocorrido com as crianças, mas, apenas Costa foi o único que se dispôs a ser testemunha do caso. "Eu mesmo chamei a polícia para ele se explicar na delegacia, e as providências legais fossem tomadas. As crianças foram tratadas com desumanidade. Eram 13h49, as crianças estavam com fome, havia comida no buffet do restaurante e nada foi oferecido. Com a aglomeração, a polícia chegou, fez barreira pra ninguém passar e o dono do restaurante foi preso", relatou.
A testemunha disse que após prestar depoimento, na saída da Central de Flagrantes, Medeiros teria o ameaçado novamente. "Ele disse que ia me pegar, que eu ia ver. Só espero que a polícia tome providências para esse caso dos meninos não fique impune e eu também vou cobrar à polícia providências, pois sou testemunha e fui ameaçado."
Um vídeo mostra um dos meninos expulsos do restaurante com a orelha esquerda lesionada com a agressão sofrida supostamente cometida pelo empresário. Medeiros foi solto após a polícia lavrar um TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência) e ele assinar um termo de compromisso. Ele está sendo investigado por lesão corporal. O caso vai ser remetido para a Delegacia da Infância e Juventude após o recesso de final de ano. Medeiros já foi condenado pelo crime de calúnia e denunciado pelo crime de estelionato e formação de quadrilha.
Moradores de Campina Grande estão se mobilizando uma ação solidária para ajudar a família das crianças, com alimentos, roupas e brinquedos. No próximo domingo (27), o grupo vai até a comunidade de São José da Mata, onde as crianças moram, levar os donativos. A família já recebeu uma cesta básica e um dos meninos ganhou uma bicicleta.
A mãe da criança, a feirante Kaliane Batista da Silva, 31, acompanhou o depoimento do filho e afirmou ao UOL que encontrou o menino na Central de Flagrantes de Campina Grande bastante assustado e ele foi logo mostrando o machucado, além de, segundo ela, estar nervoso com a situação. O outro filho, segundo ela, apesar de ter também sido expulso do restaurante com agressões verbais, não foi ouvido. No TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência) obtido pelo UOL não consta as agressões verbais e os supostos crimes de racismo estrutural sofridos pelo segundo menino. O crime vai ser apurado pela Delegacia da Infância e Juventude, após o recesso de final de ano.
A mãe dos meninos contou que tomou um susto e sofreu uma crise nervosa quando a Polícia Militar chegou à casa dela para buscá-la informando que o filho estava na Central de Flagrantes. Kaliane destacou que os filhos são crianças obedientes, que nunca bateu neles e que está revoltada porque o filho foi agredido.
"Nunca nem eu e nem meu marido batemos nos nossos filhos para vir um estranho bater, agredir só porque somos pobres. Espero que a Justiça seja feita, pois os meus dois filhos não param de chorar, estão assustados. Eles estão tão traumatizados com o que aconteceu que não têm nem coragem de ir para a calçada daqui de casa", relatou a mãe das crianças, destacando que a vida financeira da família é difícil por não ter oportunidade de emprego.
"Eles estavam vendendo balas para ajudar a nossa sobrevivência. Vendo feijão na feira central enquanto eles saem para vender as balinhas. Mas, agora, eles não vão mais e, se já era difícil conseguir alimento, não sabemos como vai ser agora. Estou com medo por que falam que esse homem [Luiz Medeiros] é rico, poderoso. Estou pedindo força a Deus para aguentar tudo isso", relatou.
Os dois meninos estudam, mas devido a pandemia do novo coronavírus, as aulas estão suspensas e a merenda da escola faz falta na alimentação deles. Eles fazem o 4° e o 5° anos. "Só recebi uma vez alimento da escola, agora, a gente tem de se virar pra sobreviver. Eles não estão na rua vendendo balas porque queremos. Se eu pudesse, meus filhos estavam estudando e não faltava refeição, mas com o apurado que tenho na feira e o bolsa família não dá para nada", contou Kaliane.
