Topo

Esse conteúdo é antigo

Suspeito de agredir crianças foi condenado por calúnia e citado em máfia

Restaurante Malibu, em Campina Grande (PB), onde duas crianças negras que tentavam vender doces foram agredidas e expulsas - Flávia Barbosa
Restaurante Malibu, em Campina Grande (PB), onde duas crianças negras que tentavam vender doces foram agredidas e expulsas Imagem: Flávia Barbosa

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, em Maceió

22/12/2020 23h00Atualizada em 08/01/2021 21h33

O empresário Luiz Manuel Medeiros Costa, investigado por expulsar duas crianças negras de um restaurante em Campina Grande (PB) e agredir fisicamente uma delas, já foi condenado pela Justiça pelo crime de calúnia e também foi processado pelo MPF (Ministério Público Federal) em uma denúncia por estelionato e formação de quadrilha, que investigou um grupo que clonava cartões, sendo conhecido como Máfia dos Cartões.

Na tarde de ontem, ele foi preso em flagrante após o fato ocorrido no restaurante Malibu. Um dos meninos expulsos do restaurante ficou com a orelha esquerda lesionada com a agressão sofrida. Medeiros foi solto após assinar um termo de compromisso e responderá em liberdade. Ele está sendo investigado por lesão corporal.

Na tarde de ontem, ele foi preso em flagrante após o fato ocorrido no restaurante Malibu, localizado no centro da cidade, e levado para a Central de Flagrantes de Campina Grande. Um vídeo mostra um dos meninos expulsos do restaurante com a orelha esquerda lesionada com a agressão sofrida supostamente cometida pelo empresário. Medeiros foi solto após a polícia lavrar um TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência) e assinar um termo de compromisso. Ele está sendo investigado por lesão corporal. O caso vai ser remetido para a Delegacia da Infância e Juventude após o recesso de final de ano.

Medeiros já foi envolvido em um escândalo em Campina Grande chamado de "Máfia dos Cartões", no qual um grupo de 22 pessoas foi acusado de crime de estelionato e formação de quadrilha, segundo denúncia do MPF. De acordo com as investigações, o grupo usava cartões clonados e cartões de clientes para passar valores exorbitantes nas maquinetas dos estabelecimentos comerciais envolvidos. O caso ocorreu em 1998, o grupo foi condenado pela Justiça Federal, mas recorreu ao Superior Tribunal de Justiça e, devido à morosidade em julgar o processo, a denúncia prescreveu em 2016.

Além disso, o empresário já foi condenado por crime contra a honra. Em 2016, uma funcionária do restaurante apresentou um atestado médico, e Medeiros publicou nas redes sociais dizendo que o atestado era falso, alegando que ela não estava doente, pois tinha ido para a festa de São João e não foi trabalhar.

A médica ingressou com ação judicial, e Medeiros foi condenado pelo crime de calúnia em 2018. A defesa do empresário ingressou com embargos e, agora, ele aguarda ser intimado da condenação. O advogado disse que Medeiros admitiu que não deveria ter exposto o atestado, que agora, aguarda a punição devida.

O empresário também foi processado pelo Ministério Público Federal junto com mais 21 pessoas pelo crime de estelionato, em 1998, sobre a ação criminosa de clonagem de cartão de crédito, chamada a Máfia dos Cartões. A denúncia prescreveu no Superior Tribunal de Justiça, em 2016, devido à morosidade em julgar o caso.

"Agora tudo que acontece com preto é crime", diz advogado

Ontem, o empresário foi preso após o fato ocorrido em seu restaurante. Procurada pela reportagem, a defesa do advogado negou que ele tenha agredido e causado o ferimento em uma das crianças.

Segundo testemunhas, as duas crianças entraram no restaurante para tentar vender doces, e o proprietário teria supostamente expulsado os meninos e um deles teria sofrido agressões físicas. Um vídeo mostra que um dos meninos ficou com a orelha lesionada devido à agressão sofrida. Nas imagens, o menino está chorando e passando a mão na orelha, bastante assustado.

O advogado Afonso Vilar, contratado por Medeiros, afirmou que "agora tudo que acontece com preto, pobre e mulher é crime". "Não ocorreu nenhuma agressão física. Quando o menino proferiu palavras de baixo calão, imediatamente, ele foi colocado para fora. Passou gente na hora e gerou um tumulto porque agora tudo que acontece com preto, pobre e mulher é crime", afirmou Vilar.

A defesa do empresário disse que ele vai disponibilizar as imagens das câmeras do restaurante "no momento oportuno para esclarecer o ocorrido". De acordo com Vilar, o cliente dele contou que os meninos estavam mexendo no bufê do self service, teriam sido repreendidos e um deles teria ameaçado quebrar uma mesa do restaurante.

"Aquela criança sempre passa no restaurante e causa incômodo. Mexe no self service, pede comida. O Luiz [Medeiros] pediu que o menino se retirasse junto com a outra criança, mas ele falou que não tinha medo de nada, que ele deixasse de bocão porque ele iria quebrar uma mesa. Daí, ele (Medeiros) o pegou pelos braços e o botou para fora", alegou.

Vilar afirmou ainda que soube da lesão da orelha do menino ao ver os vídeos e questionou Medeiros, que negou. "Ele me relatou que somente pegou o menino pelos braços e o colocou para fora do restaurante. Se apareceu essa lesão na criança não foi no restaurante, ela já estava com o machucado", afirmou o advogado, destacando que o empresário não prestou assistência médica ao menino porque "ele está sendo acusado de um crime que não cometeu".

