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MPF pede condenação de delegado por sequestro de ex-fuzileiro na ditadura

"Carlos Metralha" é suspeito de participar do crime junto com o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra - Michel Filho/O Globo
"Carlos Metralha" é suspeito de participar do crime junto com o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra Imagem: Michel Filho/O Globo

Colaboração para o UOL

02/02/2021 14h09

O MPF (Ministério Público Federal) pediu a condenação do delegado aposentado Carlos Alberto Augusto pelo sequestro e desaparecimento do ex-fuzileiro naval Edgar de Aquino Duarte, o que ocorreu em 1971. Essa pode ser a primeira vez que um ex-agente da ditadura militar será condenado no Brasil pela perseguição política no período. Isso acontecerá se a 9ª Vara Criminal Federal de São Paulo acolher os argumentos do MPF.

O MPF apresentou a Justiça as alegações finais do processo e pede que o delegado aposentado seja condenado por sequestro qualificado, considerando-se o longo período em que Duarte está desaparecido, sua incomunicabilidade e as agressões físicas e psicológicas a que foi submetido.

O Ministério Público pede ainda que a conduta social e a personalidade do réu sejam levadas em conta para o aumento das penas previstas no artigo 148 do Código Penal. Se o pedido foi atendido, o MPF quer prisão em regime fechado, sem a concessão de nenhum benefício, considerando-se a gravidade do crime. E pede também que Augusto seja punido com a perda do cargo de delegado.

O delegado Carlos Alberto Augusto era conhecido como "Carlinhos Metralha" na ditadura. Ele é um dos suspeitos de envolvimento no desaparecimento de Edgar de Aquino Duarte, mas não é o único envolvido no caso. Até 2015, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra também respondia pelo crime, mas deixou de figurar como réu quando morreu. O mesmo ocorreu com o ex-delegado Alcides Singillo, que morreu em 2019.

A ação à qual Carlos Alberto Augusto responde é um dos poucos casos que tiveram andamento na Justiça envolvendo ex-agentes da ditadura. Das 48 denúncias oferecidas pelo MPF nos últimos anos contra integrantes de órgãos da repressão, apenas três resultaram na instauração de ações penais. As demais foram rejeitadas, "em desrespeito a normas e decisões internacionais que obrigam o Brasil a investigar e punir quem tenha atuado no extermínio de militantes políticos entre 1964 e 1985", divulgou o MPF em nota.

Duarte foi expulso da Marinha e exilado em 1964 por causado do Ato Institucional nº 1. Ele voltou ao Brasil em 1968 e não teve mais envolvimento político e trabalhava como corretor de valores quando desapareceu. Mesmo assim foi preso em 13 de junho de 1971. O MPF entende que não havia qualquer ordem judicial que embasasse a ação.

O que aconteceu, segundo o MPF, é que Duarte entrou no radar das autoridades após ter seu nome citado pelo cabo Anselmo. Ambos dividiam um apartamento. Anselmo viria a se tornar um agente infiltrado dos órgãos de repressão, sob supervisão de Carlos Alberto Augusto. E por Duarte teria sido visto como uma ameaça à atuação clandestina do colaborador. Ele poderia desconfiar das circunstâncias da soltura e revelar a outras pessoas a suspeita sobre a parceria entre Anselmo e os militares.

O MPF entende que Augusto participou diretamente da ação que resultou na prisão de Duarte e sua condução ao DOI-Codi. A detenção foi mantida sem comunicação judicial pelos dois anos seguintes. Duarte foi visto por testemunhas pela última vez em junho de 1973.

Sem provas ou registro de seu óbito nem informações sobre seu paradeiro, Duarte permanece formalmente como "sequestrado" até hoje. O MPF destaca que o desaparecimento de Duarte enquadra-se na categoria de crimes contra a humanidade, uma vez que ocorreu no contexto do ataque sistemático e generalizado que o Estado empreendeu contra a população brasileira durante a ditadura militar.

O MPF ressalta também que não cabe anistia aos autores do delito. O Brasil já foi condenado duas vezes pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por deixar de investigar e punir os agentes envolvidos em crimes políticos cometidos no período. O país está voluntariamente vinculado à jurisdição da corte e portanto a Lei da Anistia (Lei nº 6.683/79) não pode ser pretexto para a impunidade dos criminosos.

As sentenças do colegiado interamericano lembram ainda que crimes cometidos no contexto de perseguição política são imprescritíveis, reforçando as normas internacionais que o Brasil tem igualmente o dever de respeitar. Além disso, frisa o MPF, mesmo que coubesse prescrição no caso de Duarte, a contagem do prazo sequer teria começado e só passaria a ser contado a partir do momento em que o crime de sequestro se encerrasse, com a descoberta do paradeiro da vítima.