Empresário diz ser vítima de falsa testemunha
Em depoimento, o empresário afirmou que o menino fica entrando no restaurante e "perturbando", "mexendo na comida do buffet" e que a criança ameaçou "jogar sobre a mesa." "Por esta razão, o acusado colocou para fora do local. Que não desferiu um tapa na orelha da criança", alegou Medeiros.
Duas semanas após a publicação da matéria, o empresário entrou em contato e afirmou ser "vítima de uma falsa testemunha", que não agrediu o menino com tapa na orelha e que o exame de corpo de delito "confirma que não houve qualquer lesão corporal". Medeiros alegou que pegou o menino com "força" e "firmemente" para retirá-lo do restaurante.
"Estava trabalhando quando o garoto entrou sem nada nas mãos. pois deixou a caixa de balas na primeira mesa que estava desocupada, se dirigindo ao cliente que estava almoçando. Imediatamente, fui retirá-lo, pois várias vezes esses garotos já tiraram pertences que ficam sobre as mesas, e quando segurei nos braços dele, começou a gritar 'você está me batendo'. Eu respondi: 'não estou lhe batendo e, sim, tirando você daqui. Se quiser pedir, fique lá na porta'", disse o empresário.
Segundo ele, em seguida, o menino disse que iria entrar novamente no restaurante e que iria quebrar a primeira mesa do estabelecimento, que é de granito. O empresário afirmou que o menino não quebrou a mesa, mas entrou no restaurante mesmo estando proibido. "Ele fez o que prometeu, tendo eu que pegar mais uma vez, inclusive, com força, pois apesar do garoto ter apenas 12 anos, ele é bem fortinho, e eu tenho 60 anos. Eu o coloquei para fora novamente. Logo em seguida, ele começou o show dizendo que eu tinha batido nele", contou.
"Na audiência provarei minha inocência e vou me municiar das acusações injustas proporcionadas por uma falsa testemunha. Confiram no laudo que não houve qualquer lesão corporal e que o inchaço se deu (conforme relato da mãe) por causa de urtiga e que tudo foi provocado por uma falsa testemunha, que não estava presente e inventou toda essa história, sendo vítimas eu e a mídia", argumentou.
Laudo é inconclusivo
O documento emitido pelo IPC (Instituto de Polícia Científica) afirma que a mãe do menino contou que ele feriu a orelha esquerda ao bater em uma urtiga, mas que "após a agressão física teria aumentado o edema". O laudo deu resultado inconclusivo, informando que não há elementos para negar ou comprovar a suposta agressão física. "Não podemos afirmar ou negar lesão referente à agressão física ou sobreposta, pois o evento de acidente com urtiga pode cursar com semelhante lesão", diz trecho do laudo.
Procurada pelo UOL, a mãe do menino disse que desconhece que o filho se feriu ao bater a orelha em uma urtiga. Ela disse que nunca informou essa suposta situação, pois não ocorreu. "Meu filho, além de ter sofrido agressão física, foi vítima de agressões verbais e psicológicas", alegou.
"Aquilo na orelha do meu filho nunca foi urtiga, foi uma das tapas que ele levou do dono do restaurante. Ele me contou logo que cheguei à delegacia que tinha sido agredido e estava muito assustado, pois nem ele e nem meu outro menino nunca se envolveram em confusão na rua. Os meus dois meninos estão com medo de sair para a calçada depois que isso tudo aconteceu. Eles estudam, são crianças tranquilas e estavam me ajudando a conseguir algum dinheiro com a venda dos doces para comprarmos comida, pois as aulas estão paradas por conta da pandemia e a merenda faz falta para eles", disse.
O empresário afirmou ainda que não tem imagens do dia em que teria ocorrido a agressão, pois o aparelho de gravação e armazenamento do circuito interno do restaurante apresentou um problema técnico, parando de armazenar imagens a partir do dia 29 de julho. Ele informou que vai repassar para a polícia o equipamento eletrônico.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.