Duas semanas após a publicação da matéria, o empresário entrou em contato com o UOL e afirmou ser "vítima de uma falsa testemunha", que não agrediu o menino com tapa na orelha e que o exame de corpo de delito "confirma que não houve qualquer lesão corporal". Medeiros alegou que pegou o menino com "força" e "firmemente" para retirá-lo do restaurante.

"Estava trabalhando quando o garoto entrou sem nada nas mãos. pois deixou a caixa de balas na primeira mesa que estava desocupada, se dirigindo ao cliente que estava almoçando. Imediatamente, fui retirá-lo, pois várias vezes esses garotos já tiraram pertences que ficam sobre as mesas, e quando segurei nos braços dele, começou a gritar 'você está me batendo'. Eu respondi: 'não estou lhe batendo e, sim, tirando você daqui. Se quiser pedir, fique lá na porta'", disse o empresário.

Segundo ele, em seguida, o menino disse que iria entrar novamente no restaurante e que iria quebrar a primeira mesa do estabelecimento, que é de granito. O empresário afirmou que o menino não quebrou a mesa, mas entrou no restaurante mesmo estando proibido. "Ele fez o que prometeu, tendo eu que pegar mais uma vez, inclusive, com força, pois apesar do garoto ter apenas 12 anos, ele é bem fortinho, e eu tenho 60 anos. Eu o coloquei para fora novamente. Logo em seguida, ele começou o show dizendo que eu tinha batido nele", contou.

"Na audiência provarei minha inocência e vou me municiar das acusações injustas proporcionadas por uma falsa testemunha. Confiram no laudo que não houve qualquer lesão corporal e que o inchaço se deu (conforme relato da mãe) por causa de urtiga e que tudo foi provocado por uma falsa testemunha, que não estava presente e inventou toda essa história, sendo vítimas eu e a mídia", argumentou.

O documento emitido pelo IPC (Instituto de Polícia Científica) afirma que a mãe do menino contou que ele feriu a orelha esquerda ao bater em uma urtiga, mas que "após a agressão física teria aumentado o edema". O laudo deu resultado inconclusivo, informando que não há elementos para negar ou comprovar a suposta agressão física. "Não podemos afirmar ou negar lesão referente à agressão física ou sobreposta, pois o evento de acidente com urtiga pode cursar com semelhante lesão", diz trecho do laudo.

Procurada pelo UOL, a mãe do menino disse que desconhece que o filho se feriu ao bater a orelha em uma urtiga. Ela disse que nunca informou essa suposta situação, pois não ocorreu. "Meu filho, além de ter sofrido agressão física, foi vítima de agressões verbais e psicológicas", alegou.

"Aquilo na orelha do meu filho nunca foi urtiga, foi uma das tapas que ele levou do dono do restaurante. Ele me contou logo que cheguei à delegacia que tinha sido agredido e estava muito assustado, pois nem ele e nem meu outro menino nunca se envolveram em confusão na rua. Os meus dois meninos estão com medo de sair para a calçada depois que isso tudo aconteceu. Eles estudam, são crianças tranquilas e estavam me ajudando a conseguir algum dinheiro com a venda dos doces para comprarmos comida, pois as aulas estão paradas por conta da pandemia e a merenda faz falta para eles", disse.

O empresário afirmou ainda que não tem imagens do dia em que teria ocorrido a agressão, pois o aparelho de gravação e armazenamento do circuito interno do restaurante apresentou um problema técnico, parando de armazenar imagens a partir do dia 29 de julho. Ele informou que vai repassar para a polícia o equipamento eletrônico.

Protestos e pedidos de boicote ao restaurante

O restaurante Malibu abriu normalmente no dia de hoje e foi alvo de protestos de duas entidades de movimentos sociais que afirmaram que estão organizando um protesto com boicote ao estabelecimento comercial. A Unidade Popular de Campina Grande afirmou, em nota, que é preciso "boicotar esse e denunciar outros estabelecimentos que agirem assim, e exigir que a Justiça seja feita!".

"É mais um caso de agressão motivada pelo racismo e pela legitimação da violência com os que são pobres nesse país. Precisamos urgentemente denunciar a violência que o racismo impõe. Uma criança tem que ter o direito de ser criança e jamais deveria estar trabalhando, nem passando por uma situação tão humilhante e violenta quanto essa! Isso precisa acabar!", alertou a entidade, destacando que o "racismo estrutural fica evidente ao observarmos que a maior parte do povo pobre é negro. Nesse caso em especial temos outro agravante, eram crianças submetidas ao trabalho infantil, que é ilegal".

O grupo Levante Popular da Juventude da Paraíba publicou um vídeo do momento em que pessoas se aglomeram na porta do restaurante aguardando a chegada da Polícia Militar enquanto outras prestam assistência às duas crianças e afirmou que é por imagens como aquelas que as pessoas devem evitar ir ao restaurante.

"Mais um episódio de racismo se configura em Campina Grande. Esse não é o primeiro e nem será o último caso de racismo denunciado na cidade. É revoltante que, em tempos de pandemia, com o aumento do trabalho informal e infantil para que as famílias - em sua maioria, negras - possam garantir o mínimo de sobrevivência (o que o Estado falha em fazer), crianças estejam sendo tratadas dessa forma por homens brancos e ricos", disse a nota do movimento.